sexta-feira, 28 de março de 2008

A RÊS PÚBLICA


A República brasileira é bastante semelhante à definição de rês no Dicionário Aurélio: "qualquer quadrúpede criado e abatido para a alimentação humana." Porém, esta não é estúpida, pelo contrário. Foi criada, decididamente não para este fito, mas é abatida, diariamente, aos poucos, alimentando uma pequena parcela da população numa tortura que já dura mais de um século. A capacidade de regeneração dos tecidos de tal animal é surpreendente, colossal mesmo. Por mais que os facínoras carniceiros o ataquem em seu órgão vital, o Erário, este se recompõem atraindo-os incessantemente e, eis o pior, mais famintos que antes. Não me parece de outra forma visto o que temos conhecimento através da História e por nosso próprio testemunho das mais variadas formas de extorquir-se, dilapidar-se, espoliar-se e, pura e simplesmente, roubar-se. Mesmo quando nos deparamos com ações positivas se investigarmos um pouco mais certamente se descobrirá um sem-número de pífios, vendilhões, aproveitadores de toda ordem e pulhas em qualquer progresso. Temo dizer que as conseqüências de tanto descambo tem como causa a própria formação da sociedade brasileira. Portanto, é uma questão cultural e, sendo assim, reverter-lha ao máximo possível não se dará caso não comecemos, preferencialmente ontem, uma maciça reversão de valores. Talvez, deste modo, dentro de algumas gerações tenhamos alguns resultados alvissareiros. Cabe dizer que o primeiro item de todo esse processo educativo é, irrefutavelmente, o bom exemplo coisa, aliás, rara em nossa aviltada sociedade. A corrupção foi incorporada a vida nacional sem qualquer tipo de distinção: pobres, ricos, milionários ou bilionários; brancos, negros, índios, cablocos; homens, mulheres, crianças; erutidos e analfabetos; artistas e platéias; eleitos e eleitorados; profissionais e desocupados e a lista é imensa. A corrupção criou raízes nefastas e profundas na sociedade, porém, isto não é privilégio brasileiro, é uma das muitas más facetas humanas. No entanto, tal consciência não nos exime ou diminui nossa responsabilidade por sua prática sistemática.

