domingo, 28 de agosto de 2011

DIA DO SOLDADO






Comemoramos no dia 25 de agosto o Dia do Soldado e acreditamos que seja oportuno para falarmos um pouco sobre estes anônimos brasileiros que foram chamados a participar da Segunda Guerra Mundial. São muitas as perspectivas históricas sobre o conflito existentes e ainda haverá outras tantas ou mais no futuro, mesmo porque a História não é estática e cada geração dará uma nova interpretação para os fatos, novas descobertas a cerca deles serão feitas e os conceitos hão de receber novas roupagens. Nossa intenção não é endossar nem refutar as explicações propostas pelos mais diversos historiadores. Pensamos que seja mais oportuno resgatar o sentimento de pertença de uma geração e do qual tanto necessitamos nos tempos atuais. Certamente a ausência deste sentimento fomenta a indiferença, a omissão e o descaso que atinge a maioria dos brasileiros de um modo geral e nossos políticos de maneira muito particular. Nossos jovens estão cada vez mais desiludidos com os rumos que nosso país vem tomando, mas só eles podem (e devem) apontar para as mudanças e realmente efetivá-las. Porém, caso não se cultive verdadeiramente o amor à pátria qualquer transformação alcançada tenderá a repetir os vícios que elas repudiaram. O amor à pátria não se traduz somente nos embates internacionais de futebol ou qualquer outro esporte como notoriamente constatamos. O amor à pátria estende-se muito além, indo dos gestos e atitudes mais comuns até o sacrifício pessoal de abrir mão da vida em nome da liberdade. É pela liberdade que a humanidade travou e trava as suas guerras e revoluções. Em nome da liberdade vivemos e morremos. Este conceito abstrato, porém de imensa significância é que nos move através dos tempos. O amor à pátria que determina que nação desejamos ser: soberana e justa ou subserviente e injusta. No Dia do Soldado devemos parar e refletir sobre esses homens que no vigor de sua juventude embarcaram para terras estranhas dispostos a morrer pela pátria, contribuindo para a vitória da liberdade, alicerçando sua conquista em seu próprio país que, naquela ocasião, vivia sob a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Devemos aqueles jovens muito mais do a conquista de  Massarosa, Camaiore, Monte Prano, Monte Acuto, San Quirico d'Orcia, Gallicano, Barga, Monte Castello, La Serra, Castelnuovo, Soprassasso, Montese, Paravento, Zocca, Marano sul Panaro, Collecchio e Fornovo di Taro. Devemos aos 25.334 homens que integravam a FEB (Força Expedicionária Brasileira) que adotou o lema “A cobra está fumando” por que, antes da força ser constituída, corria país a fora que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil tomar parte no conflito.

Até 1942 o Brasil manteve-se neutro até que a ilha de Fernando de Noronha e a costa nordestina foi franqueada para receber instalações militares norte-americanas. Em janeiro deste mesmo ano navios brasileiros da marinha mercante são torpedeados por submarinhos ítalo-alemães em nosso litoral. Podemos dizer que esta ofensiva visava dois propósitos: isolar o Reino Unido impedindo o recebimento de suprimentos vindos das Américas e intimidar o governo de Getúlio Vargas (1882-1954) a manter-se neutro espalhando o boato que tais afundamentos eram de autoria anglo-americana através de seus simpatizantes no Brasil. A população brasileira pedia entrada do país no confronto e em 22 de agosto o Brasil declarou guerra a Alemanha nazista e a Itália fascista. A 2 de julho de 1944 teve início o transporte do primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira, sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Morais, com destino a Nápoles.

