Ainda por conta do evento que comemora os duzentos anos do ministério da Fazenda a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo, uma das integrantes do Quarteto Fantástico (Delfim Neto, Bresser Pereira e Guido Mantega são os outros três) saiu em defesa do Plano Brasil Novo que recebeu a alcunha de Plano Collor que leva sua indelével marca. A ex-ministra referiu-se a aventura econômica levada a termo em sua gestão como seu “filho mais polêmico” quando, na verdade, deveria dizer seu “filho mais desajustado”, isto para que eu possa ser minimamente elegante, pois, afinal, trata-se de uma senhora. A própria ex-ministra confundiu-se ao referir-se a apreensão de ativos como confisco (apreensão: ato ou efeito de apreender; confisco: apreender em proveito do fisco, arrestar, absorver). Deste modo fica fácil concluir que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Sabemos perfeitamente que todos os ativos foram restituídos, coisa inédita em nosso país, mesmo que só valessem na época da devolução importância suficiente apenas para se adquirir uma mula manca, preta e sem dentes. Devo concordar que algumas medidas tomadas naquele momento foram de muita relevância para que outros ajustes futuros fossem possíveis, mesmo quando executadas de forma equivocada. Naquele momento urgia uma posição enérgica do governo para debelar a inflação. Havia necessidade de enxugar-se o volume de dinheiro circulando de alguma forma. Não posso asseverar se a apreensão era a atitude mais adequada, porém, foi o que se achou para fazer. Foi arbitrária, cruel e, quero crer, atabalhoada. Entretanto, passados quase vinte anos, estou convicto de que faltaram experiência e habilidade política para a construção e execução do plano. De qualquer maneira não tenho como tentar suavizar os grandes e graves impactos decorrentes do malfadado plano. Naquela ocasião havia uma tendência em todo o mundo para a abertura econômica, era o neoliberalismo, a globalização. O tamanho que o Estado deveria ter era motivo de constantes indagações e propostas. A privatização é uma conseqüência natural destas discussões. O modelo do Estado-empresário, largamente adotado no Brasil, estava esgotado, com seus dias contados. O que me deixou deveras embasbacado foi a relação que a ex-ministra quis estabelecer entre a crise pela qual o país passava em 1985 e aquela que se deu no ínicio da República em 1890. Pecou duas vezes: a República iniciou-se em 1891 (reprovada em História, ex-ministra) e, o mais importante, a História não é linear e, assim, estabelecer parâmetros só indica que utilizou o ano de 1985 para balizar, método, aliás, desprovido de sentido lógico. Outra observação feita foi de que o Plano Cruzado, governo Sarney em 1986, criou as condições para o sucesso do Plano Real. Sim. Todas as tentativas feitas a partir daquele ano contribuíram para que fossem corrigidas distorções, equívocos e outros obas-obas proporcionassem a adoção de um plano de estabilização com maior segurança quanto a obtenção de resultados eficazes. O Plano Real não é o que se pode chamar de a oitava maravilha do mundo, porém, foi concebido com mais maturidade, inclusive por economistas remanescentes do Plano Cruzado, maior responsabilidade e, acima de tudo, transparência. Sob qualquer ótica a passagem de Zélia Cardoso de Melo pelo ministério da Fazenda não merece ser ovacionada. No entanto, precisamos admitir que permitiu a abertura de um leque muito mais abrangente obtendo até resultados consistentes levado em conta a bagunça estabelecida pelo Plano Cruzado e sucedâneos. Cá entre nós, a partir de 1985 formularmos planos econômicos mirabolantes passou a ser algo maior que uma prioridade nacional para uma obsessão. O próprio presidente Lula, O Ignorante, nos idos de 2005 cogitava em adotar alguma coisa parecida. Mas isso é outra história.
CELSO BOTELHO
10.09.2008