quarta-feira, 29 de junho de 2011

RDC - REGIME DIFERENCIADO PARA A CORRUPÇÃO



Em casa onde se falta o pão, todos brigam, ninguém tem razão. Assim é o Congresso Nacional. Aborrecidos com a demora na liberação das verbas para as emendas parlamentares incluídas no Orçamento Geral da União (OGU) de 2009 a base aliada já avisou que vai “congelar” as votações do interesse do Palácio do Planalto e, entre elas, as novas regras para licitações das obras da Copa das Confederações em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, ou seja, a famigerada MP 527/2011 (Projeto de Conversão 17/2011) que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) que na votação do último dia 28 a Câmara através de emendas estabelece o acesso dos tribunais de contas como, por exemplo, o TCU (Tribunal de Contas da União) poderá ter acesso aos custos acabando com o sigilo e os licitantes só saberão da estimativa dos preços após a licitação. Outra emenda retirou a possibilidade de a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Internacional (COI) exigirem mudanças nos projetos básico e executivo de obras dos eventos esportivos sem limites para aumento do orçamento. Agora segue para o imprestável Senado Federal onde MP 527/11 deverá sofrer mais emendas posto que não satisfaça os interesses dos empreiteiros e várias entidades que os representam, caso contrário não estariam estrilando. E o presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) disse que verificou no texto da MP que não há nenhum dispositivo sobre sigilo nas obras públicas, mas sim um mecanismo para inibir que as empresas combinem preços entre si, isto quer dizer que o sigilo poderá ser reintroduzido no texto. Aliás, este politicossauro, dias atrás, revelou que era contra o sigilo. O que deve ter acontecido para mudar de opinião? Bem, devemos considerar que já é um octogenário? Os tais aliados (cúmplices, chantagistas, mercenários, aves de rapina, tanto faz) também pleiteiam a prorrogação por, pelo menos, seis meses do decreto que cancela em 30 de junho as emendas que não foram liberadas até esta data ou, no linguajar parlamentar, “restos a pagar”. Segundo a ministra (sic) das Relações Institucionais Ideli Salvatti “o presidenta” Dilma DuCheff  acha-se irredutível em não atender ao pleito dos “senhores” parlamentares (Collor, 1990-1992, também era irredutível em não atender as “solicitações” dos parlamentares e todos sabem no que deu).


Esse RDC (Regime Diferenciado de Contratações) teve como base o sistema utilizado no Reino Unido para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012 com mecanismos antifraude. Desse sistema foram copiados modelos como a contratação integrada (o contratado deverá realizar todas as etapas até sua entrega ao contratante em condições de operação. Ele será responsável também pela elaboração dos projetos básico e executivo, documentos técnicos em que todos os aspectos são detalhados. Atualmente, a lei prevê que esses projetos sejam feitos por empresas diferentes da executora). Tem também a inversão das fases da licitação onde primeiro são definidos os finalistas para só depois proceder-se a habilitação. Com este mecanismo somente as empresas escolhidas para a segunda fase precisarão comprovar a capacidade técnica para a realização da obra ou serviço a ser contratado reduzindo seus custos e acelerando todo o processo. Mas, convenhamos, se o Reino Unido preocupou-se tanto em criar um sistema antifraude porque o governo brasileiro teria tal preocupação se a sua relação com os empreiteiros é notoriamente promíscua? O RDC inova também em relação à Lei das Licitações (Lei 8.666/93), pois determina que o preço total estabelecido pela contratada deva conter valores que não serão corrigidos, sendo assim os preços já constarão devidamente superfaturados e com todas as propinas incluídas. As correções só poderão ser feitas nos casos de desastres naturais ou exigências internacionais (com acréscimos de 25% e 50% aos contratos originais). Bem, as primeiras são atípicas em nosso país (terremotos, tsunami, furacões, inundações etc.), mas as segundas são uma caixa de Pandora.


