O tratamento desigual da Justiça brasileira não é coisa recente, isso todos sabem. Porém, nas últimas décadas suas ações são visivelmente lesivas aos interesses do país e dos cidadãos, especialmente aqueles que não dispõem de recursos e, eis o mais aviltante, discriminados por uma série de motivos. Dizer que a sociedade brasileira não descrimina por motivos étnicos, culturais, religiosos, profissionais, etc. é a mesma coisa que defender que a Terra é plana. Portanto, essa conversa de convivência harmônica em nosso país foi elaborada para encobrir e justificar mazelas, desmandos, espoliações e os mais diversos interesses pela classe dominante. A injustiça não é uma invenção ou um privilégio do nosso país. Sempre existiu e sempre existirá seja qual for a formatação social, política, econômica, cultural, religiosa, étnica, etc. porque é intrínseca ao ser humano como, aliás, sentimentos e emoções boas e más. As leis não são a pureza do espírito humano e sim, simplesmente, cláusulas de um contrato social, acordado ou outorgado. Existem não para transformar o planeta num imenso Jardim do Éden, mas para regular a convivência entre povos e nações. Como qualquer invenção, descoberta ou criação do homem está sujeita à manipulação, distorção, imprecisão, má aplicação, etc. Não resta dúvida de que desde o estabelecimento do aparato legal a raça humana oportunizou seu desenvolvimento social, político e econômico sem, entretanto, abrir mão dos vícios inerentes à sua natureza. Em cada período da História e em todas as culturas as leis obedecem a uma gama infinita de pressupostos ímpares, porém, de uma maneira geral, são elaboradas, regidas e executadas dentro de um amplo consenso. O Brasil possui um arcabouço jurídico apreciável entre leis, decretos, normas, portarias, etc. Mas quantidade não significa que tenham qualidade, e isso sabemos muito bem. Além desta questão outra se coloca de vital importância: a magistratura brasileira. Mesmo supondo que tenhamos elaborado o melhor sistema legal do mundo, do Sistema Solar e do Universo seria completamente inútil diante do comportamento, atitudes e decisões de nossos magistrados. Concordamos que existem membros no Judiciário probos, capazes, interessados na aplicação da lei sem quaisquer favorecimentos, da mesma maneira que sabemos que na lama nasce e floresce a flor de lótus. Mesmo contando com uma parcela significativa desses membros nosso Judiciário nos envergonha, humilha e deprime, não excluindo os outros dois poderes da República que há muito estão apodrecidos. Mas, convenhamos, um Judiciário minimamente operacional, idôneo e saudável teria força suficiente para impedir os mandos e desmandos do Executivo e Legislativo. Reconhecemos que, mesmo capenga, corrupta, omissa e parcial a Justiça brasileira ainda consegue frear as mais diversas atrocidades. Mas isso não significa que devemos louvá-la ou tê-la em boa conta por que, afinal, caso um mínimo dos dispositivos legais não fossem postos em prática seria um total anarquia e já estaríamos arruinados em definitivo há muito tempo.
Entre centenas de milhares de escândalos que fazem parte da história do Judiciário brasileiro iremos aqui relembrar dois que são muito famosos. Não há como fazer exceções a qualquer instância, pois a patifaria impera como regra intocável, irrevogável e inalterável em todas elas.
CASO JORGINA DE FREITAS
Jorgina Maria de Freitas
Jorgina Maria de Freitas Fernandes, ex-advogada, procuradora previdenciária, organizou um esquema de desvio de verbas de aposentadorias do INSS com a participação de, pelo menos, 25 pessoas (juízes, advogados, procuradores do INSS, contadores e peritos) para desviar R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos (valor atualizado). Foi condenada a 14 anos em 1992 por comandar uma quadrilha (segundo contas do Tribunal de Justiça do Rio a quadrilheira ficou com US$ 112 milhões). Um dos casos mais famosos se refere à ação de Assis dos Santos. Ele trabalhava numa pedreira quando sofreu um ataque cardíaco e aposentou-se por invalidez. Aconselhado por amigos, procurou Jorgina, que entrou com a ação na 3ª Vara Cível de São João do Meriti, presidida pelo juiz Nestor José do Nascimento, em 1983, também membro da quadrilha. Assis acabou morrendo em 1986 no decorrer do processo, mas suas filhas mantiveram Jorgina na ação. Em fevereiro de 1991, a indenização foi paga: sete bilhões de cruzeiros, moeda da época que, convertida em dólar, atingia o montante de US$ 45 milhões. Alegando desconhecer o paradeiro dos parentes de Assis, Jorgina ficou com o dinheiro.
