quinta-feira, 2 de abril de 2009


Provavelmente minha visão sobre o STF (Supremo Tribunal Federal) deverá ficar mais nítida e o curso da história da humanidade sofrerá uma guinada sem precedentes após as declarações de seu presidente Gilmar Mendes, O Bondoso. Não é que o nobre jurisconsulto divulgou que a mais alta Corte do país não se limita a conceder hábeas corpus somente para ricos e poderosos (se bem que esta é sua especialidade), mas também vai ao socorro dos pobres que lhes bate à porta. Informou que alguns dos benefícios relacionavam-se com crimes de pouca monta, isto é, em juridiquês aqueles aos quais se aplica o “princípio da insignificância”. Crimes de, segundo ele, furto de creme dental, bambolê, escova de dente, sabonete e fita de vídeo. Este último objeto de furto me surpreendeu uma vez que sua produção e comercialização fazem parte do acervo do museu tecnológico, da mesma maneira o tal do bambolê que, creio, nem nas regiões mais remotas deste país se faz uso. O Judiciário brasileiro parece uma piada. E de mau gosto. Casos como estes não deveriam sequer chegar à Praça dos Três Poderes devendo ser resolvidos na origem e ponto final. A Suprema Corte existe para decidir sobre assuntos mais complexos, aqueles que, de uma maneira ou de outra, irão interferir na vida do cidadão. Ao incorporar o espírito do bom samaritano o STF dando publicidade para estes feitos fico cada vez mais desolado com os rumos que a República vai seguindo.


Não estou interessado e não contribuo com meus impostos para a manutenção desta Instituição para gastar tempo e dinheiro com bobagens. Minhas exigências para com a Corte são bem maiores. Enquanto debruçam-se sobre o varejo os tubarões deitam e rolam no atacado. O Escândalo do Mensalão, por exemplo, serão mais de seiscentos depoimentos a serem tomados, de acordo com o próprio STF que, certamente, não serão efetivados antes da prescrição dos crimes. É lambança em cima de lambança: Cacciola sem algemas e dando entrevista coletiva à imprensa como se fosse um pop star; o sei-lá-o-quê Daniel Dantas agraciado com dois hábeas corpus; os candidatos fichas sujas ganhando o direito de representarem o povo; o italiano condenado por quatro homicídios em seu país à prisão perpétua, se bem que tenha de admitir a autoria desta lambança ao ministro da Justiça Tarso, O Genro; os cinco condenados e presos (segundo consta, o quinteto compunha-se de dois homicidas, dois estupradores e um ladrão de dinheiro público) recebendo o benefício de recorrerem da sentença em liberdade e a lista é vasta. O volume de processos que chega ao STF todos os anos que poderiam ser extintos nas instâncias inferiores é de embasbacar qualquer cristão, mulçumano ou ateu. Talvez o ministro Gilmar Mendes nos tenha em conta como inveterados idiotas ou, não acho que seja possível, seja portador de uma inocência angelical. Insinuar que o discurso corrente sobre a atuação do STF são injúrias, irresponsabilidades ou que tenha caráter ideológico não corresponde à realidade e sabe muito bem disso. Então não me venha com churumelas.


Este episódio é patético, pueril e profundamente lamentável. Revela-nos o quanto estamos desamparados e esmagados pelo poder Judiciário, ao qual podemos juntar o Legislativo e o Executivo. Nossa maltrapilha República não se vê envolvida em desacertos, que poderiam até se justificarem e serem solucionados. Ela foi tomada por mandos e desmandos de todas as naturezas. A lei, no Brasil, é calibrada de acordo com os interesses políticos e econômicos que vigoram. Sem lei (não esta que hoje se aplica) não existe ordem. E sem ordem é improvável que um país possa sobreviver.


CELSO BOTELHO

02.04.2009