A necessidade de se criar um mecanismo (RDC) para as obras dos eventos esportivos que acontecerão em 2013, 2014 e 2016 deve ser atribuída tão somente a incompetência do governo. Há anos é sabido e conhecido o país onde tais eventos ocorreriam e não se fez coisa alguma e agora apelam para o deplorável “jeitinho brasileiro” para acelerarem o processo. Com este instrumento o governo estará liberado para contratar empresas sem que as exigências contidas na Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) sejam cumpridas abrindo caminho largo para os costumeiros desvios de dinheiro público e demais irregularidades corriqueiramente praticadas. O Ministério Público Federal, no último dia 10, apontou em seu parecer evidentes inconstitucionalidades no chamado RDC. O órgão considerou o modelo proposto extremamente subjetivo, e isto é ótimo para a pilantragem oficial e extra-oficial. As declarações do ministro dos Esportes Orlando Silva Jr. (o homônimo cantor era infinitamente melhor. Orlando Garcia Silva, 1915-1978) dão conta de que é favorável ao sigilo. Segundo ele, a omissão do volume de recursos dos orçamentos evitará o lobby de grandes empresas, que combinariam o preço inicial dos pregões de modo a obter o valor máximo das licitações.  Ainda de acordo com o ministro, apenas empresas que participarão dos pregões estarão impedidas de saber os valores envolvidos. Mas não explicou como será evitado um eventual vazamento isto porque naturalmente não sabe ou sabe que não será evitado. Ora, ministro vá comer sua tapioca e vê se fecha a boca, mas pague com o seu dinheiro e não com o cartão corporativo.


Sempre fui e continuarei a ser contra a realização de eventos de tal magnitude no Brasil pelo simples fato de não considerá-los relevantes. Governar é estabelecer prioridades e, definitivamente, a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos não se encontram nesta categoria. Um dos argumentos para justificar sediar tais eventos é que haverá melhorias que irão beneficiar toda a população. Mas não me ocorre que haja qualquer equipamento remanescente dos Jogos Pan-americanos realizados no Rio de Janeiro que cumpriram este papel. Como exemplo do que ocorrerá após o evento basta ver as obras e equipamentos construídos para a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul e dos Jogos Olímpicos na China. Num país onde a maioria da população carece de saneamento básico, obras de infra-estrutura, saúde, educação, habitação, segurança pública, transportes, empregos, salários dignos, etc. e etc. patrocinar uma queima de recursos públicos espetacular como se avizinha é, podemos dizer, um crime contra a humanidade. A quem interessa a realização de tais eventos? Resposta: a corja de sempre (banqueiros, empreiteiros, especuladores, políticos e outras tralhas). Para termos uma idéia da corrupção que gira em torno do negócio basta olhar para o exemplo do Maracanã (Estádio Mário Rodrigues Filho, 1908-1966, lutou com vigor para a sua construção para sediar a Copa do Mundo de 1950) já foi reformado oitocentos trilhões de vezes (é o mais reformado do mundo) e, nesta última reforma, além do valor exorbitante denuncia-se diariamente o envolvimento do governador Sérgio Cabral com Fernando Cavendish, dono da Empreiteira Delta em relações onde o público e o privado se unem incestuosamente. Então reafirmo o título desta matéria com todas as letras.


