quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

ESTADO BRASILEIRO. GRANDE/PEQUENO, ESTATIZANTE/PRIVATIZANTE





O Estado brasileiro é um gritante exemplo de estrutura paquidérmica e ineficiente. Mas não devemos nos vangloriar de tamanha catástrofe, posto não sermos os únicos na História. Inúmeras sociedades possuíram e possuem um complexo aparato estatal que estão além das necessidades da sociedade, suas exigências e aspirações. O tamanho do Estado deve corresponder às suas necessidades com eficiência. O debate acerca do tamanho do Estado deve considerar diversos elementos para que seus resultados possam produzir efeitos positivos. No caso brasileiro encolher a máquina estatal não se trata apenas de uma questão numérica, mas uma imposição urgente e inadiável. O modelo de Estado que nos foi legado pelos invasores portugueses com sua cultura burocrática ainda causa sérios entraves ao desenvolvimento do país e permite a velha e odiosa prática de criar dificuldades para vender facilidades. É preciso estudar-se o modelo absolutista vigente em Portugal para se entender como se estruturou o Estado no Brasil. A partir da vinda da Família Real em 1808 podemos detectar nitidamente os vícios e as virtudes trazidas pela Corte de d. João VI. A burocracia estatal incorporou-se de vez na administração gerando conflitos, distorções, omissões e mazelas ainda hoje presentes. D. João VI fazia vista grossa à corrupção sistematicamente. Mas, façamos justiça, não foi o único mandatário brasileiro a omitir-se com relação à corrupção. Vários deles a praticaram com muito entusiasmo. Ouvimos com certa frequência que o Estado é um mal necessário. Pensamos que não é assim, senão o contrário. O que precisamos é investigar as causas de sua má formação, encontrar soluções que o depurem e conceber mecanismos rígidos de controle punindo implacavelmente todos aqueles que dele faça instrumento para obter vantagens, sejam elas quais forem para si ou para outrem.


 
Um dos debates mais instigantes há alguns anos envolve a privatização de alguns serviços que sempre estiveram sob a alçada do Estado. Faz parte deste debate a questão sobre o tamanho do Estado. Sendo um dos argumentos mais utilizados para a defesa de seu encolhimento a relocação de recursos em áreas essenciais como saúde, educação, habitação, segurança pública, etc. Basta verificarem-se as privatizações realizadas nas últimas décadas e constataremos que tal argumento é tão verdadeiro quanto às boas intenções de satanás. O gigantismo da máquina pública no Brasil deve-se, antes de tudo, a fatores políticos e partidários. Nossos políticos confundem, propositadamente, o que seja governo e Estado e, de igual modo, o que é público e o que é privado. Sendo assim, acabam por moldar o Estado às suas imagens e semelhanças, isto é, seus interesses pessoais, políticos, partidários e econômicos. Nosso primeiro presidente da República, Deodoro da Fonseca (1827-1892), possuía uma tendência monárquica absolutista. Imaginava-se um imperador e não um presidente da República. O segundo presidente Floriano Peixoto (1839-1895) descumpriu até a Constituição Federal para manter-se no poder. Getúlio Vargas (1882-1954) não se contentou com menos de quinze anos de poder ininterruptos valendo-se de todos os expedientes para não sair do Palácio do Catete. O presidente Jânio Quadros (1917-1992) cultivava o desejo ardente tornar-se um ditador e isto acabou por derrubá-lo. O presidente Collor de Mello demonstrava também uma vocação absolutista. Todos partilhavam a máxima do rei da França Luís XIV (1638-1715): “O Estado sou eu” (Lè ètat est moi). Já o ex-presidente Lula foi bem mais democrático ao transformar o governo e o Estado em condomínio privativo do Partido dos Trabalhadores e seus associados, agregados, cúmplices, bajuladores e tudo o mais que se pode encontrar na escória. Afinal, havia queijo mais do que suficiente para todos os ratos.




Entendemos, entre tantos outros pontos, que o Estado deva se limitar às funções que, tradicionalmente, desempenha podendo ser acrescidas de outras que se façam necessárias e intransferíveis à iniciativa privada obedecendo às circunstâncias especificas de cada momento político, econômico, social ou cultural. A transferência de atividades estratégicas para a iniciativa privada exige, de antemão, normas bem definidas e fiscalização severa quanto aos procedimentos e execução. A segurança e a soberania nacional transcende qualquer outro interesse (ideológico, político, partidário, corporativo, religioso, pessoal, etc.). Mas, por outro lado, se transferência de serviços tem como objetivo desonerar o Estado e ampliar sua atuação em setores mais sensíveis ela também pode ocasionar situações adversas às necessidades e expectativas de seus cidadãos. Portanto, a decisão de tais transferências não deve estar restrita aos círculos do poder na forma de comissões de desestatização como as que existiram num passado recente. Estas comissões primaram por atender interesses estranhos à sociedade brasileira e, em muitos casos, com um grave comprometimento de nosso futuro. As privatizações nos governos FHC e Lula revelaram-se desastrosas e altamente lesivas aos interesses nacionais. Não se trata, pois, de reduzir-se esta questão a conveniência ou não de um Estado grande ou pequeno, estatizante ou privatizante, incolor ou colorido. Trata-se, portanto, de se conhecer as suas especificidades e até onde estatizar ou privatizar atenderá as demandas de seus cidadãos.