O número de morto diretamente em combate foi de cerca de quatrocentos e cinquenta praças e treze oficiais, além de oito oficiais-pilotos da Força Aérea Brasileira. A divisão brasileira ainda teve cerca de duas mil mortes devido a ferimentos de combate e mais de doze mil baixas em campanha por mutilação ou outras diversas causas que os incapacitaram para a continuidade no combate. Tendo assim, somadas as substituições, turnos e rodízios, dos cerca de vinte e cinco mil homens enviados, mais de vinte e dois mil participaram das ações. O que, incluso mortos e incapacitados, deu uma média de 1,7 homens usados para cada posto de combate, um grau de aproveitamento apreciável se comparado à outras divisões que estiveram o mesmo tempo em campanha em condições semelhantes. Ao final da campanha, a FEB havia aprisionado mais de vinte mil soldados inimigos, quatorze mil, setecentos e setenta e nove só em Fornovo di Taro, oitenta canhões, mil e quinhentas viaturas e quatro mil cavalos. Em 1960, as cinzas dos brasileiros mortos na campanha da Itália foram transladadas de Pistoia para o Brasil, e hoje jazem no monumento aos mortos que foi erguido no Aterro do Flamengo, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em homenagem e lembrança aos sacrifícios dos mesmos.

A FAB, com o 1º grupo de caça, teve abatidos dezesseis aviões, com perda de oito aviadores. Apesar de ter voado apenas 5% do total das missões efetuadas por todos os esquadrões sob o XXII comando aéreo tático aliado, entre novembro de 1944 e abril de 1945, neste período dentro desse total, foi responsável pela destruição de 85% dos depósitos de munição, 36% dos depósitos de combustível, 15% dos veículos motorizados (caminhões, tanques e locomotivas) inimigos, entre outras tarefas. Assim, por seu desempenho teve honrosa citação do Congresso dos Estados Unidos.

Todos aqueles que estiveram envolvidos no esforço de guerra merecem nosso respeito, admiração e carinho. Alguns deles são conhecidos de toda a população brasileira como Celso Furtado (1920-2004), economista e ministro do Planejamento; Clarisse Lispector (1920-1977) que atuou como voluntária junto ao corpo de enfermeiras da FEB; Osvaldo Cordeiro de Farias (1901-1981), governador de Pernambuco entre 1955 e 1959; Jacob Gorender (1923-) escritor, militante político e um dos fundadores do PCBR; Antônio Matogrosso Pereira, militar de carreira do exército e pai do cantor e showman Ney Matogrosso; José Perácio (1917-1977), jogador de futebol carioca, nacionalmente famoso nos anos de 1940; Salomão Malina (1922-2002), presidente nacional do PCB entre 1987 e 2001 e muitos outros.

A despeito de todos os entraves com os quais nos deparamos precisamos cultivar o amor à pátria, desenvolvermos cada vez mais o sentimento de pertencimento. Este é uma condição imprescindível para concretizarmos as mudanças de que tanto carecemos. Este sentimento nos dará a força necessária para reduzirmos e até eliminarmos a profunda desigualdade social existente em nosso país, porque ao passo que nos tornamos mais patriotas o egoísmo e a mesquinharia vão se dissipando. Não podemos legar as gerações futuras uma nação carcomida pela ambição pessoal. Um país derrotado e aniquilado por uma ganância sem limites. É momento para refletirmos sobre nosso amor à pátria e avaliar o quanto estamos permitindo que seja destruída.

CELSO BOTELHOO
 25.07.2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

SEMPRE AS 'FORÇAS TERRÍVEIS'