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Com todo este dinheiro (e mais “alguns”) não é difícil evadir-se do país. Jorgina foi auxiliada por um mafioso chileno que mais tarde prestaria “serviços” a Paulo Cesar Farias (PC Farias, o tesoureiro de Collor) por nome de Ramón Irribarra Moreno que providenciou um jatinho para levá-la ao Paraguai e de lá para a Argentina e daí para Miami, Portugal e Espanha fixando residência na Costa Rica contratando mercenários nicaragüenses como seguranças aliando-se a mafiosos latino-americanos montando empresas de fachada em paraísos fiscais para facilitar o trânsito de dinheiro ilícito. Na tentativa de obter a cidadania costarriquenha chegou a casar-se com Lionel Yglesias Amador, um bandido acusado de fazer parte do cartel de Cáli, da Colômbia. Sua vida, contudo, não tinha sossego. Quando sua presença naquele país foi confirmada, em 1995, o governo decretou-a “persona non grata”, e também os parentes dela, que foram impedidos de ingressar na Costa Rica. Sem o apoio da família e constantemente extorquida pelos nicaraguenses que eram encarregados da sua proteção, Jorgina negociou sua rendição. Em novembro de 1997 foi recolhida a um presídio feminino da periferia da capital San José. Ficou lá até fevereiro de 1998, quando foi transferida para o Brasil. A extradição de Jorgina foi deferida de forma condicionada. Ela só poderia ser processada pelo crime de peculato e, com isso, livrou-se da condenação de 11 anos, por fraude, e de outra de dois anos, por formação de quadrilha, além de duas ações por fraudes contra o INSS. Que beleza! Para ela é óbvio.
Jorgina em liberdade
Em 12 de Junho de 2010, foi solta depois de 14 anos presa. Neste escândalo consta também o juiz Nestor José do Nascimento, na época na 3ª Vara Cível de São João de Meriti, Rio de Janeiro que mandava pagar as indenizações milionárias fraudulentas em até 24 horas. Este magistrado desviou cerca de US$ 4 milhões que foram localizados e repatriados. Foi condenado a 15 anos de reclusão em regime fechado, em 1992. Em 1994 foi condenado a mais 4 anos, pelo crime de facilitação a terceiro na posse de cocaína. Mas outro integrante da quadrilha conseguiu surrupiar até mais que a própria chefa da quadrilha: o advogado Ilson Escossia da Veiga. Numa ação de um operador de empilhadeiras abocanhou US$ 128 milhões em uma indenização fraudulenta. Ganhou o título de “maior advogado fraudador do INSS” durante a CPI da Previdência.
ESCÂNDALO DO TRT DE SÃO PAULO
OU O CASO NICOLAU LALAU
Nicolau dos Santos Neto
Nicolau dos Santos Neto, ex-juiz trabalhista, ficou nacionalmente e, quiçá, internacionalmente conhecido após o desvio de verbas entre 1994 e 1998 que seriam utilizados na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. Tal “proeza” lhe valeu a alcunha de Lalau ou, caso prefiram na forma culta, desonesto, ladrão, etc. Sua atuação sempre fora pautada por ações não condizentes, porém, na presidência da Comissão de Obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/SP) é que sua onça foi beber água. Antes mesmo do início da construção já havia sido detectada várias irregularidades pelos auditores e fiscais que foram comunicadas ao Tribunal de Contas da União (TCU). Este apenas “sugere” a anulação da licitação, a rescisão do contrato e a devolução do dinheiro pago (R$ 35,7 milhões) e, sendo assim, a sugestão não é aceita e as obras continuaram. Em 1995, o Tesouro Nacional, A Viúva, já tinha liberado R$ 100 milhões, mas dessa quantia só a quarta parte tinha sido devidamente aplicada. No ano seguinte (1996) foram destinados R$ 52 milhões para a "construção" do prédio e as irregularidades prosseguiam. Mas Nicolau Lalau não foi um ladrão inteligente ou não duvidava da eficiência e presteza do Instituto da Impunidade cometendo o erro mais primário de quem rouba muito: ostentar a riqueza roubada. Adquiriu apartamento de alto luxo em Miami, distribuía gorjetas de US$ 500, desfilava em carros importados de alto luxo. As extravagâncias do “digníssimo” magistrado não passaram despercebidas. Em 1998 o Ministério Público detectou uma subtração diária de cerca de R$ 70 mil na construção do tal Fórum Trabalhista e interrompe as obras. Porém Nicolau não é afastado da administração do dinheiro público da Comissão de Obras por mais de um mês. Concomitantemente o Congresso Nacional suspende todo pagamento destinado àquela obra. Em 1999 quando então foi criada a CPI do Judiciário é que ficamos sabendo as cifras que envolviam a roubalheira. O TCU divulga o resultado da auditoria nas obras: foram repassados R$ 223,9 milhões dos quais R$ 169,5 milhões haviam sido surrupiados. Somente em julho de 2011, a União conseguiu recuperar R$ 55 milhões ou 6% desse total.
