Todo mundo sabe, ou melhor, pelo menos a maioria da população brasileira que é fundamental efetivar diversas reformas nas mais diferentes áreas. No entanto, a palavra vulgarizou-se de tal modo por seu uso excessivo como bandeira política para induzir os eleitores em campanhas políticas a fim de alcançarem o poder e também pelo sistemático remendo que sempre fazem à legislação, com indisfarçável oportunismo, que dão à alcunha de “reforma” quando, na verdade, não reformam coisa alguma ou, na melhor das hipóteses, cede alguma coisa em troca de muita coisa (e põe muita nisso). Durante a campanha à presidência da República a “presidento” tia Dilmão afirmou, reafirmou, mas não jurou e se o fizesse certamente quebraria a jura, que, entre outras promessas, empenhar-se-ia para a realização da tão cantada e decantada reforma política-partidária-eleitoral. Admito que ainda seja cedo para avaliar se sua afirmação é para ser levada a sério ou se não passa de pura bravata, de qualquer modo, porém, tudo indica que sendo uma coisa ou outra certamente não se concretizará. Não há, nunca houve e arrisco dizer que jamais haverá um parlamentar sequer no Congresso Nacional com um mínimo de disposição para propor qualquer matéria que venha a se chocar com os seus interesses que, diga-se de passagem, não se revelam semelhantes aos da população. E, afinal, as regras em vigor são bem conhecidas, manipuladas e distorcidas para favorecê-los, então para que mudar? A legislação política-eleitoral-partidária que definem e conformam nosso sistema de representação proporcionam simplesmente a não-representação. No Brasil, e já disse isto antes, as reformas (política, eleitoral, tributária, previdenciária, administrativa, agrária etc. e etc.) não passam de bandeiras eleitorais para amealhar votos, cortina de fumaça para embaçar-nos a visão. Reforma-se para não se reformar ou reformam a reforma que já havia sido reformada. Não existe disposição suficiente seja qual for a cor, o cheiro, a forma e o conteúdo do governo e, nas raras vezes que inadvertidamente tentou estabelecer alguma mudança na legislação que trata do assunto e que possibilitaria correções imprescindíveis e históricas imediatamente sucumbiu ao tsunami corporativo.
As reformas levadas a cabo são semelhantes aquele cobertor curto: os pés ou a cabeça inevitavelmente ficarão expostos, quer seja, as extremidades do corpo serão aquecidas precariamente quando se puxa o cobertor mais para cima ou mais para baixo por curtos espaços de tempo, suficientes para não os congelar. Nem reformando a reforma seria possível alcançarmos algum índice de satisfação de nossas mais elementares necessidades pelo corriqueiro detalhe de que quem as promoveria seriam os menos interessados em qualquer mudança. Portanto, há que se concluir que tia Dilmão trilhará o mesmo caminho de seus antecessores, isto é, não se empenhará de fato em qualquer coisa que se pareça com uma reforma política-partidária-eleitoral que elimine ou minimize os efeitos nocivos deste sistema de representação perverso, feudal e profundamente ignóbil. E, supondo que tenha um arroubo de promovê-la, alimentá-la e sustentá-la atentando contra os interesses estabelecidos, será imediatamente obstruída, sustada, morta e enterrada pelas forças político-econômicas que controlam e exploram este país desde sempre. Mas, sejamos realistas, este tipo de reforma não aconteceu e dificilmente acontecera com Dilma Rousseff, mesmo que sonhe com isso nas noites solitárias daquela caixa de vidro que é o Palácio da Alvorada.
Toda e qualquer reforma séria, verdadeira e legítima no nosso país somente poderá nascer e fluir a partir da mobilização da população descomprometida, excluída, desasistida, achacada, espezinhada e torturada pelos mais perversos instrumentos de coerção que dispõe o Estado (vide “A Repressão na Democracia”, 25.11.2008). Uma população consciente de sua força e importância com um nível de compreensão da situação na qual se encontra saberá as ações que deve empreender no sentido de dotar o Estado de instrumentos e mecanismos para promover seu desenvolvimento. E a premissa é não reformar o modelo político-eleitoral-partidário e sim abandoná-lo elaborando-se um modelo representativo que reflita as aspirações da sociedade e possua mecanismos de controle por parte da população sobre seus representantes, sem isto não haverá transformações nos sistemas tributário, previdenciário, educacional, etc. A representação tem como fim legitimar a democracia, porém no caso brasileiro aquela obstacuraliza esta. Por que o Estado brasileiro historicamente ou é presidido por demagogos ou aquartelado entremeado por outros trastes. Todos, no entanto, empenhados em conter, apaziguar e ludibriar a população para mantê-la distante do debate político, de seus mais elementares direitos e de tudo quanto possa ameaçar-lhes a hegemonia.