A corrupção, ao contrário do que pensa a maioria, não está ligada somente aos interesses públicos ou privados de considerável monta. Na verdade podemos encontrá-la escondida nas atitudes mais ingênuas possíveis. O grande delito será, sempre, uma conseqüência dos menores que, na maioria das vezes, são praticados com algum ou total êxito. Por isso é importante esmerarmo-nos cada vez mais na condução de nossas atitudes a fim de evitarmos ou mantermos inertes os vírus corruptores instalados em nossos subconscientes. Não vejo a menor possibilidade de eliminá-los de vez, posto que isto exige do Criador a feitura de outra raça. Portanto, o processo de depuração é de nossa única e total responsabilidade.
A ladainha certamente não é nova, porém, deve ser repetida incessantemente para que possa ser absorvida senão pela fé ao menos pelo cansaço. A corrupção não é o único foco de dilapidação do Erário, no entanto, é o mais visível. Podemos dizer que a malversação, o desvio e o desperdício do dinheiro público montam valores extremamente mais vultosos. Contudo, sua percepção pela sociedade é mais diluída, porém, jamais poderá ser ignorada. Estes males precisam ser combatidos de maneira rígida, contínua, severa. Enquanto dispormos de mecanismos legais que abriguem engrenagens que girem de acordo com os interesses envolvidos não haverá esperanças de sequer minimizarmos as causas e conseqüências malignas destas práticas. Mesmo porque num possível processo de reeducação social que tende a ser longo e dilacerado constantemente pelos interesses e privilégios ameaçados, é fundamental fornecermos exemplos concretos de nossa intolerância com os salteadores do Erário. A demagogia do "vamos investigar, apurar e punir doa a quem doer" deve ser substituída por ações imediatas e eficientes para coibir toda e qualquer tentativa de surrupiar o dinheiro público e, ainda assim, uma vez subtraído a mão da lei deve abater-se sobre os delinqüentes pesando toneladas para esmagá-los definitivamente, no sentido figurado, é óbvio. Será um excelente lembrete aos larápios para uma reflexão antes que se pretenda desafiar a lei apropriando se, descaradamente, dos dinheiros públicos. Em nosso país, devido às manhas e artimanhas legais, não fica a sensação de impunidade, mas sim a certeza dela. Esse quadro precisa se reverter urgentemente sob de pena de, num futuro não muito distante, enfrentarmos uma degradação social irreversível, uma insolvência econômico-financeira já experimentada em outros povos que os levaram a ruína e/ou a extinção como nação. Portanto, longe de ser alarmista, os fatos que ai estão projetam tal desenlace. A corrupção, a malversação, o desvio, o desperdício, a fraude ferem as instituições, apequena os homens e penalizam covardemente as camadas menos favorecidas da sociedade que se ressentem desses recursos nos serviços a ela devidos pelo Estado e, ao mesmo tempo, inibe suas iniciativas para a adoção de uma política de desenvolvimento econômico plena.
Não podemos, e não devemos ser meros espectadores dos descalabros levados a efeito por aqueles que, incumbidos de arrecadar e aplicar o dinheiro público, dele dispõe como se lhe pertencesse ou, exatamente o contrário, pois, caso deles o fosse não agiriam como perdulários ou ladrões do próprio bolso. Devemos manifestar nosso repúdio a todo e qualquer ato ilícito perpetrado contra o Erário e nenhuma complacência para com o agente que o pratica. Essas pessoas costumam passar incólumes pela justiça devido às manhas e artimanhas legais que, ao que parece, foram concebidas exatamente para isso. As pessoas costumam acreditar ou as fizeram acreditar que o voto pode ser a redenção de todos os males que as aflige. Pura propaganda enganosa. O voto é um poderoso instrumento no regime democrático, sem dúvida, porém, da maneira como sempre foi manipulado no Brasil não passa de um cheque em branco que a sociedade, constituída de uma parte astuta, uma ignorante, outra incauta, outra tanta apática assina ou é induzida a fazê-lo na vasta maioria das vezes. E não precisamos citar exemplos notórios disso. Nossos problemas, definitivamente, não serão resolvidos com o voto depositado nas urnas para uma classe política que não nos merece qualquer apreço, salvo algumas exeções. O Estado brasileiro ainda está apoiado nos valores há muito abandonados pela maioria dos povos e qualquer reforma que se possa pleitear ou tentar por em prática certamente encontrará exacerbadas resistências por essa minoria feudal que detém o poder e as riquezas nacionais. Finalizando posso dizer que o voto, puro e simples, não há de transformar coisa alguma. Somente a sociedade tem esse poder e esta força cabendo-lhe decidir seu futuro.

domingo, 23 de março de 2008

SUCUPIRA ESPANHOLA

Na cidade de Lanjaron, no sul da Espanha, em setembro de 1999, o prefeito José Rubio (uma espécie de Odorico Paraguaçu às avessas) baixou um decreto, proibindo qualquer cidadão de morrer, durante o período de quatro meses, uma vez que o cemitério da cidade está superlotado e a prefeitura ainda não concluiu as obras de sua ampliação.
O decreto estabelece ainda responsabilidades para os recalcitrantes:
“Está proibido morrer em Lanjaron. Os infratores responderão pelos seus atos.”
(Fonte: Istoé)

