sexta-feira, 30 de maio de 2008

O VOTO




O voto, secreto ou aberto, sempre será de fundamental importância no regime democrático. O discutível é o seu emprego. Para nós, pobres mortais eleitores, precisam ser secretos por incontáveis motivos. Para os eleitos, casta de felizardos e intocáveis, precisam e devem ser abertos. Não há coerência alguma em delegar-se poder representativo sem que se tenham instrumentos de fiscalização quanto ao seu exercício. No Brasil ocorre um fenômeno que, decerto, merece uma pesquisa mais amiúde. Seguinte: antes das eleições alguém pergunta em quem você irá votar. Caso sua resposta coincida com a do inquiridor tudo estará bem. Caso contrário irá travar-se uma discusão na qual cada um tentará convencer o outro de que sua opção é a mais adequada. Já depois das eleições ai te perguntam em que votara. Sendo sua resposta coincidente ou satisfatória não haverá nenhuma celeuma, porém, caso contrário,ocorrera uma arengação interminável. Mas ainda tem o pior: se você se negar a abrir seu voto ai o tempo irá fechar. Em todas essas três oportunidades o voto secreto perde a razão de assim o ser. O voto secreto para decisões no Congresso Nacional só pode ter por objetivo impossibilitar a sociedade de identificar os velhacos. Tal mecanismo é arbitrário e só fortalece o corporativismo que ali impera. Os eleitores possuem uma parcela de culpa ao reconduzirem ao parlamento figuras sabidamente nefastas a vida pública.

A história do voto no Brasil é, deveras, um tanto singular. A Constituição de 1824 em seu Artigo 92 diz: “São excluídos de votar nas Assembléias Parochiaes (...) V – Os que não tiverem renda annual de 100$000 (Cem Mil Réis) por bens de raiz, indústria, comércio e empregos.” Estava criado o tal do Censo Alto. A última grande lei eleitoral do Império foi a de número 3.029 de 09.01.1881 também conhecida como a “Lei Saraiva” que contemplou-nos, pela primeira vez, com as eleições diretas, porém, manteve o diabo do Censo Alto que exigia, desta feita, uma renda anual de 200$000 (Duzentos Mil Réis) para que o feliz cidadão pudesse qualificar-se como eleitor. Em 1924 Monteiro Lobato que nos legou uma perfeita literatura infantil um retrato nítido do homem do campo através do Jeca Tatu, entre outros missivistas, endereçou uma carta ao então presidente da República Artur Bernardes defendendo o Censo Alto onde afirmavam haverem encontrado eleitores boçais, tal adjetivo, a primeira vista, para impróprio para a figura de tamanha envergadura histórica, porém, o relato está na íntegra “ poucos encontrei que soubessem em quem votou, nenhum vinha às urnas espontaneamente, vinham em troca de um chapéu novo ou uma nota de 50$000 (Cinqüenta Mil Réis), por ordem do patrão ou de um cabo qualquer.” Está, portanto, documentada a nossa vocação em negociar o voto. A Constituição de 1891 em seu Artigo 70 parágrafo primeiro determinava: “não podem alistar-se para as eleições federaes ou para as dos estados: I – Os mendigos.” Um preconceito constitucional na república que se instalava. O Artigo 108 da Constituição de 1934 assim foi redigido: ”São eleitores os brasileiros, de um sexo ou outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei.” Foi, sem dúvida, uma constituição para inglês ver, tendo em vista ter sido rasgada em 1937. Porém, neste particular, democratizou um pouco mais o voto com a inclusão das mulheres. O Voto para os analfabetos nunca fora admitido nas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e mantido na Emenda Constitucional de 1969 até que o Governo Sarney (1985/1990) promulgou a Emenda nº. 25/85 incluindo-os no contingente de eleitores sendo ratificada pela Constituição de 1988. Não são fatos comuns regimes constitucionais representativos, ao elaborarem suas legislações eleitorais, admitirem o voto às pessoas sem um mínimo de instrução. No caso brasileiro não se diga que foi questão de justiça ou inclusão social, mas sim, antes de tudo, puro oportunismo safado.

A pratica de manipulação de voto é parte viva da cultura política brasileira. Exemplo notório disso é o famoso “voto de cabresto” onde a eleição era, via de regra, decidida no colo do coronel. A urna era posta à vista do chefe político da região e o “eleitor”, antes de depositar o voto, lhe entregava para que fosse devidamente vistoriado. Isso quando somente os homens maiores de idade e alfabetizados, que sabiam assinar o nome, podiam votar. Com a urna eletrônica várias modalidades de ilícitos eleitorais deixaram de ser praticados dando lugar aos meios mais sofisticados. A partir do momento no qual se negocia o voto o candidato eleito está desobrigado de todo e qualquer compromisso assumido posto que pagou por ele. Quando não se filtram os candidatos corretamente todas as impurezas estarão presentes na administração pública fomentando a próspera indústria da miséria que alimenta e engorda as elites brasileiras esparramadas em suas pocilgas de luxo.

Celso Botelho

30.05.2008