O discurso sobre reforma político-partidário-eleitoral expande-se nos meios de comunicação, notadamente naqueles de maior visibilidade sem, contudo, informar o que realmente se pretende com uma reforma deste calibre afastando assim a sociedade do debate, da participação e do engajamento em tão importante assunto. Poderemos encontrar na mídia alternativa e independente uma abordagem mais profunda e uma análise mais real sobre a matéria, mas infelizmente uma parcela mínima da população tem acesso e entre estes muitos abdicam de sua cidadania gratuitamente em favor de notórios velhacos e salafrários pelos mais variados motivos que podem ir desde a sala de bate papo na Internet passando pela novela das oito ou uma partida de futebol até uma esticada na pizzaria. Não que estas atividades sejam desagradáveis. Não. Porém, não podem ser trocadas pela cidadania. A omissão da grande imprensa é prova irrefutável de que havendo o que dizem ser reforma política ela acontecerá dentro dos limites estabelecidos pelos segmentos que detém o capital político e econômico, quer seja, esta ordem jamais será subvertida, a menos que a população tome a dianteira e estanque esta sangria secular. Desde 1991 existem mais de 280 projetos no Congresso Nacional que foram apresentados com o objetivo de mudar o sistema eleitoral, porém, como é de se esperar, nenhum deles prosperou. A maioria dos brasileiros desconhece plenamente o que vem a ser lista fechada, aberta, livre, flexível; voto distrital misto; financiamento público de campanha; federações partidárias; fidelidade partidária; clausula de barreiras; etc. Aliás, mesmo os mais esclarecidos admitem possuírem inúmeras dúvidas quanto a estes temas porque, convenhamos, nunca conseguimos sequer compreender o mecanismo que se encontra em vigor. O ex-presidente Lula, O Ignorante Desbocado, teve a oportunidade de promover uma reforma apreciável do sistema político-partidário-eleitoral, visto ser impossível se partir do zero a fim de elaborar um sistema coerente e durável, porém – e sempre – se rendeu às pressões e interesses (seus e de outros) e, como é hábito seu, saiu do governo alardeando que trabalharia intensamente pela realização de uma reforma que ficou adormecida durante os oito anos de seu mandato. Ora, quem quando pode não fez agora, fora do poder, certamente não fará, pura bravata de pelego.
É importante observar a tara que os politiqueiros brasileiros tem com relação à importação de modelos estrangeiros, seja de que área for, darem-lhes tons verde e amarelo desmaiados e os por em prática. Podemos citar inúmeros exemplos disso que não deram certo em terras tupiniquins porque simplesmente são terras tupiniquins e as realidades por aqui são completamente adversas daquelas onde se originaram. Você pode utilizar uma boa idéia surgida em qualquer cultura, porém, jamais pense em transferi-la integralmente ou quase integralmente para outra sem considerar as diferenças. Assistimos muitos leigos e intelectuais defendendo este ou aquele modelo (alemão, suíço, etc) como o mais apropriado e, definitivamente, o sistema do qual precisamos pode reunir idéias provenientes destes países, porém, elas terão que ser amplamente questionadas e debatidas quanto sua eficácia em nosso país diante de nossas características territoriais populacionais, educacionais, econômicas, sociais e por ai a fora. A solução para a democracia representativa brasileira não pode e não devem incorporar valores estranhos as nossas particularidades.
Primeiro precisamos detectar nossas necessidades e, em seguida, canalizar nossos esforços intelectuais e materiais para definir aquilo que mais se ajusta e satisfaça a sociedade. Repito: e não será com as quadrilhas que invadiram os três poderes desta maltrapilha República que isto será possível. Caso não nos antecipemos a derrocada será brutal e inevitável. Precisamos ter em mente que a reforma política-partidária-eleitoral é a mãe e o pai de todas as outras e só será possível mediante nossa intervenção direta. Fora isso é sonho de uma noite de verão.
CELSO BOTELHO
09.02.2011