Em 1989 o economista John Williamson, ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) listou uma série de políticas que o governo dos Estados Unidos deveria adotar diante das crises econômicas dos países da América Latina. O governo norte americano, através de seu Congresso, decidiu que as dívidas dos países latino-americanos só seriam negociadas com o aceite dessas políticas. Assim o modelo neoliberal tornou-se a bíblia para os governantes brasileiros, menos por ingenuidade e mais por compromissos assumidos com a elite globalista. O neoliberalismo tem o seu norte voltado para a premissa de que a economia deve ser regida pelas leis de mercado. E, para tal, há que se obedecer a seus dez mandamentos fundamentais. 1) Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; 2) Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura (este mandamento é só para inglês ver); 3) Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos 4) Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5) Taxa de câmbio competitiva; 6) Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 7) Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro; 8) Privatização, com a venda de empresas estatais; 9) Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas e 10) Propriedade intelectual. Ora, a globalização pressupõe a crescente interdependência entre mercados, governos, empresas e movimentos sociais e, fatalmente, a necessidade de uma legislação o mais uniforme possível. Mas para isto acontecer será necessária a quebra de soberania nacional e este processo há muitos anos está em curso em inúmeros países não só pelas vias comerciais e financeiras como também pela via cultural, social, religiosa, etc. Em síntese, o Consenso de Washington, com algumas adaptações aos diversos países, está centrado doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do tamanho e papel do Estado. Resumo: recolonização ampla, total e irrestrita.


 
Todos os presidentes brasileiros após 1989 têm se orientado pela agenda neoliberal desmantelando o Estado, pervertendo sistematicamente o governo (sempre haverá espaço para pervertê-lo e corrompê-lo um pouco mais simplesmente porque permitimos isso de uma forma ou de outra), concentrando a renda cada vez mais e aprofundando de forma cruel e desumana as desigualdades. Para revertermos a situação de penúria na qual se encontram atividades tipicamente estatais que foram concedidas, vendidas ou praticamente doadas a interesses privados e não comprometidos com a oferta, qualidade e quantidade de bens e serviços será necessário, antes de mais nada, estancarmos este processo, em seguida revermos todos os contratos de venda ou concessão e auditá-los minuciosamente identificando irregularidades e propondo as ações cabíveis responsabilizando criminalmente as partes envolvidas em ilicitudes. Reavendo os bens já dilapidados então é possível conceber um plano de ação para recuperá-las, modernizá-las e aperfeiçoá-las operacionalmente. Concomitantemente desencadear uma ampla devassa nos três poderes da República identificando todos os seus ministérios, autarquias, estatais, agências reguladoras, órgãos, departamentos, seções, etc. procedendo a uma análise apurada sobre sua utilidade, atuação e, principalmente, em quanto oneram o Erário. O presidente Lula é um ótimo exemplo de irresponsabilidade com o país para favorecer banqueiros, empresários, latifundiários, partidários, correligionários, apadrinhados e até sua amante com recursos públicos criando, por decreto, o gabinete da presidência da República em São Paulo. O ex-presidente criou ministérios inúteis (como o da Pesca, Assuntos Estratégicos, etc.), empresas estatais (Preservativos Natex, fábrica de preservativos masculinos de Xapuri, AC; a ETAV - Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade, substituída no governo Dilma Rousseff por EPL – Empresa de Planejamento e Logística através da MP 576/2012 aprovada no último dia 28 pelo Senado Federal), autarquias, etc. Quanto ao aparelhamento do Estado os governos Lula e Dilma quase quadriplicaram o número de funcionários. Só para termos uma ideia do séquito presidencial recordemos alguns números. O presidente Itamar Franco deixou o Palácio do Planalto com cerca de 1.800 funcionários, incluindo concursados e de livre nomeação; o presidente FHC foi mais modesto e o reduziu para algo próximo a 1.100; com o presidente Lula o número passou de 3.000 e a atual presidente ultrapassou os 4.000. Coisa digna de qualquer faraó, sultão e imperador. De acordo com o Boletim Estatístico do Ministério do Planejamento de agosto deste ano, o presidente FHC quando deixou a presidência havia 68.931 cargos comissionados, de função ou com gratificações destinados a servidores públicos concursados O presidente Lula, em seus oito anos de mandato, criou 17.000 novos cargos chegando a 86.784 e a presidente Dilma, em 20 meses de governo, já preencheu outros 1.402 cargos deste tipo. Já nos cargos de livre nomeação FHC entregou o governo com 18.374, Lula expandiu para 21.870 e Dilma, até o mês de agosto, criou outros 400. A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça) do Senado Federal, no dia 29 do mês passado, aprovou a criação de noventa novos cargos de livre nomeação e oito funções gratificadas na estrutura da presidência da República. No Judiciário a farra não é de se desprezar. A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou no último dia 31 de outubro o Projeto de Lei 4230/12, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que cria, em Macapá (AP), três varas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sendo criados 3 cargos de juiz federal, 3 de juiz federal substituto, 58 de analista judiciário, 13 de técnico judiciário, 3 cargos em comissão e 53 funções comissionadas. Não satisfeita a relatora da proposta, deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP), incluiu também a criação de mais 80 cargos em comissão para o STJ. A magistratura conseguiu dobrar, em despesa e quantidade de servidores, sua fatia na folha da União. Os juízes e desembargadores de todo país têm o privilégio de gozar férias de 60 dias com um adicional de dois terços de seus salários e tantas outras sinecuras. Estes exemplos não são nem a ponta do iceberg. Evoquei-os para apenas ilustrar o mal trato com o dinheiro público.




