segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A LITURGIA DO CARGO


A organização da sociedade é ininterrupta e está sempre em mutação. Na maioria das vezes avançamos. Os retrocessos ficam por conta de movimentos isolados ou não cuja importância não podemos e não devemos menosprezar visto que, mesmo portador de um conteúdo questionável, vivificam o tecido social logrando ou não êxito. A estruturação dos diversos segmentos sociais obedece a um sem números de regras, parâmetros, acordos definidos (escritos ou não) e rituais. E é deste último que desejo falar. Os ritos são tão antigos quanto o próprio homem e estão presentes em todas as atividades, sejam braçais ou intelectuais. Podemos perfeitamente discordar de muitos rituais que assistimos ou por que o achamos desnecessários, ostentosos, bizarros, idiotas, não importa. No entanto, a partir do momento que nascemos somos integrantes de uma sociedade ritualista e, portanto, obrigados a observá-los à risca ou, pelo menos, tentar. No entanto, isto não quer dizer que não possamos modificá-los. Durante toda nossa existência iremos conviver com os mais diversos rituais. Seja na escola em suas diversas etapas, em casa, no trabalho, na religião que professamos, no esporte, em nossos relacionamentos afetivos ou não, enfim para onde nos voltarmos haverá rituais a serem obedecidos quer queiramos ou não. Isso faz parte da estrutura de organização de qualquer agrupamento humano.


Para mim é um tanto difícil imaginar um ministro do Supremo Tribunal Federal proferindo sentença sem a toga, um sacerdote sem os paramentos, um general sem o uniforme que o distingue ou um senador da República usando a tribuna em mangas de camisa. Como considero completamente inaceitável um presidente da República utilizando-se com a maior largueza de linguagem chula, grosseira ou até que insinue palavras de baixo calão. Um comportamento educado não requer formação acadêmica. Uma linguagem coloquial não significa que tenhamos que recorrer a metáforas descabidas, esdrúxulas, pueris ou idiotas. Pode-se ser popular sem abraçar o populismo. Popularidade não é demonstrar ostensivamente ignorância gramatical. O cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, antes de 2003 e depois de 2010, comportou-se e irá comportar-se da maneira que mais lhe aprouver. Porém, durante este espaço de tempo, não pode ser desta forma. É o chefe do governo e do Estado brasileiro e, além das obrigações pertinentes ao cargo, sua postura é de fundamental importância e, certamente, refletora. Portanto, deveria ter se esmerado em lapidar-se, notadamente quando fala. Levanto duas hipóteses: ou o pessoal do cerimonial nunca esteve atento para as repercussões que os deslizes presidenciais poderiam ter ou decidiram cultivar o modo rude do presidente como instrumento eficaz de marketing. Não importa. O caso é que o estrago foi feito.


A imprensa, toda ela, adotou um comportamento preconceituoso em relação ao presidente Lula. Entretanto, isso não é o mais grave. Elegeram o presidente Lula como válvula de escape para ódios, rancores, mágoas, derrotas, ressentimentos de outras épocas e pelos mais diversos motivos e mesmo sem que tenha contribuído para isso . Promoveram a maior campanha de depreciação pessoal de um presidente eleito pelo povo. Podemos ser irônicos, sarcásticos, irreverentes, porém, não desrespeitosos. O maltrato imposto ao presidente denigre a imagem da nossa imprensa e nosso país. Divergir é natural, salutar, um direito. Agredir é outra. Aqui mesmo neste blog refiro-me ao presidente como O Ignorante e, com certeza, muitos interpretam como um ataque, não é assim. Segundo o dicionário Aurélio ignorar significa não ter conhecimento de, não saber. Como disse reiteradas vezes por ocasião do escândalo do mensalão que de nada sabia outorguei-lhe o título. Não estou me justificando porque não preciso apenas informo. Portanto, não tem nada haver com o fato de que lhe falte formação acadêmica. Os meios de comunicação extrapolam na sátira transformando-a numa chacota maldosa. Formulam piadas que constrangem, insultam e diminuem o ser humano que incorpora legitimamente a Instituição Presidência da República. Democracia não pode ser entendida como esculhambação, escárnio e menosprezo. A galhofa é permissível, desde que não seja infame, corrosiva e mal intencionada.


Mesmo não atendendo aos rituais exigidos pelo cargo e demonstrando nenhum desejo de enquadrar-se neles Lula é o presidente de todos os brasileiros e é inadmissível que a imprensa o trate da maneira cruel que visa atingi-lo como ser humano. Cobrar do presidente obediência aos rituais não é afrontá-lo. Exigir que realize uma boa administração é um direito da sociedade e um dever do presidente. Fica, portanto, registrado que tanto na convergência como na divergência são as atitudes e palavras do presidente que determinam os adjetivos que empregarei em meus textos e não as peculiaridades do ser humano ou de sua vida pessoal e familiar. Estarei sempre atento a Instituição Presidência da República e sua atuação seja o presidente letrado ou não.


CELSO BOTELHO

29.12.2008