A 1ª Vara Federal Criminal do Júri e das Execuções Penais de São Paulo expediu mandado de prisão preventiva contra Nicolau. Antes de receber ordem de prisão, Nicolau passa duas semanas em Miami com a mulher, Maria da Glória, e quatro crianças. Hospedou-se num dos hotéis mais luxuosos (Windham Grand Bay), onde reservou três apartamentos, cada um dos quais custava 500 dólares por dia. Apesar de já ter seu rosto estampado nos jornais, revistas e televisores como criminoso, o juiz continua a passear em carros vistosos, embora mais modestos que os anteriores. Em vez de uma Ferrari, um Lamborghini ou Porsche, que usara anteriormente, agora contentou-se com um Zebra (esportivo) e um Lincoln (clássico). Mas aproveita a estada em Miami para fazer um cruzeiro até as Ilhas Bahamas, onde fica uma semana. Os funcionários do hotel em que se hospedou ficaram encantados e pesarosos com sua partida, posto que dele recebiam gorjetas de, no minímo, US$ 20 quando o usal era de apenas US$ 5. Em maio de 2006, foi condenado a 26 anos, seis meses e 20 dias, em regime fechado, pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva e multa de R$ 1,2 milhão. Em janeiro de 2007, o ex-juiz mais uma vez teve que se apresentar à Polícia Federal e, na iminência de ser preso numa penitenciária comum, conseguiu um habeas corpus voltando à prisão domiciliar em sua residência no bairro do Morumbi (SP) devido a idade avançada e saúde frágil. É preciso lembrar, entretanto, que os canalhas também envelhecem e ficam doentes e estas condições não apagam ou minimizam seus delitos e, portanto, não deveria ser motivo para abrandar suas penas. O sistema prisional deve propocionar aos detentos assistência médica dentro de suas instalações, mas o governo brasileiro não consegue nem que a população tenha cuidados médicos minimamente decentes quanto mais aos presos. Em 2008 tentou liberar, aproximadamente, R$ 7 milhões de uma conta bancária em Genebra cuja origem, segundo o ex-juíz, era uma herança não declarada. Ou muito me engano ou o “idoso e frágil” Lalau quis nos passar um diploma de asnos. Herança não declarada, ora essa.
Luiz Estevão na Terra do Nunca, Ilha da Fantasia, Paraíso das Máfias, Recanto dos Ladrões, Reduto da Desonestidade, Brasília, etc.
Neste imbróglio estava também o senador Luiz Estevão que teve seu mandato cassado por 52 votos a favor, 18 contra e 10 abstenções por quebra de decoro parlamentar em 28 de junho de 2000 tornando-se o primeiro parlamentar cassado no Senado Federal por conta da acusação de envolvimento no desvio de verbas públicas para a construção do TRT/SP. De acordo com a acusação, o ex-senador era sócio oculto da empreiteira contratada e teria pago propina a Nicolau para vencer a licitação em 1992. Foi em julho de 1992 que Luiz Estevão alcançou a notoriedade nacional juntando-se ao político e empresário Paulo Octávio (outro conhecido pulha) sustentaram que foram os avalistas de uma suposta operação de empréstimo no valor de US$ 5 milhões que ficou conhecida como “Operação Uruguai” que foi apresentada pelo então presidente Fernando Collor de Mello para justificar parte de sua fortuna pessoal (a do Collor é claro). Estevão pegou 31 anos de cadeia por quadrilha, peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos, corrupção ativa e multa de R$ 3,15 milhões. O caso está sob crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), teve parte de seus bens bloqueados por ordem da 12.ª Vara Federal, o embargo foi decretado há 11 anos, em abril de 2000, mas até hoje esse processo não foi julgado. Segundo o ex-senador seu patrimônio deve alcançar a bagatela de R$ 12 bilhões, apela da sentença em liberdade e vai administrando suas empresas normalmente lá em Brasília, A Terra do Nunca, A Ilha da Fantasia, O Paraíso das Máfias, O Recanto dos Ladrões, O Reduto da Desonestidade, etc. Depois de cassado resolveu dar uma de “cartola” adquirindo o clube semi-profissional Atlântida Futebol Clube transformando-o em Brasiliense Futebol Clube que, aliás, é uma excelente opção para ganhar toneladas de dinheiro ilicitamente. Lamentável que a Boca do Jacaré seja apenas o nome do estádio...