No próximo dia 25 de agosto completará cinquenta anos da renuncia do presidente Jânio Quadros (1917-1992) e é oportuno que retomemos o fato para comentá-lo. Centenas de textos já foram produzidos e analisados sob as mais diferentes perspectivas e  contribuem para que possamos entender esta marcante passagem na História republicana de nosso país. Jânio foi um fenômeno eleitoral. Em poucos anos ascendeu da posição de vereador à presidência da República. Figura muito controvertida, polêmica, intempestiva, oblíqua. Despertou muitos adeptos, simpatizantes e defensores como também adversários ferrenhos, inimigos pessoais e críticos ácidos. Examinando sua trajetória não é difícil perceber sua inclinação ao autoritarismo, centralização e ambição por um poder amplo, irrestrito e inquestionável. Para confirmar isto basta recorrermos as suas atitudes durante seu curto mandato. As “forças terríveis” as quais se referiu em sua carta-renúncia, de um modo geral e sob diferentes formas, sempre existiram na República brasileira. Jânio Quadros tentou um golpe de Estado dentro de um contexto que lhe era extremamente desfavorável politicamente, economicamente e militarmente. Seus equívocos, a avaliação sobre todo o panorama nacional e a estratégia pensada não tinham qualquer possibilidade de vir a ser bem sucedido. Jânio imaginou-se reconduzido ao cargo nos braços do povo e com poderes absolutos e, ao invés disso, sua renúncia foi aceita pelo Congresso Nacional que declarou a vacância na presidência da República abrindo uma crise institucional sem precedentes e o povo manteve-se indiferente. Os militares se negavam a dar posse ao vice-presidente João Goulart (1919-1976) por suas notórias ligações com a esquerda (estávamos no auge da Guerra Fria) sendo a questão resolvida pela implantação de um regime parlamentarista capenga que não durou muito, mas isso é outra história.


Jânio jamais identificou que “forças terríveis” o impeliram àquele ato extremo deixando esta tarefa para os historiadores que, como era de se esperar, não partilham do mesmo entendimento como, aliás, é natural e salutar. Sua campanha pautou-se no combate à corrupção. Depois do regime militar (1964-1985) todos os candidatos nas campanhas presidenciais a elegeram como principal meta a ser perseguida. No entanto, constatamos que nesta guerra estamos perdendo todas as batalhas de maneira escandalosa alargando dia a após dia sua área de influência, quer seja, todas elas. No Brasil existe este paradoxo: quanto mais se cria mecanismos voltados para combater a corrupção mais ela se fortalece e o motivo disso, sem dúvida, está no sólido edifício do Instituto da Impunidade. Jânio adotou medidas que visavam sanear a administração pública federal o que, por sinal, é uma das obrigações do agente público. Uma característica de sua passagem pelo Palácio do Planalto - foi o primeiro presidente empossado em Brasília, que cheirava a tinta – foram os famosos bilhetinhos que endereçava aos seus colaboradores. Nos sete meses que ocupou a presidência Jânio produziu cerca de quinhentos bilhetinhos, muito combatidos, porém sempre temidos e respeitados. Na realidade os bilhetinhos não eram uma criação de Jânio Quadros. Conta-se que Churchill (Winston Leonard Spencer-Churchill, 1874-1965) fora a inspiração para o ex-presidente, outros alegam que se inspirou em Getúlio Vargas (1882-1954) que assim comunicava-se com seu antigo Chefe da Casa Civil Lourival Fontes (1899-1967). Também há quem afirme que a inspiração veio de Abrahão Lincoln (1809-1865) que assim procedia para driblar a burocracia. E, por último, temos a informação de que o capitão-general Martins Lopes Lobo de Saldanha quando era governador da Capitania de São Paulo (1775-1782) utilizava-se de ordens escritas sucintas e enérgicas a fim de obter providências imediatas. Seja quem for que o tenha inspirado o método ficou famoso e ainda não repetido.