CELSO BOTELHO
29.06.2011



segunda-feira, 27 de junho de 2011

A FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO


Há alguns anos está em curso uma movimentação no Congresso Nacional para a fragmentação do território brasileiro com mais de uma dezena de projetos tramitando (Rio Negro e Alto Solimões, Estados ou Territórios Federais, desmembrados do oeste do estado do Amazonas; Mato Grosso do Norte e Araguaia do atual Mato Grosso; Tapajós e Carajás do Pará; Maranhão do Sul do Maranhão; Gurgueia, denominação deriva de rio de mesmo nome na região, da parte sul do Piauí; Rio São Francisco da Bahia; Rio Doce e Triângulo de Minas Gerais; Território Federal do Oiapoque do Amapá). No início de maio deste ano a Câmara aprovou a realização de uma consulta popular sobre a criação de dois Estados a partir do Estado do Pará (hoje com 143 municípios e população de 7.581.051, conforme dados do Censo 2010 do IBGE): Carajás e Tapajós (PEC 72/07). No mesmo mês a CCJD (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado Federal aprovou a delimitação de plebiscito para a criação de novos Estados, isto é, somente a população dos Estados envolvidos deverá participar da consulta ignorando, portanto, os brasileiros de outras regiões do país e que, inexoravelmente, serão chamados para arcar com as despesas que serão geradas. A Constituição caracteriza o alvo dessa consulta apenas como “população diretamente interessada” então, entendemos, se tratar de todos os brasileiros, posto que sejam chamados para pagar a fatura. Certamente os deputados e senadores, em suas limitações intelectuais e morais, devam supor que tal processo alteraria tão somente uma nova configuração política nos mapas existentes e o atendimento aos seus interesses pessoais, políticos e econômicos ou aqueles que representam. Criar um novo Estado não é tarefa que exija poucos cuidados. Algumas perguntas deverão ser respondidas antes mesmo que se pense em apresentar uma proposta deste calibre no Congresso Nacional como, por exemplo: quais as necessidades sociais, políticas e econômicas que seriam preenchidas? Qual a relação custo/benefício? Qual a viabilidade econômica do novo Estado? Quanto custará aos contribuintes? Somente com estas questões respondidas satisfatoriamente é que se pode pensar em criar um novo ente federativo. O contrário disso podemos afirmar que é irresponsabilidade, casuísmo, patifaria e safadeza. Não vemos nenhuma necessidade desta panacéia e podemos demonstrar a inutilidade deste projeto sem que tenhamos que nos esforçarmos muito.

Ainda colônia o Brasil foi dividido em quinze capitanias hereditárias, sistema que inaugurou o latifúndio. Em 1709 foi redividido em sete províncias (Grão-Pará, São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Pedro) e daí por diante foi diversas vezes redividido. A Constituição Federal de 1988 manteve a definição de territórios federais acabando com os que existiam. A diferença entre Estados e Territórios é, basicamente, que estes não possuem autonomia, pertencem à União e, por isso, seus governadores são nomeados pelo presidente da República, sem eleição. O Território de Fernando de Noronha foi incorporado ao Estado de Pernambuco e o Estado de Goiás foi desmembrado criando o Estado do Tocantis. De acordo com a Constituição em seu Artigo 18 parágrafo terceiro "os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, por meio de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar". Trocando em miúdos: o Congresso Nacional deve aprovar a realização de uma consulta popular e, caso seja referendada, a proposta deve ser aprovada pela maioria simples (metade dos votos mais um) seguindo para a sanção presidencial.

As motivações alegadas nas propostas que tramitam no Congresso Nacional são das mais diversas ordens: no caso específico do Estado de Tapajós alegam que a extensão territorial do Estado do Pará dificulta sua administração. Ora, se isto fosse verdadeiro o Estado da Califórnia (terceiro em extensão territorial) nos EUA seria o mais pobre deles e o Estado do Sergipe no Brasil seria o mais rico ou, pelo menos, o melhor administrado. Mas existem outras justificativas como, por exemplo, as regiões isoladas ou distantes do poder central do Estado recebem menos investimentos e não têm acesso adequado a infraestrutura e serviços, como boas escolas e hospitais

