Vários tipos de crise podem
atingir um país. A econômica e a financeira são as mais visíveis porque atingem
todos os setores e suas consequências são imediatas. Outro tipo de crise que
produz resultados funestos é a crise de identidade nacional. Um povo que ocupa
geograficamente o mesmo território que se presume unificado, geralmente
mediante o uso da força, pode abrigar etnias completamente distintas e hostis
entre si. A antiga Iugoslávia é um bom exemplo. Ocupavam o mesmo território
croatas, bósnios, eslovenos, macedônios, montenegrinos, sérvios e cossovanos.
Com a desintegração da URSS e do regime comunista nos países do leste europeu
os conflitos estabeleceram-se provocando a morte de centenas de milhares das
várias etnias. Países europeus na
Partilha da África estabeleceram fronteiras levando em conta somente seus
interesses. Tribos tradicionalmente inimigas passaram a conviver no mesmo
território. Mesmo após a saída dos europeus do continente africano as lutas e
os massacres não cessaram. Na Espanha populações de várias regiões não se
reconhecem como sendo espanhóis e os bascos são o exemplo mais emblemático.
Todas, no entanto, reclamam tempo. Não se pode resolver estas crises nem a
curto nem em médio prazo. A crise de identidade nacional é a mais complexa de
todas e talvez insolúvel, dado sua natureza. As crises podem ser desastrosas ou
catastróficas. O Brasil já passou e ainda passa por diversas crises. Porém, a
crise mais profunda e lamentável que sempre caracterizou nossa nação e da qual
não nos livramos é a crise moral. Esta tem nos garantido uma péssima reputação
entre as nações. A honestidade é quase um crime em nosso país. Valores éticos
quase que um delito hediondo. Ser conservador uma heresia.
Que o Estado brasileiro,
desde seus primórdios, vem sendo moldado e manipulado por gente sem convicções,
escrúpulos, competência, decência é público e notório. Porém, a partir do golpe
militar que implantou a República as práticas criminosas robusteceram-se,
inovaram-se, sofisticaram-se. As classes dominantes, através dos séculos,
recusaram-se a respeitar os limites entre o público e o privado; o clientelismo
está estabelecido desde as Capitanias Hereditárias. A corrupção é sistemática e
observada em todas as camadas da população. A escala de valores morais vem
sendo distorcida e invertida em qualquer sistema de governo que o país utilize
(monárquico ou republicano). Por melhor que se conceba e estruture-se o Estado
por certo não resistirá aos constantes ataques perpetrados pela classe
dominante, pelos políticos, pelos governos e pelos governados. O Estado
brasileiro está corroído, putrefato, imprestável e inútil. Qualquer tentativa
de reformá-lo estará fadada ao fracasso tal o grau de deterioração. Deve ser
repensado e refundado, mas não com os bandidos que vêm ocupando o poder. Se
todo poder emana do povo nada mais natural que ele o exerça em todas as suas
dimensões.
Segundo está noticiado na
grande imprensa 23% dos conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados
respondem ações na Justiça. Os 27 TCEs possuem 189 conselheiros (2/3 indicados
pelo Legislativo e 1/3 pelo Executivo) Ao invés de examinarem os gastos
públicos, apontar irregularidades, detectar superfaturamentos e prevenir o
desperdício do dinheiro público os conselheiros lançam-se de corpo e alma na
prática dos mais diversos crimes. Tem crime para todos os gostos: corrupção ativa
e passiva, falsidade ideológica, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro,
peculato, prevaricação, nepotismo, pedófilos e até homicidas. De acordo com o
site do Transparência Brasil, o conselheiro Luiz Eustáquio Toledo foi condenado
a seis anos de prisão por matar a própria mulher em 1986 e, neste mesmo ano,
nomeado para o TCE de Alagoas. A Constituição Federal exige que os candidatos a
conselheiros possua “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e “notórios
conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de
administração pública”. Nenhum desses critérios é respeitado. Conselheiro é um
cargo eminentemente político, quer seja, qualquer besta quadrada ou bandido pode
ocupá-lo. O que vai contar será sua proximidade com os poderosos. Tem
conselheiro tão envolvido em práticas criminosas que foram proibidos até de
entrar nos tribunais. No TCE do Rio de Janeiro seu presidente Jonas Lopes de
Carvalho Júnior e o conselheiro Jose Gomes Graciosa (e isso lá é sobrenome?)
são acusados na Ação Penal 685 de receber dinheiro entre 2002 e 2003 para
aprovar um contrato sem licitação. A rede de proteção que os criminosos possuem
é imensa e bem resistente. No STJ a Ação Penal 691 acusa de falsidade
ideológica, peculato em continuidade delitiva, corrupção ativa e prevaricação o
presidente do TCE do Rio de Janeiro e os conselheiros Aluísio Gama e Júlio
Lamberstson Rabello. Porém foi rejeitada por unanimidade. Em 2010 a Operação
Mãos Limpas prendeu, entre outros, o ex-governador Waldez Goes acusado de desviar
recursos públicos da educação e outras áreas no Amapá. Este mesmo cidadão é
candidato este ano. Nesta mesma Operação foram acusados de desviar a bagatela
de R$ 100 milhões do TCE Amapá cinco conselheiros, três servidores e dois
conselheiros aposentados. E por falar em ex-governador, o presidenciável
Eduardo Campos (PSB-PE) “mexeu os pauzinhos” para garantir uma vaga no Tribunal
de Contas para a senhora sua mãe (a dele) Ana Arraes. No frigir os ovos
conclui-se que o sistema judiciário que deveria zelar para o cumprimento da lei
também a violenta despudoradamente e com o mesmo empenho do Executivo e do
Legislativo, os outros dois estupradores da Constituição Federal.
Mas nem tudo está perdido. No
momento que a população de qualquer país se encontre desprotegida, explorada,
seu trabalho confiscado, massacradas por um modelo econômico que concentra a
renda cada vez mais aprofundando as desigualdades, suas instituições corroídas
e corrompidas, suas esperanças desfeitas está na hora de assumir o controle da
situação utilizando os instrumentos que estejam ao seu alcance, sejam eles
quais forem. Contra o povo ainda não inventaram nenhuma arma. Pode-se matar e
prender alguns, mas nunca todos. Chegamos ao fundo do poço da imoralidade,
corrupção, incompetência, mediocridade, omissão, descaso e conivência com o
ilícito, notadamente a partir de 1995 com a eleição de Fernando Henrique
Cardoso, em 2003 com Lula da Silva e 2011 com Dilma Rousseff. Somente a
sociedade pode estancar a sangria que sucessivos governantes vêm submetendo o
país e comprometendo seu presente e seu futuro.
CELSO BOTELHO
21.07.2014