domingo, 19 de dezembro de 2010

O HOMEM DE R$ 1 BILHÃO NO ORÇAMENTO DA UNIÃO


DIZEM QUE OS QUE GOVERNAM SÃO O ESPELHO DA REPÚBLICA. NÃO É ASSIM, SENÃO AO CONTRÁRIO. A REPÚBLICA É O ESPELHO DOS QUE A GOVERNAM.

(SERMÃO DA EPIFÃNIA, PADRE ANTONIO VIEIRA, 1608-1697)

Caso me apontem um único Orçamento Geral da União que não esteja eivado de irregularidades, ilicitudes, safadezas, velhacarias, artimanhas e fantasias saio correndo para trocar o meu nome para Drakozymthoboaldu Botelho imediatamente. O Congresso Nacional prima pelo desleixo; inércia; inoperância; incompetência; omissão; pelas atuações fisiológicas, corporativistas, mercenárias e velhacas de seus membros. Como respeitar uma Instituição que se mostra ao longo dos anos carcomida, inútil, fétida? Tudo ali cheira mal. A pilantragem transita entre suas duas Casas com uma desenvoltura maquiavélica, macabra, aterrorizante. Ninguém é punido por coisa alguma em nenhum momento. Sempre defendi a Instituição (em abril de 1977 o presidente Geisel o fechou, era o Pacote de Abril, mas isso é outra história), porém, com as safras de senadores e deputados que tem ocupado aquelas Casas acredito que seria muito mais vantajoso e higiênico mantê-las fechadas até que as desinfetem. Não se faz e nunca irão desejar de fato fazer qualquer reforma (política, tributária, previdenciária, eleitoral, etc.) que possa vir a estorvar-lhe os negócios, posto que aquele lugar não passe de um grande balcão de negócios. Escusos, é claro. O senador Gim Argello (PTB-DF) entrou para o Senado Federal com a renúncia do corrupto Joaquim Roriz que abriu mão de sete anos e seis meses de mandato para fugir à cassação. De inicio logo se questionou a ficha do suplente, porém, o Clube do Bolinha o admitiu e passou uma borracha em seu passado nada recomendável para o exercício do cargo. O Senador “ganhou prestígio” entre seus pares e da própria “presidento” eleita Tia Dilmão. Fez-se necessário, útil e solidário aos interesses da Casa, do governo, dos sócios, dos amigos, do presidente que sai e, sendo assim, presentearam-lhe com a relatoria do Orçamento Geral da União para 2011 de R$ 1,3 trilhões a qual, por sinal, já renunciou dispensando o vexame dali ser enxotado. O orçamento é tão importante que Afonso Arinos de Mello Franco (1905-1990) dizia “o mais importante para um país é o seu orçamento. Se o Congresso, durante o ano todo, votar apenas o orçamento, não precisará fazer mais nada” e defendia que “o orçamento deve ser IMPOSITIVO e não apenas AUTORIZATIVO”.

Segundo denuncia do jornal O Estado de São Paulo o “nobre” parlamentar aprovou emendas que beneficiaram entidades simplesmente inexistentes no montante de R$ 3 milhões. A certeza da impunidade faz com que aves de rapina deste calibre não se dêem nem ao trabalho de dissimular a bandalheira encobrindo os rastros da lambança. Institutos cujo endereço é uma vidraçaria, uma sala fechada ou de fisioterapia, a residência de um pedreiro; jardineiro e mecânico aliciados com promessa de ganho financeiro tomados como laranjas; familiares aquinhoados com recursos públicos; eventos que jamais aconteceram ou fraudados na prestação de contas como, por exemplo, artistas que receberam cachê menor daquele declarado pelas entidades; promoção pessoal com dinheiro público, etc. Safada mesmo foi à explicação do deputado Sandro Mabel (PR-GO), remanescente do escândalo do Mensalão, em nota oficial, dizendo que o deputado não era obrigado a saber da idoneidade dos beneficiários das verbas. Ora, cacete, tem que ser muito descarado para dizer tal coisa em nota oficial. Ou o deputado é um idiota juramentado ou, eis o mais certo, é um canalha de marca maior. Não precisa saber se a entidade é idônea ou não porque o dinheiro não sai do seu inconfessável bolso, mas sim do maltratado contribuinte, eis o fundamento da perspectiva do dito cujo deputado. As emendas parlamentares sempre foram uma forte moeda de troca entre Executivo e Legislativo, instrumento eficaz para desviarem-se recursos públicos enriquecendo dúzias de patifes.