Desejoso de moralizar e sanear a administração pública demitiu cerca de 10.000 funcionários nomeados depois do dia primeiro de setembro de 1960. Dilma Rousseff não exonerou os milhares que seu antecessor nomeou a torto e a direito durante oito anos. São tantos que caso a presidente resolva exonerá-los certamente ficará com a mão dolorida. Ao mesmo tempo, Jânio declarou guerra ao contrabando, determinando, entre outras medidas, a demissão de todos os fiscais da alfândega. Hoje o contrabando é realizado legalmente com a importação de produtos que viveríamos perfeitamente sem eles criando empregos e prosperidade no exterior e a exportação de produtos que o mundo teria dificuldades em viver sem eles. Através da Resolução nº 204 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), acabou com subsídios ao câmbio que beneficiavam determinados grupos econômicos importadores à custa do erário público - inclusive os grandes jornais, que importavam papel de imprensa a um dólar subsidiado em cerca de 80% - que se irritaram com a perda do privilégio. Mas a política cambial do governo federal hoje mantém sua disposição para privilegiar os importadores. Um levantamento da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) mostra que o consumo de produtos importados de alta e média tecnologia subiu 76%, entre 2004 e 2010. Em contrapartida, a produção nacional cresceu só 40% no período. A diferença, de acordo com o estudo, foi suprida pelas importações, que aumentaram 177% nos últimos seis anos. Portanto, a disposição do presidente Jânio Quadros só fez robustecer as “forças terríveis”. A Instrução 204 desvalorizava o cruzeiro em 100%. Tal medida provocou uma reação negativa das camadas populares, as quais assistiram uma brutal elevação dos preços das mercadorias. Em 1986 com o fracasso do Plano Cruzado I o governo Sarney (1985-1990), logo após as eleições daquele ano na qual o PMDB conquistou 22 governos estaduais, adotou o Plano Cruzado II desorganizando ainda mais a economia nacional então houve uma manifestação em Brasília que ficou conhecida como o “badernaço” onde se registraram saques, depredações e incêndios. Este governo não apenas desvalorizou a moeda brasileira como também a transformou em simples papel colorido em nossas carteiras. Mais adiante, em 1999, no governo de FHC (1995-2002) houve a desvalorização do Real, ocasião na qual a carga tributária cresceu entre 1999 e 2002, passando da faixa de 25% para 37%. Admitimos que esta desvalorização trouxesse também aspectos positivos para o país, mas no conjunto da obra a sociedade saiu perdendo, notadamente sua parte mais carente.  As medidas de Jânio, no entanto, foram do pleno agrado do FMI (Fundo Monetário Internacional), que deu sinal verde para a renegociação da dívida externa brasileira. O presidente instalou uma avara política de gastos públicos, enxugando onde fosse possível a máquina governamental. Isso faz lembrar o intrépido presidente Collor (1990-1992) apelidado de “caçador de marajás” que, numa penada, decidiu desmantelar toda gigantesca estrutura do paquidérmico Estado brasileiro extinguindo ministérios, estatais, autarquias; abrindo a temporada de privatizações; colocando imóveis, automóveis, aviões, etc. à venda, mas tudo não passou de um espetáculo pirotécnico. Jânio abriu centenas e centenas de inquéritos e sindicâncias em um combate aberto à corrupção e ao desregramento na administração pública. De 1985 até hoje são cerca de duas centenas de escândalos conhecidos envolvendo os mais diversos crimes (desde o inaceitável homicídio até o trafico de influência ou o pagamento de uma simples tapioca de R$ 8,30 com o famigerado Cartão Corporativo efetuado por um ministro de Estado). Jânio Quadros ainda enviou ao Congresso os projetos de lei antitruste, a lei de limitação e regulamentação da remessa de lucros e royalties, e a pioneira proposta de lei de reforma agrária (esta um verdadeiro calcanhar de Aquiles para qualquer governo). Naturalmente nenhum desses projetos jamais foi posto em votação pelo Congresso - hostil ao seu governo - que os engavetou, uma vez que Jânio se recusava a contribuir com o que chamava de “espórtulas constrangedoras” que os congressistas estavam (e ainda estão) acostumados a exigir para aprovar leis do interesse da nação. A presidente Dilma Rousseff, desde que assumiu, não conta com um Congresso Nacional hostil e sim profundamente carcomido, mercenário, fisiologista e corporativista que a ameaça de não aprovarem as matérias do interesse do governo caso suas solicitações não sejam atendidas como as vagas no segundo e terceiro escalão e a liberação das verbas para as emendas parlamentares, sendo que estas últimas a presidente já anunciou que até o fim deste ano irá liberar algo em torno de R$ 2,5 bilhões para aplacar o apetite dos parlamentares. Devido à pressão exercida pelos EUA e da UDN (União Democrática Nacional) partido que o elegera e com o qual rompera, os atritos tornaram-se frequentes entre o presidente e o Congresso Nacional. Dilma não sofre pressão dos Estados Unidos em proporção sequer semelhante (a pressão norte-americana ainda é exercida) e quanto ter um partido de oposição que possa lhe atrapalhar a vida seu antecessor fez a proeza de desarticular toda e qualquer oposição (ou o PSDB, DEM e penduricalhos se opõem a que e a quem?). No dia anterior a sua renuncia o governador do então Estado da Guanabara Carlos Lacerda (1914-1977) ocupou horário na televisão denunciando que Jânio articulava um golpe de Estado. E articulava mesmo como veremos a seguir.