PÉROLAS DA DITADURA MILITAR

Saiu a seguinte lei no Diário Oficial da União, em junho de 1967:
"Art. 1º. É aberto ao Tribunal Regional Eleitoral do Ceará o crédito especial de NCr$ 22,97, destinado a atender ao pagamento de despesas com tratamento médico e hospitalar do bacharel Colombo Dantas Bacelar, juiz da 77ª. Zona Eleitoral, de Pacoti, naquele Estado.
(a) A. Costa e Silva, Luiz Antônio da Gama e Silva, Antônio Delfim Netto."
Quer dizer: para curar o Colombo, foi preciso uma lei e o concurso de um Presidente e dois Ministros da República.
(Fonte: 2º Febeapá, Stanislaw Ponte Preta)

DÍVIDA EXTERNA: NEM TANTO AO CÉU NEM TANTO AO INFERNO.

Para os pecadores católicos a invenção do purgatório foi uma mão na roda. Caso não se comportassem adequadamente para merecer as delícias do paraíso também não amargariam os tormentos existentes no inferno. É mais ou menos isso que acontece a respeito da notícia de que o Brasil se tornou credor internacional pela primeira vez em toda sua História, guardando-se as devidas proporções. Não podemos desconsiderar os méritos deste feito inédito mesmo que sejamos céticos empedernidos ou ácidos opositores do governo petista ou, caso prefiram, do governo Lula. Nós somos acusados de sermos um povo desmemoriado. Não é assim, senão ao contrário. Contudo, vale lembrar, que a euforia em determinados momentos de nossas vidas pessoais, profissionais ou da nação se sobrepõe a razão fazendo-nos esquecer das agruras a que fomos submetidos em passado recente. Sendo assim, precisamos e devemos nos aquietar, examinar os fatos e avaliá-los para se formar um conceito ou uma opinião sensata e conclusiva. De outra forma estaríamos agindo irresponsavelmente, levianamente, com o detestável ranço do preconceito. Acho um bom alvitre derramar um pouco de água fria na fervura dos otimistas e um pouco desta na água fria dos pessimistas e assim obteremos uma temperatura razoável.

A farra com o dinheiro do Brasil certamente não teve início com o advento da independência política em 1822, porém, agora era por nossa própria conta as venturas e desventuras da incipiente nação. Em 1824 efetivou-se o primeiro empréstimo brasileiro no exterior no valor de três milhões de libras esterlinas e, pasmem, tais recursos destinavam-se a quitar dívidas do período imediatamente anterior à Proclamação da Independência. Portanto, a ex-colônia portuguesa iria para a História sem a pecha de caloteira e o recém Império, depois a República, começaria uma longa trajetória de devedor contumaz e inadimplente inveterado. O que se fez na verdade foi um pagamento à Portugal pela compra do reconhecimento da independência. Trocando em miúdos foi um negócio de pai para filho, literalmente, e dos muitos levados a termo décadas a fora.

Com a República vieram às dívidas do Império e um país debilitado economicamente, calcado na cafeicultura e com uma organização bancária ultrapassada. Rui Barbosa (1849-1923) assume como o primeiro ministro da fazenda do novo regime em 1890 implementando um reforma bancária recheada de boas intenções, porém, que se mostrou desastrosa criando a primeira e uma das mais severas crises econômicas brasileiras. O raio da mania de importar estrangeirices, notadamente dos Estados Unidos, prática que, aliás, ainda persiste, fez erudito baiano entrar para a escola monetarista que ensinava a livre emissão de créditos monetários com o objetivo de incrementar a industrialização e desenvolver novos negócios por cá. Foi a festa dos ratos na queijaria. Os estabelecimentos bancários distribuíam empréstimos livres, leves e soltos para qualquer um sem se dar ao luxo de, pelo menos, verificar sua capacidade de pagamento. Foi o sinal para o Encilhamento (arriar, equipar o cavalo, preparando-se para a corrida). Alguém teria que financiar este estupendo volume de empréstimos e ai é que entra o bom e velho governo brasileiro injetando somas formidáveis na economia desvalorizando a moeda e fomentando a inflação. Tais empréstimos fornecidos pelos bancos, na vasta maioria das vezes, sequer eram utilizados para os fins a que se destinavam e quando o eram os estabelecimentos industriais ou comerciais tinham pouca vida. Porém, havia o fenômeno de permanecerem suas ações à venda na Bolsa de Valores e até com significativas valorizações. Era a tão odiosa especulação financeira que surgira acompanhada de empresas inexistentes e outras manhas comprometendo a República que se instalava. Rui Barbosa manteve-se no cargo por 14 meses e a lambança começou a ser sanada pelo presidente Campos Salles da maneira menos engenhosa possível: pedir mais empréstimos. No entanto, os banqueiros europeus negavam-se a concedê-los visto o alto grau de endividamento que já havíamos atingido. A solução foi efetivar uma negociação “funding loan”. As dívidas reuniram-se em uma única e o governo receberia o empréstimo pleiteado com treze anos para pagar e com juros a serem pagos a partir do terceiro ano.