Com apenas dois casos revela-se a podridão na qual sempre esteve mergulhado o Poder Judiciário situação, por sinal, que não é um privilégio seu, posto que o Poder Executivo e Legislativo encontram-se tão podres quanto. Neste campeonato de sujeiras os três estão empatados. No momento desenrolam-se mais um execrável episódio envolvendo o Judiciário brasileiro apontando magistrados e funcionários como praticantes dos mais diversos crimes. E notem que deixei de lado outros casos não menos famosos como, por exemplo, a corriqueira prática de “venda de sentenças” semelhante a “venda de indulgências” praticada pela Igreja Católica para abarrotar seus cofres durante a Idade Média. Porém, sejamos justos, a “venda de indulgências” continua a ser praticada em muitas denominações, discretamente ou escancaradamente.
"Suas Execelências" Solange Salgado, Moacir Ferreira Ramos e Charles Renaud
Outro exemplo que posso citar aqui é do juiz Moacir Ferreira Ramos, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer), afastado de suas funções pela ministra Eliana Calmon em 11.11.2010 acusado de utilizar dados pessoais de outros magistrados em contratos de empréstimos, feitos para angariar recursos para entidade. Em 2009 este juiz absolveu Luiz Carlos Mendonça de Barros (Escândalo dos Grampos do BNDES) cuja parte de sua sentença reproduzi na matéria imediatamente anterior a esta (AS REFORMAS MINISTERIAIS NA SEXTA REPÚBLICA, 28.01.2012) definindo-a como uma pérola”. O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília denunciou criminalmente, por apropriação indébita, os juízes federais Moacir Ferreira Ramos (presidente da Ajufer entre 2008 e 2010) e Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos (presidente da Afujer entre 2002 e 2006), entidade que reúne magistrados do Distrito Federal e de 13 Estados. São acusados de terem vendido, em fevereiro de 2010, sem autorização de assembleia da Ajufer, a única sala comercial da entidade, no edifício Business Point, Setor de Autarquias Sul, em Brasília. O dinheiro da venda, R$ 115 mil (bem abaixo de seu valor real de, aproxidamente, R$ 350 mil), segundo o MPF, foi usado para abater dívidas de empréstimos que os dois magistrados tinham com a Fundação Habitacional do Exército (FHE/Poupex). Moacir Ferreira Ramos é autor de representação criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a ministra Eliana Calmon, que o afastou liminarmente da função em novembro de 2010. Porém, o “bondoso” ministro Marco Aurélio Mello cassou a decisão da corregedora, mas os desembargadores do TRF-1 restabeleceram o afastamento. A Juíza Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos continua exercendo suas funções. O MPF, em outra acusação, atribui crime de recepção ao juiz federal Charles Renaud Frazão de Moraes que, concidentemente, presidiu a Afujer. O desembargador Cândido Ribeiro anotou em seu voto: "A relação dos 21 cheques assinados pela referida magistrada (Solange) para o seu sobrinho, totalizando R$ 491.673,89, não aponta para pagamento de despesas cotidianas da Ajufer".