Reproduzo a confissão de Jânio Quadros no dia 25 de agosto de 1991, trinta anos após sua renúncia à presidência da República, feita ao seu neto Jânio Quadros Neto num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, juntamente com Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, organizaram o livro ‘’Jânio Quadros: Memorial à Historia do Brasil’’ (Editora Rideel, 1995, 340 páginas)
‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi (...). Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula: completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse (...). Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.


Como vimos as “forças terríveis” é uma constante o que pode abrandá-las ou recrudescê-las são as atitudes presidenciais. No início da República os presidentes eram oriundos das forças oligárquicas que dominavam o país e estas eram suas “forças terríveis”. Nas últimas décadas os presidentes têm suas “forças terríveis” nos banqueiros e empresários. Mas politicamente essas forças permanecem as mesmas e, com certeza, cada vez piores e um relacionamento baseado no atendimento de suas reivindicações pelo Executivo que irá determinar o grau de “governabilidade” que este ou aquele presidente terá. De fato, a renúncia de Jânio Quadros teve um preço elevado para toda a sociedade brasileira abastecendo o arsenal de razões que os conspiradores vinham montando desde 1954 por ocasião da morte de Getúlio Vargas para concretizarem um golpe de Estado seguido por um regime militar que destroçou o país e os brasileiros inserindo em nossa História mais um período de dor, miséria e sofrimento. Sempre as “forças terríveis” estarão atentas na defesa de seus interesses lançando ao limbo tudo e todos que lhe possam estorvar. As “forças terríveis” não reconhecem valores democráticos, direitos adquiridos, justiça social ou direitos humanos. Jânio não se deu conta de que o sistema não iria permitir que alterasse suas regras estabelecendo comportamentos e padrões que interferissem negativamente em sua estrutura secularmente edificada. Dizer isso não significa, pois, que compartilhamos das decisões e dos devaneios do ex-presidente, apenas apontamos para uma realidade que se mantém até os dias atuais numa similaridade irrefutável como vimos acima. Sempre, sempre e sempre as “forças terríveis” estarão a nos assombrar?

CELSO BOTELHO
08.08.2011

sábado, 6 de agosto de 2011

DESVENDADO O MISTÉRIO DO ESTELIONATO DE NELSON JOBIM






A CONSTITUIÇÃO

Dois brasileiros exemplares pesquisaram, reviram uma a uma as milhares de emendas apresentadas, as atas de todas as sessões de debates e deliberação, e das reuniões da Comissão de Sistematização na Assembleia Nacional Constituinte e descobriram onde Nelson Jobim contrabandeou na Constituição Federal de 1988.

Os professores da Universidade de Brasília, Adriano Benayon e Pedro Rezende, também consultores legislativos da Câmara e do Senado, puseram na Internet o dossiê com a pesquisa e a denuncia do estelionato.

Aprovada a matéria no plenário, o regimento da Constituinte proibia que sofresse qualquer emenda de mérito. O parágrafo 3º do art. 166 da Constituição, aprovado no plenário, não foi objeto de emenda alguma, como não podia ser. Portanto, o acréscimo ao texto, na Comissão de Sistematização, foi feito às escondidas.  

O parágrafo 3º do art. 166, que o plenário aprovou, dizia:

“As emendas ao projeto de lei do Orçamento anual do país ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas casos sejam compatíveis com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e indiquem os recursos necessários.