O surpreendente nas fraudes praticadas no Orçamento é que, ano após ano, não apresentam nenhuma originalidade, chegam a ser grosseira e facilmente detectada por qualquer débilmental. O esquema é antigo, porém funciona. O parlamentar apresenta uma emenda ao Orçamento que reserva recursos públicos para promover shows ou eventos culturais, em seguida envia uma carta ao ministro da pasta e o dinheiro é destinado a um Instituto fantasma que por seu turno o repassa para uma empresa de promoção de eventos ou marketing que, naturalmente, possui endereço falso e em nome de um laranja da vida. Neste caso os ministérios do Turismo e o da Cultura não realizam a checagem presencial da prestação de contas do serviço, nem verificam a atuação do Instituto e da empresa subcontratada. De acordo com o ministério do Turismo tal checagem ocorre em apenas 35% dos convênios e vai além dizendo que “não faz parte da exigência legal visita à sede das entidades”. Devemos informar ao ministro Luis Barreto que “está” funcionário público por conta de uma nomeação do presidente da República que é outro funcionário público e, portanto, é sim sua obrigação se cercar de todos os cuidados ao repassá-lo e verificar sua aplicação. Tal declaração é, para se dizer o mínimo, um atestado de conivência, complacência e omissão.

Segundo declarou textualmente o senador Gim Argelo “o que me move é o mérito do projeto, não a identidade do executor”. Diante das denuncias sou forçado a dizer que o senador não tem condições de avaliar mérito de projeto algum pelo simples detalhe de desconhecê-los e quanto à identidade do executor o parlamentar está se lixando desde que possa ser beneficiado, de uma maneira ou daquela outra. Para o senador o acompanhamento deve ser feito pelo TCU (Tribunal de Contas da União) ou AGU (Advocacia Geral da União) eximindo-se de qualquer responsabilidade. Para 2011 o Orçamento Geral da União prevê cerca de R$ 16 milhões para as emendas parlamentares e estas entidades são criadas apenas para intermediar convênios com o governo federal sendo que aproximadamente R$ 10 milhões já têm endereço certo: Instituto Planalto Central (da corrupção) e Conhecer Brasil (a corrupção), ambas registradas com endereços falsos que adquiriram estatutos de associações comunitárias para que pudessem funcionar e intermediar convênios. A desfaçatez é tanta que o senador admite não conhecer as entidades que destina recursos. Em 29 de junho deste ano o senador Gim (com ou sem água tônica?) enviou carta ao ministro da Cultura Juca Ferreira pedindo que R$ 600 mil das emendas por ele aprovadas no Orçamento de 2010 fossem transferidos para o Instituto Renova Brasil (o convênio foi aprovado e liberado R$ 532 mil), mas o diabo é que o Instituto não existe e no seu endereço funciona a vidraçaria Requinte Vidros. O Instituto Brasil Sempre à Frente (da corrupção), que tem sua “sede” em Brasília, abocanhou este ano R$ 1,1 milhões com emendas e lobbys do senador pelo Distrito Federal, mas a entidade repassou o dinheiro para uma empresa, a Vênus Produções (corruptas).

Segundo o tesoureiro do Projeto Viver (a corrupção) a entidade recebeu em 2010 cerca de R$ 1,7 milhões dos quais R$ 410 mil em emendas do deputado Laerte Bessa (PSC-DF) e R$ 300 mil do senador Gim Argelo para realizar uma festa junina no Distrito Federal. O Projeto também recebeu emendas do deputado Milton Barbosa (PSDB-BA) também para festa junina, isso é que é gostar de quentão, canjica e quadrilha! Constam também outros parlamentares na apresentação de emendas como Luciana Costa (PR-SP); Carlos Alberto Lareia (PSDB-GO) e Rodovalho (PP-DF). No Orçamento para 2011 o senador apresentou emenda individual de R$ 250 mil para o Instituto Nacional do Turismo (a Corruptolândia) cuja proprietária é dona Wilma Magalhães que foi presa por envolvimento no escândalo dos Anões do Orçamento em 1993 acusada de utilizar entre os anos de 1992 e 1995 sua agência de turismo para realizar operações suspeitas com os dólares do então deputado João Alves (PFL-BA) que renunciou ao mandato para escapar da cassação. Condenada a seis anos de prisão por crime contra o sistema financeiro cumpriu apenas seis meses. Foi convidada pelo senador a filiar-se ao PTB para disputar uma cadeira na Câmara Distrital, porém a justiça a enquadrou na Lei Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) impugnando-a. Outra emenda da lavra do ex-vendedor de carros e atual senador é para o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social e Cultural (IBDESC) da ordem de R$ 650 mil e, para não fugir à regra, tem o endereço inexistente (no endereço fornecido funciona uma sala de fisioterapia). Ainda com base no “mérito do projeto” destinou outra emenda na casa de R$ 1,5 milhões para ser compartilhado entre este tal de IBDESC e a Confederação Brasileira de Convention & Visitors Bureaux (quer nome mais capcioso?). Em setembro passado o IBDESC recebeu, ainda de acordo com o “mérito do projeto” na avaliação do senador R$ 534 mil de uma emenda de sua autoria que foi repassada a RC Assessoria cujos proprietários são um jardineiro e um mecânico. Caso queiramos reclamar devemos nos dirigirmos à Sua Santidade o papa Bento XVI no Vaticano, posto que o Conselho de Ética foi praticamente desativado após o escândalo protagonizado pelo presidente do Senado Federal José Sarney (PMDB-AP) e, de mais a mais, não presta mesmo para porcaria nenhuma tal Conselho. Haveria também a Corregedoria, mas além de ser outra inutilidade seu titular, senador Romeu Tuma (DEM-SP), faleceu e o cargo está vago.