Vamos aos fatos concretos de mais este factóide. Segundo um estudo publicado do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) constatou que os Estados gastam, em média, 12,75% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para se manter. Certamente que a criação de novos Estados implica um custo elevado com o qual não conseguem arcar e, sendo assim, quem paga a conta é o governo federal, ou seja, os contribuintes. O Estado do Tocantis, último a ser criado, recebeu subsídios federais por longos dez anos até que conseguisse manter-se. Só para começarmos a fazer as contas a cada novo Estado criar-se-iam, automaticamente, mais três vagas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados haveria um número substancial de novas cadeiras (atualmente a quantidade é fixa e as vagas são distribuídas de acordo com a população), porém existe um mínimo de oito deputados por Estado e, devido a isto, será necessário aumentar o número de cadeiras. Isto me faz lembrar uma visita que fiz à Câmara dos Deputados há alguns anos e vi o cicerone (acompanhante ou sei lá o nome que se dá) dizer que no plenário só havia 496 lugares e havia 513 parlamentares e um dos visitantes apressou-se em completar que o fato não tinha a menor importância, posto que não fossem mesmo todos que comparecessem às sessões. O governo federal bancaria ainda novas superintendências regionais de órgãos públicos, além de seções da Justiça Federal em cada Estado. Até a logística e o orçamento do Tribunal Superior Eleitoral precisariam ser reforçados com a chegada de mais governadores e deputados estaduais. Uma solução apresentada pelo IPEA seria a criação de Fundos Regionais direcionados às localidades mais pobres e o retorno integral do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido nessas regiões. Sendo uma das motivações se alcançarem as localidades mais pobres e carentes dos serviços básicos à manutenção da vida humana (saneamento básico, saúde, educação, etc.) ficaria muito mais em conta criar estes Fundos do que criar e manter um Estado. A urgência de verem atendidas as solicitações políticas e econômicas deles (os parlamentares) ou do segmento que representam no Congresso Nacional é tão visível que chegam a inverter a posição da carroça colocando-as adiante dos bois: primeiro criam o novo Estado depois vão elaborar um estudo sobre o custo que ele implica. Ainda segundo o IPEA com a criação do Estado de Tapajós os gastos estaduais corresponderiam a 51% do seu PIB (Produto Interno Bruto) e o Estado de Carajás os mesmo gastos seriam de 23% sendo que a atual média nacional é de 12,5%. Portanto, a “brincadeira” sairia muito cara simplesmente porque não são auto-sustentáveis. Retalhar o território nacional, mesmo que fosse um processo barato, não resultaria em maiores benefícios à população. O calcanhar de Aquiles é, sem dúvida, entre outros elementos não menos importantes, a forma da federação brasileira onde os Estados não possuem autonomia ao contrário do modelo norte-americano e suíço. A primeira coisa que se deve fazer para que os Estados tenham autonomia é a inversão do sistema de arrecadação tributária, atualmente 100% dos impostos arrecadados vão para Brasília e apenas uma parte retornam aos Estados. Ainda de acordo com estudo do IPEA os custos para a instalação de cada um dos novos Estados giram em torno de um bilhão de reais, recursos que seriam desviados das áreas de infraestrutura, da educação, da saúde e da segurança pública para custear a instalação dos três poderes em cada nova unidade federativa. Não há, portanto, nenhum argumento que possa dar sustentação a estes estapafúrdios projetos de criação de novos Estados. A questão então está centrada na real necessidade destes desmembramentos e os custos dele advindos. Em 1974 realizaram a fusão do Estado do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara e que podemos sintetizar o resultado: transformaram um Estado rico num município pobre.

Com tantos outros assuntos de relevância e urgência inquestionável o Congresso Nacional se concentra em uma vertiginosa baboseira que é a criação de novos Estados dando prova cabal e irrefutável de sua gigantesca imprestabilidade criando uma despesa fantástica a ser custeada pelos contribuintes. Dizer que nossos parlamentares são irresponsáveis ou perdulários com o dinheiro público seria minimizar esta estupidez ou mostrar-me por demais elegante, portanto buscarei os adjetivos apropriados: patifaria, safadeza, canalhice, velhacaria e similares.