Com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, onde os americanos conseguiram a proeza de falirem toda a economia planetária, e a incompetência em enfrentar aquela crise do governo Washington Luís combinado com outros fatores adubou a terra para que florescesse a revolução de 1930. Em 1931 anunciamos o primeiro calote na dívida externa. Somente na Assembléia Nacional Constituinte de 1934 o tema foi abordado e a brincadeira já estava na casa de quase 240 milhões de libras esterlinas. Oswaldo Aranha (1894-1960), revolucionário de 1930, nomeado ministro da economia por Vargas, punha-se contra a contratação de novos empréstimos para efetuar pagamentos de antigos compromissos como, por sinal, era a prática comum. Talvez devessem, àquela época, optar por não pagar as dívidas antigas e aguardar que as novas envelhecessem. Contudo, no período Vargas, a indústria brasileira avançou com o dirigismo econômico e intervencionismo. No início da guerra (1939) a produção da indústria superava, em valores, a agrícola. Oswaldo Aranha, durante quatro anos, implantou o “Esquema Aranha”. A coisa era assim: o país honrou pouco mais do que 33,5 milhões de libras esterlinas quando, na verdade, deveria ter honrado quase 100 milhões delas e o resultado disso foram um ganho real de pouco mais 57 milhões de libras esterlinas, considerando uma redução real nos pagamentos de juros e seus adiamentos dos fundos de amortização. Em 1953, retornando ao mesmo ministério, foi a vez do “Plano Aranha” centrado em combater a inflação. Este plano visava reorganizar o aparato fazendário nacional como codificar o direito tributário e a lei orgânica do crédito público.

A partir de 1956, o presidente JK, oriundo do getulismo, não adotou uma política nacionalista, pelo contrário, lançou mão largamente do capital estrangeiro para por em prática sua política desenvolvimentista apregoada durante a campanha presidencial de “50 anos em 5.” No entanto, preservou os investimentos na indústria pesada dando, porém, uma atenção maior a produção de bens de consumo. Além disso, houve a construção de Brasília em tempo recorde (três anos e dez meses), possível através do cheque em branco nº. 2.874 de 1956 comprometendo todo o orçamento durante e até após o término das obras. A inflação aqueceu-se e, uma vez mais, os salários foram achatados. Estima-se que o governo bossa-nova de JK tenha aumentado a dívida externa em até 40%, fazendo contas com otimismo. Ao passar a faixa presidencial a transferiu para Jânio Quadros, O Desajustado, que levou apenas sete meses para chutar o balde, talvez depois de beber seu conteúdo, criando as condições necessárias e suficientes para mergulhar o país numa ditadura militar. João Goulart poderia ter sido apenas um velho, bom e corriqueiro senador da República e estancieiro nos pampas, porém tinha o bichinho do Executivo. Fora vice de JK e era vice de Jânio desfrutando de péssima reputação nas Forças Armadas que o tinha em conta de comunista. A economia estava desorganizada, a inflação crescente e a dívida externa iam bem obrigado.