O escândalo dos Anões do Orçamento em 1993 possuía dois esquemas para os parlamentares se locupletarem. O primeiro consistia em apresentar emendas destinando recursos para entidades filantrópicas (leia-se pilantrópicas) ligadas a parentes e laranjas. O segundo, o principal e mais robusto, estava nos “acertos” com as grandes empreiteiras para inclusão de verbas orçamentárias para as grandes obras em troca de apreciáveis comissões. Dezoito deputados foram acusados: seis cassados, oito absolvidos e quatro renunciaram para fugir da cassação. O ex-deputado João Alves, falecido em 2004, era o suposto chefe da quadrilha e lavava o dinheiro comprando cartões premiados de loteria, mas segundo ele, Deus o havia abençoado para ganhar duzentas vezes na Loteria, isso é que é exemplo de predestinação! O esquema derrubou o presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Genebaldo Corrêa (PMDB-BA). O delator do esquema era membro da quadrilha e funcionário (chefe da assessoria técnica da Comissão de Orçamento do Congresso) José Carlos Alves dos Santos que foi preso e acusado de mandar assassinar a esposa (morta a pedradas e picaretas em novembro de 1992) que ameaçava denunciar toda quadrilha, foi condenado a vinte anos de cadeia saindo em condicional com dez anos cumpridos. Em 2006 foi a vez do Escândalo da Máfia dos Sanguessugas e o padrão é igual. Os parlamentares apresentavam emendas ao Orçamento Geral da União solicitando a compra de ambulâncias em troca de propina paga pela empresa Planam que vendia os carros superfaturados. A Procuradoria Geral da União constatou a irregularidade na compra de ambulâncias em 60 municípios em 17 Estados. O esquema contava com o auxilio luxuoso da funcionária do ministério da Saúde Maria da Penha Lino que não se fez de rogada em acusar 170 parlamentares de envolvimento na tramóia. O relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou a farra recomendou a cassação de72 parlamentares, cinco deles ainda permanecem na Câmara dos Deputados e um no Senado Federal.

Ontem os Anões do Orçamento, depois a Máfia dos Sanguessugas e hoje Gim Argelo & Curriola, amanhã certamente será um outro qualquer se valendo do mesmo mecanismo para aliviar os cofres públicos porque a estrutura esta apodrecida, a ganância está entranhada na carne, os valores morais estão invertidos e a decência há muito esquecida. O Estado brasileiro caminha célere para a inviabilidade (política, social e econômica) tal a dilaceração que foi e é submetido sistematicamente. Precisamos e devemos deter esses pulhas e não será através do voto que as transformações serão efetivadas, posto que a legislação eleitoral seja perversa e pervertida e os candidatos que se apresentam desastrosos ou catastróficos. Não faço apologia a baderna, a violência e muito menos prego uma desobediência civil, porém não podemos ficar hirtos diante de tanta corrupção, desvio e desperdício dos dinheiros públicos enquanto a saúde, a educação, os transportes, a habitação, a segurança pública, as obras de infra-estrutura, a agricultura, o saneamento básico, etc. ressentem-se da ausência deles. Os milhares de milhões de reais roubados do povo que vai para as algibeiras, cuecas, meias ou contas no exterior desses trastes anulam qualquer esperança que se possa alimentar a cerca de justiça social, igualdade, liberdade ou democracia.

CELSO BOTELHO

19.12.2010