CELSO BOTELHO
27.06.2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

SÓ OS DIAMANTES SÃO ETERNOS, OS DOCUMENTOS OFICIAIS NÃO


Não bastasse a negligência, descaso, omissão, destruição e ocultação de documentos por mais de cinco séculos desta feita desejam que aqueles que estão e são preservados durmam em berço esplendido por toda a eternidade. Ora, podemos concordar que existem documentos que mereçam ficar longe do olhar da sociedade por um determinado período de tempo, isso é praticado em todas as democracias. Quer queiramos ou não existem segredos de Estado e assim devem permanecer até que a poeira se assente, pois, caso contrário, até mesmo a sobrevivência do Estado estaria ameaçada de desintegração.  Mas o que desejam fazer no Brasil é acoitar os crimes cometidos por elementos que participaram da gestão do Estado como, por exemplo, os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL), dois ex-presidentes de triste memória para o povo brasileiro. O projeto da Lei de Acesso à Informação Pública (PLC 41/2010) enviado para a Câmara Federal pelo então presidente Lula, O Ignorante Desbocado, reduz de 30 para 25 anos o tempo no qual os documentos secretos podem ser mantidos em sigilo, mas permite uma renovação por prazo indeterminado. A Câmara Federal aprovou o texto com uma mudança substancial: limitava a uma única vez a possibilidade de renovação do prazo de sigilo. Ponto para os deputados. O ex-presidente Sarney alega que tornar documentos públicos pode “abrir feridas”. E quantas feridas ele próprio não abriu na população e na nação brasileira com seu desastroso e corrupto governo (1985-1990) que sangram até hoje? O ex-presidente Collor (1990-1992), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, apressou-se em nomear a si próprio como relator para resgatar o projeto original que manteria as lambanças mais cabeludas (porque as mais light já estamos carecas de saber) de seu meteórico e corrupto governo nas sombras. Não reclamo para mim a candura dos anjos (seria hilário), porém entre eu e esta corja de politiqueiros existe um abismo moral intransponível. Esta questão dividiu a base aliada (ou cúmplice, tanto faz) do governo. O presidente da Câmara Marco Maia afirmou textualmente “o povo brasileiro tem o direito de conhecer a sua história” e acrescento por mais vergonhosa e degradante que possa ser. ”O presidenta” Dilma DuCheff já sinalizou que vai patrocinar uma nova mudança no projeto para que os documentos permaneçam no sigilo eterno. E a ministra das Relações Institucionais (sic) Ideli Salvatti sem qualquer pudor disse que a pseudo chefe do governo assim procederá para atender a reivindicação dos dois ex-presidentes lambões. Com toda a certeza há quarenta anos o posicionamento de Dona Dilma seria completamente diferente. Agora é vidraça e tem zelar pela manutenção dos segredos de seu incipiente governo ou meio-governo, posto que o divide.