- Serão admitidas apenas as de anulação de despesas, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) transferências constitucionais para Estados, Municípios e DF”.

A FRAUDE

Onde houve “a fraude”, “o estelionato”? Entre o “a” e o “b”, aprovados pelo plenário da Constituinte, Jobim, sub-relator da Comissão de Sistematização, introduziu um “b” e o “b” anterior passou a ser o “c”. O “b” de Jobim acrescentou “apenas” isso: – “b) serviço da divida”.

Quer dizer, pode ser apresentada, ao Orçamento do governo, qualquer emenda menos para “anular despesas de dotações para pessoal e encargos” e “despesas constitucionais para Estados, Municípios e Brasília”. Jobim enfiou, com mão de gato, duas palavras piratas: “b) serviço da divida”. O Congresso não pode apresentar emenda nenhuma sobre “divida” e “juros”.

Jobim ganhou o ministério da Justiça, o Supremo Tribunal e a Defesa. Agora, Dilma expulsou o fraudulento lobista dos banqueiros.

SEBASTIÃO NERY, TRIBUNA DA IMPRENSA, 06.08.2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MINISTÉRIO DA DEFESA: ETERNA TROCA DE LAMBÕES



A nomeação de Celso Amorim para o ministério da Defesa pode sugerir duas coisas: ou não há pessoa habilitada para exercer a função ou a atração por nomear este tipo de gente é marca registrada de nossos governantes. Ao separar o joio do trigo posso afirmar que o objetivo principal em se criar este ministério foi afastar os ministros militares da participação direta no governo. O desmonte dos aparelhos militares e o desmantelamento das Forças Armadas vêm acontecendo ininterruptamente desde 1985 por vingança ou prevenção e, em ambas alternativas, quem perde é o país neste vazadouro de rancores pessoais, políticos e corporativos. Criado na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pela Lei Complementar nº 97 de 10/06/1999 substituindo os ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica que foram transformados em Comandos seus ocupantes mostraram-se inaptos, incompetentes ou apagados. Mas a idéia de um ministério único vem de longe. A Constituição Federal de 1946 previa sua criação que resultou no Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), à época Estado-Maior Geral. Em 1967 o presidente Castelo Branco (1964-1967) com o Decreto nº 200 previa estudos para elaborar projeto de lei para a criação do ministério das Forças Armadas, mas não foi adiante. Em 1988 na Assembleia Nacional Constituinte discutiu-se a fusão dos ministérios militares, porém não foi à frente.

