quinta-feira, 28 de maio de 2009

CARTA AO ONOFRE


Caro e inesquecível companheiro de antigas pelejas e pendengas. Cá estou a escrever-lhe mergulhado nas lembranças de um tempo no qual sonhávamos em reformar a pátria mãe gentil. Hoje uma reforma, por mais completa que seja, mostrar-se-ia insuficiente para sequer amenizarmos as viscitudes pelas quais passa este solo. Não pense tu, nobre cavaleiro, que após atingir certa idade tornei-me um inveterado cético. Não é assim, senão ao contrário. Ainda me pego sonhando tal qual naqueles anos de amargura que atravessamos galhardamente. Seria necessário, nos dias atuais, reinventar-se este Brasil provavelmente a partir do zero ou algo que o valha. Imagino você, dileto contemporâneo, sentado na pequena varanda de sua modesta casa enfurnada no sertão, cercado dos mais variados tons de verde aspirando aquele cheiro de terra que fica no ar após uma chuva mais caprichada. Eta coisa boa! Pois é, com esta missiva faço-o saber de que por cá se sucede e, ao mesmo tempo, desabafo para aliviar meu espírito. Leia, portanto, com a atenção que lhe é peculiar o que abaixo segue, reflita e faça-me conhecer seu pensamento tão logo possa fazê-lo.


Certamente há o bom amigo de lembrar do José, o Sarney. Pois então. Sabes também que este “ilustre” filho do bom e velho Estado do Maranhão foi eleito, em terceira vez, presidente do que se chama, por pura galhofa, de Senado Federal. Queria o calejado político que o fosse por aclamação, tal qual ocorreu com nossos Pedros no distante Império. Porém, os tempos mudaram e foi preciso levar a cabo certos arranjos aqui e acolá. Certo também, hás de saber a muito tempo, que este maranhense representa o esquecido Estado do Amapá desde que arribou da presidência da República cargo que ocupara, segundo afirmara na época, sem nunca ter desejado. Mas quis o destino impô-lo e isto me leva a considerar que talvez só tenha aceitado participar da chapa do Dr. Tancredo Neves porque não tinha nada melhor para fazer. Escrever livros talvez fosse uma opção, no entanto, naquele momento carecia de inspiração e decidiu pelo mais cômodo: bobagem por bobagem os discursos políticos lhes bastavam. Assumiu o cargo, no Senado, com aquela lengalenga de sempre de moralizar, resgatar a imagem da Instituição que se encontra mais distorcida do que reflexo em espelho de parque de diversões, etc., etc. e etc., ou seja, “vamos mudar para tudo permanecer como está”. Tem momentos que fico dividido com a classe politiqueira brasileira: ora fico colérico, ora irritado, ora embasbacado, ora insatisfeito e freqüentemente, num desejo mais tétrico, ansioso por arrancar-lhes o fígado. Caro Onofre, este último pensamento deve entender como alegórico, pois, sabes perfeitamente que não denota o sentido literal, mesmo porque as paredes (sabemos disso perfeitamente) têm por mau hábito ter ouvidos e que estes não são moucos.


O Senador do qual tratamos e, perceba, tal verbo aplica-se ao conteúdo deste texto e ao vil metal que esta criatura recebe todos os meses retirados de nossos magérrimos bolsos. Pois então, Sua Excelência achou-se numa posição um tanto quanto incomoda ao constatar-se que recebia uma verba, coisa de pouca monta em se tratando de quem é, referente a um penduricalho conhecido por “auxílio-moradia” quando, anteriormente, havia declarado que não embolsava tal mimo. Pediu desculpas, é verdade, justificou-se dizendo que nunca a tivera solicitado. Embolsava-a mensalmente alheio à sua procedência numa total e completa demonstração de desprendimento a assuntos financeiros, homem público cioso de que sua boa atuação parlamentar sempre fora sua prioridade em benefício da população brasileira. Escrevendo de tal forma, caso fosse mais frouxo, na certa pingariam lágrimas nestas páginas que agora traço com minha letra graúda e agarranchada. Agora fico matutando cá com meus botões que talvez esta falta de interesse por assuntos financeiros (e econômicos) é que o tenha levado a desastrosa aventura do Plano Cruzado quando, por decreto, revogou a milenar lei de mercado da oferta e procura, entre outras. E essa obsessão pelo bem-estar da sociedade talvez tenha sido o motivo central de ter encabeçado um dos governos mais corruptos de nossa maltrapilha República. Nós, simples mortais, ao recebermos nossos alvitantes contracheques o examinamos nas três dimensões a fim de nos certificamos de que tudo está nos “conformes”, porém, homens da envergadura de José Sarney não descem a este nível porque, na verdade, pouco ou nada se lhe importa quanto se registre a seu favor. Mesmo porque, por mais bela que seja a soma jamais refletirá um valor minimamente próximo do “serviço que presta ao país”. Mas Onofre não se apoquente porque o primeiro-secretário da Casa Heráclito, o Fortes (DEM-PI) e não de Éfeso, o filósofo, declarou que todos devolverão os recursos recebidos indevidamente mediante um desconto de 10% de seus vencimentos até a sua totalidade ou até que o inferno esfrie, pois, neste caso, o tempo é o mesmo.


Não hei, pois, tomar mais teu tempo meu caro amigo, visto saber encontrar-se assoberbado de tarefas e, entre elas, a de cuidar daquela plantinha que, pacientemente, como eu cá do meu canto, vem dedicando especial atenção por sua natureza frágil e suscetível as intempéries: a árvore dos valores positivos que, a um mero descuido, achava-se a mercê de um vagabundo qualquer a fazer-lhe de urinol. Agradeço sua atenção e despeço-me reiterando meu apreço por vossa mercê prometendo, em breve, enviar outras mal traçadas linhas sobre outra velhacaria ou safadeza qualquer.


CELSO BOTELHO

28.05.2009