terça-feira, 4 de agosto de 2009

BRIGA DE GANGUES


Não vejo muita diferença entre a refrega no Senado Federal e uma disputa de quadrilha de malfeitores pelo domínio de um território. Tivemos uma demonstração ontem disso. Uma “casa da mãe Joana” não é tão bagunçada quanto aquela Instituição. Ainda assim refuto a idéia de simplesmente fechá-lo como muitos defendem. Precisamos detetizá-lo o mais rapidamente possível eliminando os insetos e roedores que o infestam. Talvez as pessoas que defendem seu fechamento ou são muito jovens ou, eis o mais lamentável, não possuem uma noção nem próxima da importância desta instituição num regime democrático. Pessoas da minha geração assistiram, em 1977, o general-presidente-de-plantão Ernesto Geisel (1975-1979) cerrar-lhe as portas editando o que ficou conhecido como o “Pacote de Abril”, um retrocesso monumental. Para reconstruir-se o Senado da República serão necessárias inúmeras alterações em todo o sistema político, eleitoral, partidário, legal, regimental e, sabemos, não será com os atuais ocupantes que sequer iremos alterar o horário de servirem o cafezinho. Mas então como haveremos de promover tais transformações? Pelo voto? Definitivamente o sistema eleitoral brasileiro é obsoleto, viciado, perverso e não representa coisa alguma, exceto os interesses dos eleitos. A sociedade brasileira deverá unir-se num projeto abrangente promovendo um debate amplo e impondo (vejam bem: impondo e não sugerindo) que tais mudanças sejam postas em execução exercendo seu imenso poder de persuasão, preserverança e, sobretudo, intimidação aos indecisos, coniventes e complacentes com as atuais praticas. Sim. Atingimos um estágio no qual há que se intimidar esta turba que ai está mostrando-lhes que não estão acima do bem e do mal, do tudo podem e tudo terão, que a nação está farta e na tolera mais esta raça ruim.


No embate de ontem no Senado Federal ficou explícito tratar-se de disputa territorial entre gangs. Uma disputa que envolve um orçamento de R$ 2,7 bilhões; a manutenção dos privilégios imorais, acordos espúrios, alianças casuístas, sobrevivência política, ocultação de crimes de todas as naturezas, sustentação à administração petista, apoio partidário para as eleições de 2010, evoluções patrimoniais estratosféricas, manipulação da Justiça em favor de interesses próprios ou de associados, loteamento de estatais, autarquias, cargos e funções e é vasta a relação. O fato é que ninguém está interessado em reestruturar, reformar, transformar ou recompor uma instituição que vem se degradando ao longo dos anos numa velocidade espantosa. O Senado Federal não mais arranha o regime democrático, ele o mutila a cada dia incapacitando-o, pervertendo-o e prostituindo-o. Cabe a sociedade por um ponto final nesta mutilação chamando a si a responsabilidade de reverter essa orgia macabra. Nossa alienação, apatia, desinteresse ao longo dos anos fertilizou o solo de onde brotaram estas ervas daninhas. Quando ouvimos um compatriota dizendo “eu não gosto de política” devemos imediatamente informá-lo que está abrindo mão de sua cidadania, do surgimento de oportunidades melhores, de possibilidades futuras que garantirão às próximas gerações herdarem uma nação com menos concentração de renda e sua distribuição mais eqüitativa, de desfrutarmos maior qualidade de vida, etc. Não devemos nos iludir quanto às demonstrações de boas intenções verbalizadas por este ou aquele membro daquela Casa, pois, afinal, de boas intenções o inferno está cheio sem, contudo, encontrar-se com a lotação esgotada. Caso, de fato, ali estivessem para exercer o mandato com a dignidade, lisura e honradez necessárias as coisas não teriam chegado a este nó cego, notadamente aqueles veteranos (sem excluir os calouros, suplentes e suplentes dos suplentes e demais penduricalhos).


Entre tantas coisas – morais, éticas e legais - que faltam ao caráter dos politiqueiros brasileiros a coerência não é nem de longe uma pratica esporádica. Tudo funciona de acordo com os interesses do momento, sejam os deles sejam daqueles que os subvencionam ou de outros comparsas. Já vi muitos “adversários” de ontem irem para a cama no dia seguinte numa paixão arrebatadora. Não me surpreende deparar-me com Lula, Collor e Sarney no mesmo lado, o lado deles. O candidato Lula, na campanha de 1989, classificou o presidente José Sarney de ladrão. O candidato Collor, na mesma campanha, foi mais especifico ao dizer que era batedor de carteira. E os dois candidatos desfiaram um rosário de acusações, ilações, insultos, conjecturas, previsões um contra o outro, a baixaria atingiu seu clímax quando o candidato Collor apresentou no horário gratuito a senhora Miriam Cordeiro, ex-mulher do candidato Lula, acusando-o de haver tentado induzi-la a praticar o aborto da filha de ambos, oferecido dinheiro para isso e fomentando o preconceito contra a raça negra. Esta estratégia contribuiu grandemente para consolidar a vitória de Collor, um golpe sujo, ignóbil. Sem terreno partidário, ideológico, pragmático restava, sem dúvida, a agressão, ofensa, a calúnia, a difamação, a ilação. Este trio, vinte anos depois, trocam beijos, carícias e presentes (e que presentes!). No entanto, é muito corriqueiro durante as campanhas eleitorais atacarem-se a vida pessoal um do outro e o outro de um e tudo fica exatamente igual a fuxicos de comadres. Raramente vemos um candidato defendendo um programa ou um projeto consistente, viável e de interesse da sociedade sem escamotear os verdadeiros objetivos e, quando aparecem, ou não são eleitos ou são “convencidos” a reformulá-los. Coerência é exigível até quando se defende o indefensável. Não pode se constituir em surpresa ver Lula, Sarney, Collor, Renan Calheiros et catverna no mesmo palanque o que é incompreensível e inaceitável é a sociedade brasileira tolerar esse (e outros) comportamento numa pacificidade que só alimenta sua destruição enquanto povo e nação.


CELSO BOTELHO

04.08.2009