O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Criado através da Emenda Constitucional nº 45 (30.12.2004) e composto por 15 membros suas funções são a fiscalização administrativa, financeira e correcional do Poder Judiciário, expedir atos regulamentares, apreciar a legalidade de atos administrativos e rever processos disciplinares e cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Desde que foi criado o CNJ condenou 49 magistrados, sendo 24 punidos com aposentadoria compulsória; 15 afastados em decisões liminares; seis colocados à disposição (o que significa que não podem julgar); dois removidos de seus postos originais e dois censurados. Como podemos notar nenhuma destas “punições” causaram qualquer transtorno de maior monta na vida destes magistrados. Em novembro de 2011 o CNJ iniciou uma devassa no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar pagamentos que alguns magistrados teriam recebido indevidamente junto com seus salários e examinar a evolução patrimonial de alguns deles, que seria incompatível com sua renda. A ministra Eliana Calmon deflagrou uma verdadeira guerra dentro do Judiciário. De um lado a moralidade e do outro uma horda de beneficiários de delitos e muitos deles alçados a elevadas posições dentro daquele poder e imaginando-se acima da lei, do bem e do mal e até mesmo do Criador. Como até ações de unha encravada por topada e cisco no olho vão ter ao STF o CNJ entrou na alça de mira da maior Corte do país por ferir frontalmente os interesses escusos da magistratura que se vê como uma casta privilegiada por eles próprios. Decidirão os “imparciais” ministros se o órgão tem ou não poderes disciplinares sobre os membros da magistratura e servidores do Judiciário. Não é difícil supor o resultado desta questão. Optarão, sem dúvida, para a extinção do controle externo do Judiciário ou, na melhor das hipóteses, criação mecanismos para que o órgão finja que controla, eles finjam que são controlados e a sociedade fingirá que acredita. O STF, ao restringir os poderes do CNJ, deixará muita gente contente. 35 desembargadores acusados de cometer crimes serão beneficiados, desses 35, 20 já foram punidos pelo Conselho, o restante ainda não responde a processos na alçada do CNJ. Se forem considerados os juízes de 1ª instância, o número de beneficiados com a decisão sobe para 115. É ou não é motivo de júbilo para os malfeitores? Tal decisão do STF abrirá brecha para que os juízes e desembargadores peçam em juízo a queda do processo e das punições já decididas. Um dos principais casos é de um juiz de Mato Grosso que foi afastado pelo CNJ por suspeita de desvio de verba do Tribunal de Justiça local para socorrer uma instituição de maçonaria. O processo está suspenso por meio de liminar.
Eliana Calmon, ministra, conselheira, corregedora e pedra no sapato de magistrados e servidores
Eliana Calmon decretou uma devassa em 22 tribunais estaduais, em busca de possíveis acúmulos patrimoniais de juízes e desembargadores incompatíveis com seus ganhos salariais. Com isso, cerca de 220 mil desembargadores, juízes, servidores e seus familiares ficaram descontentes e até infelizes. Mas não por muito tempo, pois os ministros Lewandowski (isso é lá nome!) e Peluso (idem) restauram-lhes a alegria ao sustarem a devassa da ministra Eliana Calmon no apagar das luzes do Ano da Graça do Senhor de 2011. Segundo a ministra Eliana Calmon “não houve quebra de sigilo nem devassa”. 45% dos magistrados de São Paulo não apresentaram Declaração do Imposto de Renda e isso deixa qualquer cristão, muçulmano, budista, hinduísta e ateu com várias pulgas atrás da orelha. O número de sonegadores entre os magistrados levanta a pergunta: para que diabo existe a Receita Federal? Ou ela só se ocupa com a raia miúda? Qual será a lei que exime magistrados de a apresentarem? Isso, por si só, já se constitui num delito grave. Mas a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) considera inconstitucional a resolução que confere poder ao CNJ movendo uma ação no STF contra o órgão alegando que ele interfere na independência dos tribunais. Os malfeitores de um modo geral gostariam de impetrar ação semelhante no STF para impedir que a polícia interviésse na independência de seus “negócios”.
