Não são poucas as vezes que extrapolo no meu linguajar. Mas, convenhamos, é desalentador assistir o que está acontecendo com o nosso país e, eis o mais lamentável, não conseguimos visualizar a mais tênue luz no fim do túnel. Como diria Vicente Matheus (1908-1997), ex-presidente do Corinthians, “quem está na chuva é para se queimar”. E, repetindo “o presidenta-faz-de-conta” de quem, aliás, sou um ácido crítico de seu governo: "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Ocupação da Assembleia Legislativa da Bahia por policiais
A greve dos militares na Bahia é tal qual aquela casa onde falta o pão. Todos brigam e todos têm razão. O governador Jaques Wagner, do Partido dos Trabalhadores, obstruiu os canais para a negociação. Em toda a História humana constatamos que todas as vezes que os canais de diálogo, negociação são obstruídos ou fechados sucedem-se as rebeliões, revoltas, motins, revoluções e guerras. Aos militares é vedado o direito à greve pela Constituição Federal. As leis existem para serem cumpridas e ponto final. Caso não sejam boas, suficientes, adequadas ou eficazes devemos nos empenhar para que sejam alteradas ou suprimidas, porém enquanto vigirem todos os cidadãos devem obedecê-la. O governante não pode ignorar as demandas da sociedade, especialmente um governo cujo partido se chama dos trabalhadores. Vejam como são as coisas. O PT quando era oposição defendia, incitava e proclamava até greve dentro da própria greve. Uma vez no poder mostra-se avesso, intolerante e intransigente quando este instrumento é colocado em prática pelos trabalhadores. Neste caso, porém, há o respaldo constitucional da proibição, mas isso não exclui ou minimiza a responsabilidade do governo petista sobre os nefastos acontecimentos. No caso específico da Bahia os trabalhadores são policiais militares e do Corpo de Bombeiros regidos por outro ordenamento jurídico cujos princípios basilares são a disciplina e a hierarquia. No Congresso Nacional tramita legislatura após legislatura projeto de emenda constitucional (PEC 300) que passeia de gaveta em gaveta estabelecendo um piso salarial de R$ 3.000,00 para as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros, mas nunca entra na pauta. A omissão do parlamento brasileiro contribuiu para a eclosão desta crise que, desgraçadamente, está penalizando a sociedade, notadamente aqueles menos favorecidos. Todos concordam que o salário pago a estes servidores estão muito aquém da realidade. Permanentemente expostos a riscos de acidentes fatais ou que podem comprometer sua saúde física e psicológica. Natural e justo o pleito. No entanto, reclamar um direito não pode significar a supressão dos direitos de outrem. Principalmente utilizando-se do recurso da força, da violência, do terrorismo. Esses militares têm como missão a defesa da lei e da ordem e jamais subvertê-las. Incendiar coletivos, interditar vias públicas, agredir fisicamente, assassinar, furtar, depredar, ocupar edifício público são atos de terrorismo urbano e, o mais grave, praticados por aqueles que devem proteger a sociedade de tais atos. A injustiça salarial não está restrita a esta ou aquela categoria, está presente no imenso contingente de trabalhadores, aposentados e pensionistas deste país. Na hipótese de todas as categorias decidisse adotar o mesmo procedimento até mesmo a expressão “casa da mãe Joana” seria de pouca serventia para definir o caos instalado. O processo falimentar no qual se encontra o Estado brasileiro seria grandemente acelerado com a anulação de qualquer possibilidade de reversibilidade. Aqueles que acompanham este blog conhecem muito bem meu posicionamento quanto à solução para estancarmos o roubo, a espoliação, a degradação e a dilapidação do Brasil: mobilizarmos-nos e ocuparmos todos os espaços para desalojar os bandos que estão no poder dentro dos limites legais, mesmo admitindo que não se possa fazer omelete sem quebrar os ovos. Sempre haverá vítimas de uma forma ou de outra. Mas o que vem ocorrendo na Bahia não se enquadra neste meu chamamento. Trata-se tão somente de uma reivindicação salarial que por mais justa que possa ser a partir do momento que a truculência é eleita para fundamentá-la esvazia-se completamente.
