domingo, 10 de julho de 2011

REBELDES SEM CAUSA


Tenho ouvido e lido em muitas ocasiões a expressão “rebeldes sem causa” ao referirem-se aos jovens nos últimos anos. Causas há, e muitas. O que não há é um trabalho de conscientização em nossos jovens, uma educação voltada para desenvolver-lhe o espírito avaliador, crítico, questionador para operar as transformações de que tanto carecemos. Uma educação que não molde os jovens segundo as exigências sociais, políticas e econômicas. Educação, para ser verdadeira e, portanto, honesta precisa elevar-se acima disso. A educação deve proporcionar ao educando meios de reconhecer-se como sujeito histórico e, portanto, agente do seu tempo. O que existe é uma, digamos, conspiração velada das classes dominantes para manterem seu status quo coisa que, aliás, não se constitui em novidade alguma, basta rememorarmos os inúmeros exemplos existentes na História das civilizações.  E uma das formas mais eficientes de atingir este objetivo é, sem dúvida, negando aos nossos jovens uma formação educacional adequada e voltada para as exigências de um mundo globalizado deste novo século. Não discutiremos aqui a LDBEN (Lei das Diretrizes e Bases do Ensino Nacional nº 9394/96) que pode ter lá seus pecados, no entanto, de um modo geral, não deixa de ser boa, mesmo que sua aplicação esteja a anos-luz da realidade brasileira. Outra forma eficiente de manter a sociedade submissa é a adoção de políticas populistas envolvendo o Estado na esdrúxula carapaça de bem-feitor. No caso brasileiro o Estado conta com o empenho nesta empreitada dos mais diversos segmentos que, de fato, detém o capital do país e, exatamente por isso, ocupa os postos-chave na sua administração, seja qual for o partido político que tenha arrebanhado a maioria dos votos que, diga-se, não valem um tostão furado em nosso país tal a perversidade da legislação eleitoral vigente. O arsenal de armas, instrumentos e mecanismos de coerção do Estado brasileiro manipulado pelos banqueiros, empresários de um modo geral, latifundiários, políticos, etc. apresentam quase uma capacidade inesgotável de renovar-se. Digo quase porque sempre haverá fraquezas por mais robusto que possa aparentar. Afinal, só os diamantes são eternos. Não estamos defendendo que a sociedade parta para uma desobediência civil, que promova arruaças, depredações, que adote a violência como instrumento de pressão para as mudanças que exigem. Mesmo admitindo que não se possa fazer omelete sem quebrarmos os ovos.

Não vamos entrar no mérito da questão apenas vamos citar que no estertores do regime militar (1964-1985) aconteceram várias manifestações em todo o país pelas Diretas-Já que, derrotada a emenda Dante de Oliveira (1952-2006), se voltaram para dar apoio a candidatura de Tancredo Neves (1910-1985) mesmo sendo uma eleição via Colégio Eleitoral. Mais adiante as manifestações se repetiram com os chamados “caras-pintadas” exigindo o impeachment do presidente Collor (1990-1992). Não entrar no mérito significa não esmiuçarmos em profundidade estes acontecimentos neste momento, porém, asseguramos que eles somente se tornaram realidade porque foram direcionados, financiados, manipulados para encobrirem os interesses políticos e econômicos de uma diminuta parcela da sociedade. A capacidade de articulação no Brasil de hoje só é possível quando possam atender a interesses perfeitamente localizáveis e estranhos à sociedade. Exemplo disso são as atitudes, atividades e invasões promovidas pelo MST (Movimento dos Sem-Terra) onde se faz presente ostensivamente a posição omissa, conivente, complacente e inerte do Estado brasileiro que ainda não se deu conta que tal postura poderá implicar na sua total ruína. Dentro do MST amontoam-se os mais diversos interesses: desde a pura e simples pilhagem até sua instrumentalização em armas tornando-se braço armado de partido político. O MST não passa do embrião de uma FARC tupiniquim. Em suma, nossos jovens são sistematicamente aliciados e infectados com uma publicidade enganosa tornando-se massa de manobra para os detentores do poder. Isto se deve a má formação educacional que insiste em mantê-los na ignorância confinando-os dentro de limites seguros para que não se rebelem, isto é, oferecendo-lhes migalhas.

Nossos jovens não são “rebeldes sem causa” como afirmou uma conhecida cientista política que, para motivá-los, precisávamos de outra ditadura. Além de ser uma bobagem estupenda o que disse é de se suspeitar de que esta senhora seja mais uma das “viúvas” do regime militar e precisamos, urgentemente, saber em que faculdade se formou para fechá-la imediatamente. Não revelarei seu nome por questões de ética e higiene. Causas têm a vontade. O que falta é que nossos jovens não são educados para dar um encaminhamento diferente aos problemas que se apresentam sem a tutela de alguém que represente os interesses desses problemas. Outra idéia muito difundida em nosso país e estimulada de diversas maneiras é que a prática da corrupção é natural ou, mais popularmente, levar vantagem em tudo é até uma obrigação. Este conceito é praticado tanto nas esferas públicas como na privada sem qualquer pudor. O enriquecimento ilícito passou a ser corriqueiro e as manchetes sobre os casos de corrupção, desvio, malversação, desperdício de dinheiro público, o envolvimento promíscuo do público com o privado sequer sensibiliza a maioria dos jovens que passam encarar tal procedimento como decorrência da prática política e não como um desvio severo de conduta.