Ricardo Lewandowski puxando um ronco no STF
O ministro Ricardo Lewandowski está entre os magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo que receberam pagamentos que estavam sob investigação do CNJ. Esse chegou ao STF pelo quinto constitucional, apadrinhamentos e indicações, sequer já foi juiz (não esqueçamos que Floriano Peixoto, 1839-1895, chegou a nomear para o STF um médico e dois generais, pelo menos Lewandowski é jurista). Mas, afinal, é ministro do STF e suspendeu inspeção feita pelo CNJ na folha de pagamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. Cezar Peluso, presidente do STF, que já foi desembargador no TJ/SP, segundo consta recebeu R$ 700 mil “por conta de um passivo trabalhista da década de 1990” (será que tenho direito de receber tal “passivo” provocado pelos sucessivos planos econômicos?). Depois de quatro horas e meia de explicações em sessão secreta, o presidente do CNJ, Cesar Peluso, conseguiu enquadrar os conselheiros e obteve o apoio para a licitação milionária de banco de dados. Apesar das suspeitas de direcionamento do contrato, levantadas pela multinacional IBM, os conselheiros concordaram em divulgar uma nota em que dizem ser regular a licitação. A multinacional IBM acusa o CNJ de direcionar uma licitação de R$ 86 milhões para a implantação de uma Central Nacional de Informações Processuais, um banco de dados que reunirá dados de todos os tribunais do país. Em ofício encaminhado ao Conselho, a empresa alega ter existido “grave direcionamento”. A ministra, conselheira, corregedora e pedra no sapato dos magistrados e servidores Eliana Calmon não estava presente na ocasião.
Marco Aurélio Mello expressando o pensamento da magistratura tupiniqueira
O ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar limitando os poderes do CNJ para investigar e punir juízes acusados de irregularidades. De acordo com a decisão de Marco Aurélio, o CNJ não pode atuar antes das corregedorias dos tribunais locais. Para o ministro, o CNJ tem uma competência subsidiária, o que permite ao órgão complementar o trabalho das corregedorias locais e não assumir em primeira mão as investigações. Na prática, suspendeu todas as apurações abertas por iniciativa do CNJ. Na verdade o ministro está escamoteando. A questão não é de competência e sim de conveniência. Vamos dar uma pincelada sobre o perfil de tão “encantadora” criatura que é Marco Aurélio Mello nomeado para o STF em 1990 pelo presidente Collor que, por mero acaso, é seu primo. O habeas corpus que permitiu a fuga do banqueiro Salvatore Cacciolla (Banco Marka) que lesou os cofres públicos em mais de R$ 1,5 bilhão foi concedido por este ministro em julho de 2000. Outra decisão do “nobre” ministro foi votar a favor da concessão de habeas corpus para Suzane Louise Von Richthofen, julgada e condenada pela morte dos próprios pais, por sinal foi o único ministro que votou favoravelmente. Em 2007 foi responsável por conceder dois habeas corpus a Antônio Petrus Kalil, o Turcão, acusado de explorar caça-níqueis. No julgamento realizado em 28 e 29 de Abril de 2010 votou contra a ação da Ordem dos Advogados do Brasil que visava impedir que a lei da Anistia mantivesse os agentes públicos do regime militar abraçados por aquela lei. Anteriormente já havia dito que "(O golpe de 64) foi um mal necessário, tendo em conta o que se avizinhava". Descobrimos, portanto, mais uma viúva do nefasto regime militar. ”Mal necessário”...Certamente deve ter a mesma visão sobre o nazismo, fascismo, stalinismo, maoísmo, castrismo e por ai vai. Também votou contra a constitucionalidade da aplicação da Lei Ficha Limpa para as eleições de 2010. Em 16 de dezembro de 2010, Marco Aurélio Mello decidiu que Paulo Maluf (PP-SP) deveria ser empossado no cargo de deputado federal, um sujeito que está na lista dos procurados na Interpol (só não é procurado no Brasil) e com o histórico de rapinagem que possui não poderia pleitear nem para aparar a grama em frente ao Congresso Nacional, mesmo que fosse comendo-as. Pode-se respeitar uma tralha dessa?