A imensa disponibilidade de recursos internacionais a partir do final da década de 60 e no início da de 70 possibilitaram o que convenciou-se chamar de “milagre brasileiro”. O crescimento industrial dava-se em taxas elevadas e, como conseqüência, a dívida externa saiu dos US$ 4 bilhões para os US$ 12 bilhões. O dinheiro era tão farto naquela época que foi utilizado de várias e até inusitadas maneiras. O economista Delfim Neto exerceu o cargo de ministro da fazenda no período de 1967 a 1974. A primeira crise do petróleo (1973) e o endividamento do país aumentaram com as altas das taxas de juros. Em 1982 houve-se que recorrer ao Fundo Monetário Internacional com um empréstimo de US$ 3 bilhões e um déficit na balança de pagamentos chegando a US$ 9 bilhões tendo como reservas internacionais algo que sequer chegavam a US$ 4 bilhões. No final do regime militar, 1984, o panorama começava a mudar. Tivemos um saldo comercial de US$ 13 bilhões e nossa reservas aproximavam-se dos US$ 12 bilhões. Desta feita quem comandava a economia era Celso Furtado iniciando a negociação da dívida externa que alcançava a marca de US$ 45 bilhões com vencimento entre 1985 a 1991, porém somente em 1986 conseguimos um entendimento com os nossos credores privados.Mas tal acordo não duraria. No ano seguinte, 1987, o governo roeria a corda suspendendo a remessa de juros para o exterior em função do malfadado Plano Cruzado. Contudo, no final daquele ano, os entendimentos foram restabelecidos com os credores.

No ano de 1988 o mar ainda não estava para peixe. No ano anterior havíamos fechado com cerca de 370% de inflação e no ano da promulgação da Constituição Federal contabilizávamos 934%. O país crescia míseros 3% e nossas reservas internacionais encontravam-se tiquinho a mais que US$ 4 bilhões. Em 1990 a ministra da economia Zélia Cardoso de Melo implementa um novo plano de estabilidade com um choque monetário brutal que num breve período mostrou-se ineficaz. Em 1991 o Brasil consegue firmar acordo com juros relativos aos dois últimos anos e reestruturação da dívida externa a médio e longo prazo. Em 1993, já com Pedro Malan, o país adota a “iniciativa Brady” (Nicholas Brady, secretário do Tesouro americano) que já havia sido feita em outros países como o México (1989), Venezuela (1990) e Argentina (1992). O plano consistia em trocar a dívida externa por bônus que pagavam juros menores. Ocorreram ainda acordos bilaterais com cada um dos credores do Clube de Paris.

Em 2001 a dívida externa brasileira atingia a marca de US$ 231,3 bilhões e lá fomos nós fechar acordo com o famigerado FMI que, para não perder o hábito, ditou a cartilha de sempre com as metas a serem atingidas. O primeiro ano do governo Lula foi de expressivo aperto fiscal como, aliás, “nunca antes visto na história desse país”. O esforço não logrou os resultados desejados. Fechamos o ano com um superávit de US$ 66,2 bilhões e pagamos de juros US$ 145,2 bilhões aos serelepes credores e, ainda neste ano, foi acertada a revisão do acordo. Em 2005 acaba o acordo com o FMI e, no ano seguinte, com a queda do dólar o Brasil começa a aumentar suas reservas internacionais e já no final de março de 2007 elas superavam a marca de US$ 100 bilhões subindo para US$ 180 bilhões por ocasião dos festejos natalinos.