O ministério da Defesa encampa temas sensíveis e complexos: operações militares, orçamento da defesa, política e estratégia militar, serviço militar, aviação civil, etc. Portanto, exige de seu ocupante, além do conhecimento técnico, extrema habilidade política. O primeiro a ocupar a pasta foi Élcio Álvares, advogado, 1999-2000, acusado de ter traficantes entre os clientes de seu escritório de advocacia em Vitória. FHC exigiu que ele reagisse, o que não aconteceu A demissão foi acertada com os comandantes das Forças Armadas, entre eles o general Gleuber Vieira e o almirante Sérgio Chagas Telles, que trataram de acalmar os quartéis para assegurar uma troca ministerial tranquila, sem colocar em risco a prevalência democrática do poder civil. O ministro não conseguiu responder às acusações divulgadas na imprensa de que tinha ligações com o crime organizado no Espírito Santo, foi substituído por Geraldo Magela da Cruz Quintão, advogado, 2000-2003, assumiu o ministério já integrando uma lista de autoridades a serem processadas pelo Ministério Público Federal pelo uso indevido de aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) quando à frente da AGU (Advocacia Geral da União). Segundo consta levantou vôo 219 vezes em aviões “chapa-branca”. Na época os comandantes militares expressavam preferência por algum militar da reserva. Geraldo Magela foi o autor do parecer favorável à venda de ações da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) para um consórcio francês. No governo Lula passou pelo ministério quatro titulares. José Viegas Filho, diplomata, 2003-2004, desgastado com o presidente Lula, O Ignorante Desbocado, e com as Forças Armadas, o ministro da Defesa pediu demissão do cargo. O episódio que provocou sua saída demonstra, apesar de diplomata de carreira, ausência de liderança e habilidade no trato de assuntos complexos. O Exército divulgara uma nota sobre fotos que supostamente eram do jornalista Vladimir Herzog (morto em 1975 nas dependências do DOI-Codi em São Paulo) e posteriormente identificadas como de um padre canadense. No texto era utilizado um estilo elogioso às práticas adotadas durante o regime militar (1964-1985) contra militantes de esquerda. No pedido de demissão Viegas reconhece que a nota divulgada pelo Exército não fora objeto de consulta ao ministério. Ora, estando o Exército subordinado ao ministro esta atitude nos autoriza a pensar que sua autoridade fora desprezada. Ninguém pode comandar quem por ele não quer ser comandado. Seu substituto foi o vice-presidente José Alencar, empresário, 2004-2006, segundo os especialistas em segurança sua escolha foi um “agrado” do presidente aos militares diante da latente resistência em serem comandados por um civil na tentativa de fazê-los se sentirem acima dos outros setores governamentais. Havia ainda a esperança de que José Alencar trouxesse investimentos para reequipar as Forças Armadas o que não aconteceu. Este, pelo menos, não foi lambão. Foi “apagado”. Por força das eleições de 2006 na qual era novamente candidato à vice-presidente foi chamado Waldir Pires, advogado, 2006-2007. Sua demissão está relacionada com o acidente do avião da TAM em São Paulo onde morreram 199 pessoas, o colapso aéreo, resultado da incompetência administrativa da ANAC (Agência Nacional de Aviação) provocou danos a milhares de brasileiros. Em sua defesa Waldir Pires alegou que o ministério da Defesa não tem responsabilidade formal e legal sobre a gestão técnica do setor aéreo. O ministro não tem poderes de gestão, de mando ou de determinação sobre o setor aéreo e a razão de sua saída era para abrir espaço para Nelson Jobim, advogado, 2007-2011. Antes de falar qualquer coisa sobre este cidadão cabe lembrar que quando foi deputado federal Constituinte, eleito sub-relator, declarou haver deixado “passar” sem votação nas subcomissões alguns incisos dos Artigos 165 e 166 (Dos Orçamentos) e ninguém até hoje não o interpelou para saber quais a fim de expurgá-los da Carta Magna. A presidente Dilma o engoliu por imposição de Lula. As últimas declarações de Jobim demonstram que se não desejava ser demitido é um completo idiota e não aqueles que “escrevem para o esquecimento” como disse por ocasião do aniversário de 80 anos de FHC. Depois declarou que votou em José Serra (PSDB) ocupando um cargo de confiança no governo do PT e, por fim, em entrevista a revista Piauí classificou a ministra das Relações Institucionais Ideli Salvati (PT-SC) como “fraquinha” e Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, que “sequer conhece Brasília”. Ora, a primeira será fraquinha em qualquer cargo e a segunda pelo menos sabe onde fica seu gabinete. Estes foram os ocupantes do ministério da Defesa. Um elenco desse responsável pela defesa do país é para nos tirar o sono.