A expressão é deprimente, porém verdadeira
As “desavenças” entre o CNJ e o STF não são recentes e é mais virulenta que uma briga de foice (sem martelo) em quarto escuro entre dois cegos embriagados. Em fevereiro do ano passado, o CNJ decidiu pela aposentadoria compulsória dos desembargadores Mariano Travassos, José Ferreira Leite e José Tadeu Cury e dos juízes Marcelo Barros, Irênio Lima Fernandes, Marcos Aurélio dos Reis, Antonio Horácio Neto, Juanita Clait Duarte, Graciema Ribeira Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões acusados de integrar um “suposto” esquema de desvio de dinheiro do Judiciário, para salvar uma cooperativa de crédito ligada à Maçonaria. O CNJ tomou conhecimento do fato em virtude do desembargador Orlando Perri alegar não ter condições de investigar seus pares. Foi instaurado um Procedimento Administrativo Disciplinar, cujo relator foi o conselheiro Ives Gandra Filho que considerou o parecer do procurador-geral da República Roberto Gurgel sugerindo a aposentadoria compulsória como punição (leia-se premiação) e seu voto foi acatado por unanimidade. Em março do mesmo ano, o desembargador José Jurandir Lima foi punido com a aposentadoria. Ele foi acusado de nepotismo, após empregar os filhos em seu gabinete, na época em que presidia o Tribunal de Justiça, sem que eles comparecessem ao trabalho. A decisão do Supremo Tribunal Federal de conceder liminares a três desembargadores e sete juízes de Mato Grosso, depois de eles terem sido punidos sob a acusação de desvio de dinheiro de uma cooperativa de crédito ligada à Maçonaria aqueceu suas “desavenças” com o CNJ. Na prática o STF suspendeu quase metade das punições aplicadas pelo CNJ para o gáudio dos larápios.
Até Crucifixo em madeira de lei com 2,75 cm some do Pálacio do Planalto após a saída de seu último ocupante quanto mais computadores, notebooks, estabilizadores, e impressoras
Para “melhorar” a imagem que já possuímos do Judiciário brasileiro desta feita o CNJ nos dá conta que os tribunais regionais não dão conta dos equipamentos que lhes são destinados (o trocadilho pode ser ruim, mas o que vale é a intenção). Uma investigação do CNJ descobriu que em torno de R$ 6,4 milhões em bens doados pelo órgão a tribunais estaduais desapareceram. Relatório revela que as Cortes regionais não sabem explicar onde foram parar 5.426 equipamentos, entre computadores, notebooks, impressoras e estabilizadores, entregues pelo CNJ para aumentar a eficiência do Judiciário e, sendo este o motivo da doação, faz sentido o sumiço das engenhocas eletrônicas. Diante da situação, o CNJ decidiu suspender o repasse de bens a quatro Estados: Paraíba, Tocantins, Rio Grande do Norte e Goiás. Os três primeiros estão com um índice acima de 10% de bens "não localizados", limite estabelecido para interromper o repasse. O Tribunal da Paraíba é o campeão de equipamentos desaparecidos. O valor chega a R$ 3,4 milhões, pouco mais da metade do que o CNJ não localizou no país. De acordo com o CNJ 62% do que foi doado à corte paraibana tomou um destino incerto. A corregedora Eliana Calmon adotou, neste episódio, uma postura mais condescendente ao dizer “não foi propriamente sumiço de 5 mil computadores. O que há é uma desídia (negligência), porque deveriam ter sido imediatamente tombados, imediatamente identificados como patrimônio do tribunal como doação do CNJ, e me parece que aí está o ponto. Houve uma desídia e começaram a ser usados, retirados do almoxarifado e usados sem a identificação, sem o devido tombamento.” E eu acredito piamente em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Velho do Saco. De qualquer maneira caldo de galinha e cautela não fazem mal algum. Eu colocaria a questão em outros termos: apropriação indébita, furto, roubo, descaso, conivência com a prática do ilícito e por ai a fora. Não vejo motivo algum para diplomacia em se tratando de rapinagem, exceto que seja uma questão da sobrevivência.
Os presidentes e representantes de todos os Tribunais de Justiça do país divulgaram carta de apoio às decisões liminares do Supremo Tribunal Federal que limitaram o poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça. E alguém esperava outra coisa estando a maioria de Suas Excelências “penduradas”? Caso alguém esperava outra atitude posso dizer que é como pedíssemos ao condenado à morte por injeção letal que ele mesmo a aplicasse. Segundo o presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, disse que o STF vem sofrendo com a “hostilidade”, mas que cara de pau! Hostilidade sofre a população com este Judiciário lambão. Vamos aguardar o desenrolar dos fatos, porém, como já afirmei, o CNJ será de alguma maneira “esvaziado” pelo STF escancarada ou veladamente serão adotados mecanismos para não perturbar a desordem centenária que reina na Justiça brasileira em benefício de seus próprios membros, aqueles aos quais estão associados direta ou indiretamente e aos poderosos em detrimento de um contingente substancial da sociedade que, cada vez mais, despreza, não confia e tem absoluta certeza de que a Justiça brasileira não serve para coisa alguma, pelo menos para a população, especialmente a mais desafortunada.
CELSO BOTELHO
01.02.2012