Diante deste pequeno histórico podemos concluir que, definitivamente, os sucessivos governantes brasileiros, além de adotarem medidas econômicas ineficazes, incoerentes, incompetentes e, por vezes, circenses também jamais se mostraram, de fato, responsáveis em estabelecer políticas econômicas que visassem, efetivamente, o bem-estar da sociedade. Pois, ainda hoje, a preocupação dos governantes está voltada para o atacado (interesses financeiros e manutenção de privilégios) e não para o varejo (a população, certamente os menos afortunados). A bonança do mercado internacional durante o governo Lula foi circunstância indiscutível para que hoje apresentemos a nação esta performance de nossas reservas internacionais. Considerando não ter havido empenho maior para a conquista de novos ganhos oriundos de anos tão prósperos e que já sinalizam estar, cada dia mais, comprometidos e incertos de vir a se repetirem por força da crise que esboça a economia norte americana, o credor do planeta.

Não me incluo entre os adeptos do fatalismo do “é melhor isto do que nada”. Honrar compromissos assumidos não é, deveras, nenhuma virtude e sim um dever. Portanto, não me faz favor algum este ou outro governo, em honrá-los, mesmo porque sou visceralmente depenado com sua política tributária. O que precisamos avaliar é o custo/benefício de todo este esforço imposto à nação brasileira. Não me parece atitude muito inteligente o sujeito ter uma goteira em casa, possuir o dinheiro para consertar o telhado depositado no banco e recusar-se a gastá-lo. A grosso modo não é de outra maneira que os governos se comportam. A intensa preocupação de formar superávits nos revela uma fórmula perversa de submeter às mínimas necessidades da sociedade brasileira aos interesses financeiros de credores que, ao longo dos séculos, especializaram-se no medonho esporte de espoliar e dilapidar nações como a nossa. Nações repletas de vendilhões. Para reforçar esta afirmação basta verificarmos o volume de recursos contingenciados no Orçamento Geral da União nos últimos anos e também aqueles que foram parar na corrupção, no desperdício e no desvio sem sofrerem qualquer ação eficiente que viesse a inibir tais práticas e muito menos punir seus responsáveis. Assim, creio eu, o aplauso alvoroçado não é proporcional ao espetáculo apresentado.

Os sacrifícios impostos a sociedade superam sua capacidade de suportá-los. Não será, definitivamente, com a adoção de medidas populistas que haverão de promover a distribuição de renda. Elas são inadequadas, viciadas e meramente eleitoreiras. Além, é claro, de abrir largos e profundos canais onde o dinheiro público encontra a morte por afogamento. Na minha parca concepção só consigo entender como transferência de renda o desenvolvimento racionalmente sustentável que produz empregos e geram salários dignos, o restante vem normalmente. Há que se dizer, porém, necessariamente, que tal só poderá ocorrer mediante uma profunda reorganização do Estado para que possa dispor de instrumentos adequados para operacionalizar sua máquina que, aliás, deve sempre encontrar-se perfeitamente lubrificada. As sobreposições do Estado brasileiro devem e precisam ser eliminadas sob pena de que toda e qualquer iniciativa deste porte venha a tornar-se um estrondoso desastre.

Celso Botelho

20.03.2008

sábado, 1 de março de 2008

CONCHAVOS IMEDIATOS DO TERCEIROS MANDATO

O apego pelo poder nos homens é impressionante. A História nos demonstra claramente que golpes e revoluções foram levados a cabo com discursos semelhantes e práticas completamente diversas. Os motivos para justificá-las eram (e são), invariavelmente, o restabelecimento da democracia, o fim da desobediência civil, a desordem administrativa, a corrupção entranhada por todo tecido social, o fim da opressão, espoliação, tortura e flagelos. A recuperação econômico-financeira do país, o sistema político, a forma de governo, desavenças étnicas, religiosas, culturais, etc.