Hoje os jovens dispõem de uma ferramenta espetacular que não havia para os de minha geração: a Internet. Este formidável instrumento pode tornar-se a mais possante arma para questionarem e exigirem dos governantes que se mantenham dentro dos limites em qualquer situação e que atendam suas necessidades eficazmente. Recentemente vimos o exemplo no Egito do poder da Internet e sabemos que a China, Cuba e outras nações estabeleceram censura na Internet em seus países exatamente porque conhecem seu poder para aniquilar qualquer forma de governo ditatorial, arbitrária, autoritária. Nossos jovens devem procurar desprender-se da tutela daqueles que os orientam erradamente e assumirem sua condição de agentes transformadores da sociedade em que vivem tomando a iniciativa de questionarem, ponderarem e exigirem mudança sobre o comportamento dos gestores do Estado seja em que esfera for, e apresentarem suas alternativas para a adoção de políticas públicas que realmente esteja direcionada para o bem coletivo. Para se questionar e se refutar é imprescindível que ofereçamos alternativa. A desigualdade social não deve ser apenas uma bandeira e sim uma causa, um compromisso no qual precisamos empregar toda a nossa capacidade física e intelectual para diminuí-la drasticamente, posto que sua eliminação seja uma utopia considerando que ela é fabricada, mantida e ampliada pelo sistema capitalista que dela se sustenta. Esta desigualdade é fomentada também pela corrupção que reina em nosso país e que está pondo em risco sua sobrevivência como nação soberana tal a dilapidação a que está entregue. Os jovens e toda a sociedade deveriam estar a muito tempo mobilizada para enxotar essa gente do comando desta nação como se fossem cachorros leprentos ou coisa pior. Essa gente é que tolhe todas as perspectivas de nossos jovens, que matam ao desviarem recursos para suas contas bancárias. Causas não faltam para os nossos jovens e nem para nós repudiarmos e negarmos a permanência no poder de governos cada vez mais voltados para seus umbigos, de seus familiares, amigos, correligionários, cúmplices e apadrinhados.

O lamentável estado das rodovias; a precariedade da saúde; o insistente sucateamento da educação; a insegurança nas cidades e no campo; o déficit habitacional; a extorsiva política tributária; o loteamento nas empresas estatais, mistas, autarquias como benesses por apoio político; a parcialidade e leniência do poder Judiciário; a ocupação do Congresso Nacional por mercenários e salteadores; os descalabros na Previdência Social; o salário-mínimo que sequer este nome merece; a espúria legislação eleitoral que favorece aos corruptos e vendilhões da pátria e que não representa coisa alguma a não ser eles próprios. Causas são muitas, porém elas somente serão protagonistas em algum movimento caso interfiram nos ganhos deste ou aquele segmento político e/ou econômico devido ao desmantelamento de toda representatividade popular. Vou dar dois exemplos concretos: em 2001 o então deputado Aécio Neves, PSDB-MG, era presidente da Casa e arquivou uma denuncia apresentada por cinco juristas (Celso Bandeira de Melo, Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato, Gofredo da Silva Telles e Paulo Bonavides) de crime de responsabilidade acusando o presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), PSDB-SP, de haver liberado verbas para deputados em troca do arquivamento da CPI da Corrupção. Ao todo FHC teve, em seus oito anos de mandato, 22 pedidos de impeachment. Em agosto de 2005 os advogados Gildson Gomes dos Santos, de Ribeira do Pombal, na Bahia, e Aylton Ferraz Freiras, do Guarujá, em São Paulo assinaram dois pedidos de impeachment para o presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) que foram prontamente arquivados pelo presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP-PE). A situação de Lula era tão grave naquela época que o seu chefe de gabinete Gilberto Carvalho admitiu em entrevista à revista Veja, em junho de 2008, que houve até uma "famosa noite" em que os ministros Antonio Palocci (PT-SP), da Fazenda, e Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, sugeriram um acordo com a oposição para evitar o acirramento da crise, nas palavras de Gilberto Carvalho, "Lula abriria mão da reeleição em troca do restante do mandato”. O presidente Lula foi além dos 30 pedidos de impeachment convenientemente arquivados sendo que em muitos as acusações eram bem mais graves daquelas imputadas ao presidente Collor. Pergunta inocente: por que tiveram o arquivo como destino? Resposta: porque os interesses corporativos, políticos, econômicos solicitavam a permanência de ambos à frente do Executivo para garantir-lhes os privilégios enquanto que com presidente Collor dava-se o oposto. Para dizer a verdade o governo FHC e Lula fazem o governo Collor parecer um vulgar ladrão de galinhas.

Nossos jovens não são “rebeldes sem causa”. São sistematicamente orientados para uma situação de conformismo que se dissemina por toda estrutura que detém o poder político e econômico. Essa estrutura só poderá ser abalada e rompida a partir do momento que nossos educadores, independentemente da orientação legal, comecem um trabalho de esclarecimento e conscientização dos jovens e não limitá-los a aferição de notas e conceitos suficientes para acessar a série seguinte, especialmente os professores de História. Urge, portanto, desmontarmos toda esta estrutura podre na qual se sustenta o Estado brasileiro.

Nossos jovens não são “rebeldes sem causa”. Nossos jovens estão sendo vítimas de um processo de embrutecimento levado a efeito pelos segmentos políticos e econômicos que, associados aos interesses internacionais, estão os tornando escravos da pobreza material e miséria intelectual.

CELSO BOTELHO
10.07.2011