Desta feita nomeiam o ex-ministro lambão das Relações Exteriores Celso Amorim que apoiou a ditadura do Sudão e Cuba, entregou a Hidroelétrica de Itaipu para o Paraguai, deu de mão beijada nossas refinarias na Bolívia, não prestou homenagem a Theodor Herzl (1860-1904), jornalista judeu austro-húngaro que se tornou fundador do moderno Sionismo político, em Israel, mas depositou flores no túmulo de Yasser Arafat (1929-2004) e apoiou o débil mental do Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã. Não parou ai. Na UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) apoiou o egípcio anti-semita Farouk Hosni que declarou não hesitar em queimar pessoalmente livros israelenses que encontrasse em qualquer biblioteca do Egito, desprezando o brasileiro Márcio Barbosa por motivos políticos e ideológicos, que contaria com o apoio dos Estados Unidos e dos países europeus. Em 2005 tentou eleger para a OMC (Organização Mundial do Comércio) Luis Felipe de Seixas Corrêa e o único país que votou no Brasil foi o Panamá. No mesmo ano tentou eleger nosso velho conhecido João Sayad para a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e dos nove membros só quatro votaram no Brasil sendo que do Mercosul apenas a Argentina. A política externa brasileira na gestão de Celso Amorim está recheada de fracassos, concessões, conivências, conveniências, contradições e estupidez. Em 2006 o Brasil votou contra Israel no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), porém em 2005 negou-se a condenar o governo do Sudão por proteger uma milícia genocida que praticara um massacre em Darfur (Até meados de 2006, entre 150 e 200 mil pessoas haviam sido mortas e pelo menos dois milhões haviam fugido). Em 2009 o Brasil cede sua embaixada em Honduras para abrigar sorrateiramente Manuel Zelaya ficando por lá quatro meses. O Itamaraty declarou que não toleraria governo golpista em Honduras e, logo a seguir, reuniu-se, reconheceu e confraternizou-se com os mais perversos ditadores africanos – responsáveis por inúmeros massacres étnicos. Baniu a língua inglesa como  necessária para o cargo de embaixador e como eliminatória no exame de carreira. Não esqueçamos os fracassos inexplicáveis em relação às negociações de Doha. Dos 35 países que participaram o Brasil, certamente, foi o mais prejudicado. Nos últimos anos abandonou-se a formulação de acordos bilaterais apostando na multilateralidade da OMC. Em 2001 a estratégia brasileira era de que os países emergentes se unissem para pressionar os desenvolvidos. Em 2003 patrocinou a criação do G-20 que deveria agir unido para uma queda de braço com os países desenvolvidos. Em 2004 caiu a ficha que seus interesses aproximavam-se muito mais dos países desenvolvidos do que com os seus parceiros tradicionais então virou a cassaca e, com o fracasso da Rodada de Doha, ficou mal com todo mundo. Com um histórico desses não é preciso ser muito esperto para saber que devemos aguardar mais lambanças no ministério. Os militares já classificaram a escolha do novo ministro “como a pior possível” que a presidente poderia ter feito e isso se deve as posições ideológicas do novo titular. Segundo eles, Celso Amorim, quando nas Relações Exteriores, contrariou “princípios e valores” dos militares e isso não é bom, pois, afinal o leão pode estar moribundo, mas não morreu.

Como a nossa diplomacia decaiu ao lembrar o Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Jr., 1845-1912). Foi chanceler nos governos Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914) e citamos aqui seus três grandes desafios: a rivalidade com os argentinos que ainda permanece, multiplicaram-se tensões comerciais, de imigração e até militares, como se viu no episódio do reaparelhamento naval do Brasil; a defesa contra o imperialismo europeu que não desapareceu, mas foi diminuído sensivelmente, o Brasil passa a ser respeitado na Europa e não se repetem episódios como o da ocupação da Ilha de Trindade pelos ingleses (1895) ou intervenção naval como a que ocorreu durante a revolta da Armada (1893) ou anos depois, na Venezuela (1902). No episódio conhecido como "O Caso Panther", a maior potência militar do mundo, a Alemanha, pediu desculpas ao Brasil por ter desembarcado marinheiros em território nacional sem autorização. E a resolução dos problemas de limites brasileiros. Devemos ao Barão do Rio Branco o fato do nosso país ser o único do mundo que, tendo dimensões continentais, não tem problemas de fronteiras com seus vizinhos. Em menos de 10 anos todas foram negociadas de modo pacífico, sem recurso às armas. Este é o patrono de nossa diplomacia hoje azeitada de interesses inconfessáveis, aparelhada politicamente e imprestável na defesa dos interesses dos brasileiros que agora cede mais este lambão para o ministério da Defesa.

CELSO BOTELHO
05.08.2011