Joseph Stalin (1878-1953) prometia livrar a sociedade russa da monarquia absolutista e decadente do Czar Nicolau II logo assassinado juntamente com toda sua família. Apoderou-se da máquina burocrática concebendo um aparelho repressor eficiente para todos os seus opositores eliminando até antigo “cumpanheiros” revolucionários do proletariado. Calcula-se mais de cinco milhões de prisões e um número superior a quinhentos mil mortos. Benito Mussolini (1883-1945) era um exímio orador e eficiente na utilização da propaganda política. Adolf Hitler (1889-1945) proclamava a superioridade da raça alemã aproveitando a disposição do povo à adesão de uma política racista e anti-semita. Perseguiu e exterminou diversos grupos como os eslavos, poloneses, ciganos, negros, homossexuais, deficientes físicos e mentais promovendo o holocausto. Estima-se que a Segunda Guerra Mundial tenha ceifado de cinqüenta a sessenta milhões de vidas. O Aiatolá Khomeini (1900-1989) ainda no exílio dirige a revolução islâmica e, em 1979, desembarca no país anulando o regime imperial do corrupto Xá Reza Phalevi que tinha a intenção de transformar o país numa potência econômica e militar e, para levar isto a efeito subordinava-se aos interesses ocidentais e lançava mão do despotismo contra os dissidentes. Saddam Hussein (1937-2006), não possuía qualquer ideologia, sua demagogia para o povo iraquiano baseava-se no enorme nacionalismo árabe, no islã e no sentimento patriótico. Durante sua ditadura foram executados centenas de opositores e mais de cinco mil curdos por intoxicação vitimados por bombas de gás “Tabu” lançadas pela força aérea. Na longa, sangrenta e onerosa guerra contra o Irã, e com o apoio dos EUA, mais de um milhão de pessoas morreram. Porfírio Díaz (1830-1915), no México, governou o país de 1876 a 1911 com a democracia devidamente suprimida e os dissidentes tratados com a brutalidade inerente a tais regimes. E não ficou nisso. O PRI (Partido Revolucionário Institucional) empoleirou-se no poder de 1929 a 2000. Era a ditadura partidária. Em Cuba, Fidel Castro (1926- ) lutava contra um Estado corrupto e subserviente aos EUA na figura de Fulgêncio Batista e implantou uma violenta ditadura por quase meio século suprimindo do povo direitos inalienáveis do ser humano.Este país chegou ao recorde na America Latina em número de prisioneiros políticos (cerca de vinte mil) e de mortos apenas estimado, Renunciou no mês passado devido estar moribundo.Pois é, os canalhas também envelhecem, deterioram-se fisicamente e morrem. No Brasil, os militares sofrendo da paranóia anticomunista estimulados e financiados pelos EUA, assenhoram-se do poder num golpe que produziu nefastos efeitos sentidos até hoje. Promoveram prisões, cassações, exílio, tortura e morte de inúmeros brasileiros tendo como seu algoz-mor o general Médici (1905-1985). No Chile, o general Augusto Pinochet (1915-2006), sofrendo da mesma moléstia dos militares brasileiros, depôs e assassinou o presidente Salvador Allende implantando uma ditadura que durara dezessete anos. Cerca de cinco mil pessoas foram detidas e “desaparecidas” tal como na Argentina e no Brasil. No Panamá surgiu o déspota Manoel Noriega (1938- ), atualmente cumpre pena de trinta anos nos Estados Unidos por tráfico de cocaína e marijuana. Sua captura em 1989 custou à vida de cerca de três mil panamenhos, na maioria civis. Anastácio Somoza (1896-1956) governou efetivamente a Nicarágua de 1936 até seu assassinato em 1956 e, depois disso, seus dois filhos ainda se mantiveram no poder por mais vinte e três anos. Acumulou imensa fortuna de várias formas indo desde o confisco de terras revendidas a membros de sua família a preços módicos até o recebimento de propinas de jogo, prostíbulos e destiladoras ilegais de álcool. Os cargos militares e no governo eram reservados à família e aos aliados. Os partidos existiam somente em pápeis. No continente africano, na década de 70, precisamente em Uganda, apareceu um ditador sanguinário de 1,90 e 110 kg, boxeador, Idi Amin Dada (1920? -2003) “O Talhante de Kampala (açougueiro) ou “Senhor dos Horrores.” A característica principal desta ditadura era a pratica do genocídio com requintes de crueldade. Trezentas mil pessoas foram assassinadas e a economia do país arruinada. No ano passado, na Venezuela, Hugo Chávez tentou uma manobra cretina de emprestar ares democratas, na forma de consulta popular, a canalhice de permitir que disputasse eleições presidenciais indefinidamente.