Caso vingue esta excrescência de sigilo eterno para os documentos oficiais a História só poderá ser contada pela metade, quando muito. Os crimes de lesa-pátria perpetrados pelas autoridades ficarão impenetráveis até o Dia do Juízo Final quando nada mais será importante para a raça humana. Podemos listar uma extensa relação de crimes praticados contra a sociedade brasileira, muitos amplamente divulgados e apurados como líquidos e certos, sem contestação. No entanto a relação dobraria de tamanho caso a sociedade tivesse acesso a inúmeros documentos oficiais guardados a sete chaves. O governo brasileiro mais parece uma sociedade secreta onde a máxima é de Maquiavel (1469-1527) “os fins justificam os meios”, só que caso brasileiro os fins são sórdidos e os meios torpes. Para sustentar o que digo basta ver a proposta do governo de criar um mecanismo para manter em sigilo os gastos com as obras para a Copa de Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. A malandragem foi incluída no texto da MP 527/11 à última hora e aprovado na última quarta-feira que cria o RDC (Regime Diferenciado de Contratações) órgão específico para eventos. Com a Lei 8.666/93 das Licitações as gangs especializadas em assaltarem os cofres públicos já deitavam e rolavam com este mecanismo estourarão de tanta alegria quando examinarem seus extratos bancários. É ou não é prova cabal de velhacaria, patifaria, safadeza? O sigilo esconde todos os crimes garantindo aos malfeitores uma vida mansa.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o da Renda Mínima, foi muito feliz ao afirmar que “um povo que não conhece sua história não tem memória”. E ainda chamou a atenção para um detalhe muito importante sobre a liberdade de informações, pois todas – sigilosas ou não – são patrocinadas pelo imposto do cidadão. Mas o governo brasileiro nunca foi adepto da transparência mesmo criando órgãos e mecanismos de controle a torto e a direito (TCU, TSE, CGU, AGU e outros). Que diabo de democracia é esta? Democracia onde o único direito é ser extorquido, ludibriado, espezinhado, insultado, discriminado, roubado pelo Estado? É o que nos parece. Como viram no artigo anterior um governo que alça um trem-bala à categoria de prioridade enquanto milhões de brasileiros estão morrendo tentando encontrar um hospital que os socorra e, caso encontrem, estão funcionando de forma precária e desumana. Milhares de jovens recebem um ensino de péssima qualidade. Em 2010 o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) entre os 65 países participantes os alunos brasileiros ficaram em 53º, abaixo da média mundial em leitura, matemática e ciência. Fomos ultrapassados por Chile, Trinidad e Tobago, Colômbia, México e Uruguai. O déficit habitacional aponta a necessidade de se construir cerca de 1,5 milhões de moradias por ano e não será esta bodega de Minha Casa, Minha Vida que trará a solução (o que tem de casa construída com arame em substituição a vara de ferro de 5/16 é uma loucura). E o saneamento básico é outra catástrofe. De acordo com o Instituto Trata Brasil a população brasileira produz, em média, 8,4 bilhões de litros de esgoto por dia. Desse total, 5,4 bilhões não recebem nenhum tratamento, ou seja, apenas 36% do esgoto gerado nas cidades do país são tratados. O restante é despejado sem nenhum cuidado no meio ambiente, contaminando solo, rios, mananciais e praias do país inteiro, sem contar nos danos diretos que esse tipo de prática causa à saúde da população.  Transportes de massa, aviação civil, portos e aeroportos, etc. para qualquer lado que nos voltemos iremos deparar com problemas que já deveriam ter sido solucionados ou, pelo menos, enfrentados pelo governo com determinação. Agora quer esconder os custos de obras, Êta democracia de bosta, sô!

Mas destruir documentos públicos não é novidade e não existe um único motivo plausível para fazê-lo. Vamos citar um exemplo histórico de destruição de documentos. Em 14 de dezembro de 1890 Rui Barbosa (1849-1923) manda queimar todos os papéis, livros de matrícula e registros fiscais relativos à escravidão existentes no Ministério da Fazenda. A medida visava preservar os cofres públicos de um contra-ataque dos antigos senhores de escravos, empenhados na indenização por perdas causadas pela Lei Áurea, portanto uma decisão de natureza eminentemente política e econômica. A destruição dos documentos, aliás, tinha sido proposta por Joaquim Nabuco (1849-1910) na Câmara dos Deputados em julho de 1888 (entre julho e novembro de 1888 foram registradas 79 representações pleiteando o ressarcimento). A decisão de Rui, contudo, só seria efetivada a 13 de maio de 1891, na gestão de Tristão Alencar Araripe (1821-1908), seu sucessor na pasta da Fazenda. Rui Barbosa era um intelectual e sabia perfeitamente da gravidade de seu gesto, porém, optou por uma decisão política e econômica. De qualquer maneira foram apagados para todo o sempre aqueles registros da infâmia que foi a escravidão.

Todos os governos destroem documentos na falsa ilusão de que poderão apagar seus crimes, velhacarias e patifarias. A destruição de documentos durante e após o regime militar (1964-1985) foi assombrosa e continuam a fazê-lo descaradamente no que deles sobrou. Todos os governos pós-1964 empenham-se com afinco em destruir e ocultar documentos, sem exceções. Sigilo eterno creio que só quem pode detê-los é o Criador e para o nosso próprio bem.

CELSO BOTELHO
17.06.2011