Conclui-se, portanto, que existe uma tarefa gigantesca caso desejarmos realmente reestruturarmos o Estado brasileiro e expurgar os vícios seculares dos quais somos vítimas. Os binômios Estado grande/pequeno, privatizante/estatizante não possui toda a grandeza que lhe atribuem. Isso não significa que o debate deva ser desprezado. O cerne da questão é até que ponto poderá ser uma coisa ou outra. Em outras palavras, devemos atentar para o custo/benefício. Não se pode pretender governar um país com tais dimensões dispondo de uma aparato semelhante ao de Narau, uma ilha no Oceano Pacifico com 22 km2 e uma população de cerca de 10.000 habitantes que se tornou independente em 1968. Todas as tentativas para reduzir o tamanho do Estado brasileiro se mostraram inadequadas, politiqueiras, demagógicas e até pueris. O Visconde de Uruguai (Paulino José Soares de Souza, 1807-1866) já alertava que a centralização administrativa poderia causar danos à administração pública multiplicando engrenagens no governo, procedimentos, papéis e controles que só fazem produzir a lentidão em suas decisões. Visconde de Mauá (Irineu Evangelista de Souza, 1813-1889) reclamava que no Brasil a iniciativa individual dependia de uma concessão governamental. Devemos, contudo, abrir um parêntese para Hélio Beltrão (1916-1997) que foi o primeiro brasileiro a formular e colocar em prática uma política de desburocratização com o Programa Nacional de Desburocratização (Decreto 83.740 de 18.07.1979, revogado pelo Decreto 5.378 de 23.02.2005). Antes dele João Goulart (1919-1976) criou em 1962 o Ministério Extraordinário da Reforma Administrativa e com o golpe militar de 1964 o presidente Castelo Branco (1900-1967), com base nos estudos já realizados por este ministério, criou a Comissão de Reforma Administrativa. Em 25 de fevereiro de 1967 foi promulgado o Decreto-Lei nº 200 (Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências). As premissas do Programa Nacional de Desburocratização encontram-se na 1) Prevalência do interesse do cidadão sobre o interesse da administração, pois serviço público significa exatamente servir ao público; 2) Tratamento diferenciado das distintas realidades que compõem um país fortemente heterogêneo: todos os pobres são iguais perante a burocracia; 3) Combate sistemático ao formalismo, à centralização e a tudo o que daí decorre, como o princípio da desconfiança, que orienta a relação da administração pública com os cidadãos e 4) Desconcentração da função decisória: quem melhor decide é quem está mais próximo do fato administrado e da pessoa que o requer. E resume magistralmente “A verdade é que o Brasil já nasceu rigorosamente centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima para baixo e de trás para diante.” Mas devemos atentar que um empreendimento de tamanha grandeza não se dará do dia para a noite. Demandará décadas ou até um século tendo em vista a colossal bagunça na qual se encontra o Estado brasileiro. Também não nos iludamos que com esta corja de politiqueiros possa acontecer qualquer mudança, pelo menos para beneficiar os cidadãos. Caberá a sociedade abrir espaços e decidir o que deseja: um Estado perdulário, omisso, ineficiente, conivente com as patifarias como temos ou um Estado austero, atuante, eficiente e severo com as práticas ilícitas como, suponho, todos desejam.


CELSO BOTELHO

04.12.2012