Ônibus incendiado
A luta armada durante o regime militar não conseguiu mobilizar nem a população rural nem a urbana. Certamente outros fatores corroboraram para seu desmantelamento. O país estava mergulhado no medo. Medo dos militares que praticavam o terrorismo de Estado e de seus opositores que lançaram mão de uma luta armada fadada ao fracasso com seus “justiçamentos” e ações criminosas. A incompetência, omissão, arrogância, inabilidade, prepotência e ausência de sensibilidade do governo alimentou a insatisfação. Foi como jogar gasolina para apagar o incêndio.
Certo é que quem pode o mais não há como não poder o menos. A concentração de renda no Brasil é brutal, perversa, imoral. O fosso entre ricos e pobres aprofunda-se cada vez mais. Senadores, deputados, vereadores aumentam seus salários, geralmente na calada da noite como os bandidos preferem atuar, com uma generosidade impar. Magistrados chegam a receber R4$ 400 mil. Desembargadores recebem polpudas antecipações por “passivos trabalhistas de décadas atrás”. Ministros de Estado mancomunados com ONGs fajutas, proprietários de consultorias que arrecadam milhões em tempo recorde e maneiras nada convencionais. Empreiteiras que há décadas vem engordando mamando vigorosamente nas tetas do governo (municipais, estaduais e federal). Enfim, mandos e desmandos de todas as ordens e em todos os setores (educação, saúde, habitação, segurança pública, transportes, etc.). Dívida interna que já passou em muito a casa dos dois trilhões de reais. A corrupção praticamente institucionalizada pelo governo petista, etc. etc. etc. etc. e mais etc. Tudo isso só faz fomentar a revolta, a desilusão e a aposta perigosa no “tudo ou nada” e, como dizia Marx, o povo não tem nada a perder, posto que já lhe tomaram tudo. A baderna na Bahia é o reflexo da desatenção e desprezo secular de nossos governantes. Uma convulsão desta poderia ter sido completamente evitada e as perdas materiais e humanas vão para a conta do governo petista e das corporações envolvidas.
Quanto a questão de anistiar os rebelados não posso deixar de concordar com “o presidenta-faz-de-conta” Dilma Rousseff da mesma forma que nunca concordei com os termos da Lei de Anistia de 1979 que a beneficiou e a muitos outros que praticaram crimes comuns (seqüestro, assalto, furto, homicídio, tortura, etc.). Durante a ditadura militar houve excesso de ambos os lados e os envolvidos deveriam ser levados às barras dos tribunais para responderem por seus crimes, inclusive a própria presidente da República e vários de seus assessores. Porém, o que ocorreu naquela época foi um acordo tácito entre os militares e as lideranças civis para que retornassem ao poder e a “cláusula pétrea” era “o esquecimento” com a justificativa de pacificar o país e impedir que houvesse retaliações de parte a parte. A ditadura foi saudada quando foi imposta em 1964 pela Igreja Católica, pela classe média, pelos latifundiários, banqueiros e empresários e inúmeros políticos oportunistas que a ela se submeteram docilmente. Mas ela não foi derrubada, foi acordada. A Lei da Anistia habilitou assassinos, ladrões, sequestradores, torturadores, arrombadores, subversivos, terroristas a ocuparem elevados postos de mando na maltrapilha República brasileira, e isso em ambos os lados. Não creio que “o presidenta-faz-de-conta” deva anistiar os revoltosos tendo em vista que também fora, não tem sentido. A Lei da Anistia beneficiou gatos, cachorros e papagaios e puniu centenas de pessoas inocentes. Na rebelião da Bahia não há inocentes. Conceder-lhes anistia significaria o mesmo que aprová-la e estimular outras rebeliões. A certeza da impunidade é o tentador convite à prática do ilícito e podemos constatar isso facilmente no Executivo, Legislativo, Judiciário, entre empresários, banqueiros, latifundiários, multinacionais, etc. E, chovendo no molhado, todas as mazelas brasileiras são de natureza estrutural e não há interesse algum da classe dominante em modificá-la, pelo menos no que diz respeito a beneficiar a sociedade. Quando muito distribuem migalhas de seus fartos banquetes.
CELSO BOTELHO
11.02.2012