Também no ano passado, desta feita em nosso país, foi lançado o balão de ensaio para avaliar as reações da sociedade. Houve muita gritaria de todos os lados e Lula correu para negar que aventasse tal possibilidade. Mentira. Em agosto de 2006, portanto, antes da reeleição, aconteceu uma reunião entre o presidente, juristas e outros bajuladores onde se discutiu as chances de convocar-se uma Assembléia Constituinte exclusiva para tratar da reforma política e, naturalmente, do terceiro mandato. O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) estava com uma proposta para alterar o parágrafo 14 do 5º Artigo da Constituição Federal proporcionando ao chefe um terceiro mandato novinho em folha.A coisa não andou. Agora o mesmo parlamentar a ressuscita. Até o momento o presidente mostra-se, convenientemente, e como sempre, ignorante sobre tal artimanha.

Poderia entender até outros políticos brasileiros se prestarem a dar esse golpe sem, no entanto, aceitar o ato espúrio de nenhum deles sob hipótese alguma. Porém, se tratando do presidente Lula a minha indignação é infinitamente maior e, com certeza, minha fúria mais exacerbada. E isto por diversos motivos sendo o principal sua própria biografia que, diga-se de passagem, ele próprio está desfigurando e permitindo que o façam também. O presidente Figueiredo saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto pedindo que o povo o esquecesse. O presidente Itamar Franco foi esquecido sem mesmo ter que pedir. O presidente Fernando Henrique Cardoso pediu que esquecêssemos o que ele havia escrito e o presidente Lula esforçar-se para esquecer suas origens, as agruras por que passou e os discursos que repetiu inúmeras vezes como líder sindical e candidato à presidência da República em cinco ocasiões. A arrogância e a prepotência combatida por ele durante e depois do regime militar foi assimilada por sua personalidade de forma evidente e inconteste. Desconfio que presuma a inexistência do país antes dele e sua extinção caso não seja reconduzido ao cargo. Para esta empreitada conta com incontáveis asseclas, simpatizantes, mercenários de todas as classes e ordens, bajuladores de todos os tons e, o mais importante, o aval de considerável parcela da população entorpecida por sua figura carismática, sua simplicidade no falar, suas metáforas de péssima construção, porém, eficazes. Sua opção pela política paternalista num desejo íntimo de solapar o título de "pai dos pobres" auferido à Vargas em sua nefasta ditadura. Dito isto, o que podemos imaginar que se encontra em pleno funcionamento uma conspiração contra o Estado Democrático de Direito. Não se iludam com as regras legais para alterar a Constituição Federal. No Congresso Nacional, movimentado balcão de negócios, elas podem ser transpostas facilmente tendo-se em conta a ganância incontrolável de seus ardilosos e pífios mercadores.

A lição de 1964 deve ser relembrada pelos mais velhos e repassadas aos mais jovens: a omissão da sociedade, a apatia da qual se favoreceram os interesses políticos e empresariais para manipularem-na, articularem-na e estimularem-na a aderir a uma ruptura institucional para mais tarde dilapidá-la, espinafrá-la e mantê-la algemada e ainda assim impingindo-lhe os piores castigos precisam estar presentes para que qualquer outra tentativa seja de pronto identificada e rechaçada, seja ela ou não investida de suposto manto legal. Se a afeição pelo poder do presidente é tão ferrenha deveria abraçado a carreira eclesiástica, pois, o papado é o único cargo de poder vitalício existente no planeta.

Celso Botelho

29.02.2008