Quantas e quantas voltas o mundo não dá, não é mesmo “seu menino”? Vejam só o “causo” do senador José Sarney (PMDB-AP): de herói a vilão nacional em menos de um quarto de século. Lembro-me bem do dia 28 de fevereiro de 1986 quando este país foi surpreendido pelo Plano Cruzado que prometia eliminar todas as mazelas conhecidas e desconhecidas e que nossas agruras haviam, definitivamente, acabado. Tais boas novas estavam contidas no Decreto-Lei (herança do regime militar e precursor da Medida Provisória) nº. 2.283 que desmantelava toda estrutura perversa que perdurava há séculos. As linhas mestras do fantástico plano resumiam-se, basicamente, em sete pontos (sete é um número cabalístico, conta de mentiroso mesmo): 1) congelar preços de bens e serviços aos níveis do dia anterior a publicação do plano; 2) alteração na unidade do sistema monetário, um cruzado correspondia a mil unidades de cruzeiro; 3) substituiu-se a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) que era um título da dívida pública parido no fatídico ano de 1964 pela OTN (Obrigação do Tesouro Nacional) fixada em Cz$ 106,40 e congelada pelo período de um ano; 4) congelou-se os salários pela média do seis meses anteriores ao plano estabelecendo o valor de Cz$ 804,00 para o salário-mínimo; 5) instituiu-se uma tabela de conversão (tablita) para calcular-se dívidas contraídas antes do plano; 6) criou-se um tal de “seguro-desemprego” para os trabalhadores que fossem demitidos sem justa causa ou que a empresa encerrasse suas atividades e, finalmente, 7) foi criado o “gatilho salarial” que dispararia toda vez que a inflação atingisse 20%, prova cabal que seus idealizadores desconfiavam do sucesso da empreitada.
Àquela época amargávamos uma inflação da singela ordem de 235% ao ano (IGP-DI). Este fato me remete para uma das muitas pérolas do presidente Lula, O Ignorante, quando classificou a crise econômica mundial como uma “marolinha”. Certamente partira do princípio de que se sobrevivemos a hiperinflação com toda certeza, fosse qual fosse os rumos da bagunça internacional, possuímos “know how” suficiente para não perecer. Cabe esclarecer aos leitores que não sendo economista não reúno conhecimentos sólidos para esmiuçar, analisar e comentar o Plano Cruzado (ou qualquer outro). Contudo, como cidadão, posso dar meus pitacos. Para começar seria espetacular realizar transformações, sejam quais forem, através de Decretos-Lei, Medidas Provisórias, varinhas de condão, preces ou feitiços. Infelizmente a dinâmica do mundo não contempla estes artifícios como soluções pelo simples fato de serem ineficazes ou fantasiosos. Portanto, em meio aquele alvoroço todo, permaneci cético com relação ao sucesso que tamanha ruptura poderia oferecer. Não deu outra. Tudo fora represado com um dique repleto de orifícios que romperia após as eleições de 1986 onde o PMDB e o PFL (atual DEM) lavaram a égua, o cavalo, o pônei, a mula e o jumento elegendo 22 governadores e uma legião de deputados país a fora cunhando ao plano um significado que define exemplarmente o que foi aquele Plano de Estabilização :um “Estelionato Eleitoral”, um engôdo. Entre a edição do plano e as eleições a popularidade do presidente José Sarney alçara níveis nunca antes registrados. Os “Fiscais do Sarney” fechavam supermercados, davam voz de prisão aos gerentes e o escambau. Com o retorno da inflação, o desabastecimento, o ágio e o diabo a quatro estes mesmos “fiscais” passaram a incendiar coletivos, saquear supermercados e outras estripulias. Veio o Cruzado II (21 de novembro de 1986) ai a coisa andava da seguinte forma: combustíveis subiam na faixa de 60%, automóveis 80% e por ai a fora,então foi declarada a moratória em janeiro de 1987 e o economista Luiz Carlos Bresser Pereira assume o ministério da Fazenda e em abril de 1987 apresenta um novo remendo, o Plano Bresser. Neste congelou-se os preços, os aluguéis e os salários por 60 dias e para reduzir o déficit público elevou-se tributos (a criatividade até os dias de hoje para ai em se tratando de política tributária), obras foram suspensas (o trem bala entre Rio e São Paulo, a Ferrovia Norte-Sul, o pólo petroquímico do Rio de Janeiro), eliminou-se o subsídios ao trigo e o “gatilho salarial”, a moratória foi suspensa e em dezembro atingimos o patamar de 366% de inflação. Ao cabo de 1988 contabilizamos uma inflação de 933%. Em 15 de janeiro de 1989 Maílson da Nóbrega, sucedendo Bresser, nos brinda com o Plano Verão que, de chofre, cortou três zeros do moribundo cruzado rebatizando-o de Cruzado Novo (a proporção foi idêntica a do primeiro plano: 1=1000), congelou-se os preços, a correção monetária foi extinta, foi proposta a privatização de empresas estatais e cortar gastos públicos (ficou, como é praxe, apenas no papel) e os funcionários com menos de cinco anos seriam simplesmente exonerados. De fevereiro de
Hoje vive (ou sobrevive) seu inferno astral. Não tem uma velhacaria na qual seu nome, do seu clã, de apadrinhados, correligionários, aliados, comparsas não dêem o ar de suas graças. A sociedade passou, com muito atraso, de fiscal do Sarney para fiscalizadora do Sarney (não devemos esquecer que o homem tem mais de meio século de politicagem). O senador anda reclamando que é vitima de uma campanha de perseguição por parte da imprensa. Nada mais pueril. Será que a imprensa se reúne e decide mais ou menos assim: “bem, desta vez vamos eleger o Zé Sarney, o Jader Barbalho (PMDB-PA), o Renan Calheiros (PMDB-AL) ou o Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA, 1927-2007) como o canalha da vez” e, a partir daí, fabricam todas as acusações que lhes são imputadas? Mais do que fiscalizar o Sarney (a lambança já foi feita) é necessário que a sociedade fiscalize a Comissão de Ética que investigará as peraltices de Sua Excelência e exiga que tenham um procedimento correto utilizando dos instrumentos que dispõe para tal. Um deles é a manifestação nas ruas e isto não implica em desordem de maneira alguma. Promovemos a passeata dos “Cem Mil” em 1968 durante a ditadura, nos reunimos no comício das “Diretas Já” com mais de um milhão de pessoas no Rio de Janeiro e por todo o pais assistimos as manifestações dos “Caras Pintadas” defendendo o impeachment do presidente Collor, com estes últimos devo me solidarizar e confortá-los, após o episódio em Alagoas, dizendo que tanto o presidente da República quanto o senador Collor são farinha do mesmo saco, sem depreciar a farinha, é claro. É possível reverter esta balbúrdia que se instalou no Estado brasileiro e já vem desde seus primórdios, basta que nos unamos e passemos a caminhar numa única direção. A direção da reposição dos valores morais e éticos perdidos (se é que um dia foram achados) no exercício da política e das administrações públicas, caso contrário, definharemos até a morte. Uma morte lenta, dolorida, eterna. Não há como ficarmos alienados ou omissos diante da barbárie praticada. É imprescindível que nos posicionemos de uma vez por todas contra todas as safadezas e a favor do Brasil que caminha para uma derrocada inevitável e isso será posto na nossa conta, pois permitimos mandos e desmandos de toda natureza.
CELSO BOTELHO
19.07.2009