sexta-feira, 28 de março de 2008

A RÊS PÚBLICA


A República brasileira é bastante semelhante à definição de rês no Dicionário Aurélio: "qualquer quadrúpede criado e abatido para a alimentação humana." Porém, esta não é estúpida, pelo contrário. Foi criada, decididamente não para este fito, mas é abatida, diariamente, aos poucos, alimentando uma pequena parcela da população numa tortura que já dura mais de um século. A capacidade de regeneração dos tecidos de tal animal é surpreendente, colossal mesmo. Por mais que os facínoras carniceiros o ataquem em seu órgão vital, o Erário, este se recompõem atraindo-os incessantemente e, eis o pior, mais famintos que antes. Não me parece de outra forma visto o que temos conhecimento através da História e por nosso próprio testemunho das mais variadas formas de extorquir-se, dilapidar-se, espoliar-se e, pura e simplesmente, roubar-se. Mesmo quando nos deparamos com ações positivas se investigarmos um pouco mais certamente se descobrirá um sem-número de pífios, vendilhões, aproveitadores de toda ordem e pulhas em qualquer progresso. Temo dizer que as conseqüências de tanto descambo tem como causa a própria formação da sociedade brasileira. Portanto, é uma questão cultural e, sendo assim, reverter-lha ao máximo possível não se dará caso não comecemos, preferencialmente ontem, uma maciça reversão de valores. Talvez, deste modo, dentro de algumas gerações tenhamos alguns resultados alvissareiros. Cabe dizer que o primeiro item de todo esse processo educativo é, irrefutavelmente, o bom exemplo coisa, aliás, rara em nossa aviltada sociedade. A corrupção foi incorporada a vida nacional sem qualquer tipo de distinção: pobres, ricos, milionários ou bilionários; brancos, negros, índios, cablocos; homens, mulheres, crianças; erutidos e analfabetos; artistas e platéias; eleitos e eleitorados; profissionais e desocupados e a lista é imensa. A corrupção criou raízes nefastas e profundas na sociedade, porém, isto não é privilégio brasileiro, é uma das muitas más facetas humanas. No entanto, tal consciência não nos exime ou diminui nossa responsabilidade por sua prática sistemática.

A corrupção, ao contrário do que pensa a maioria, não está ligada somente aos interesses públicos ou privados de considerável monta. Na verdade podemos encontrá-la escondida nas atitudes mais ingênuas possíveis. O grande delito será, sempre, uma conseqüência dos menores que, na maioria das vezes, são praticados com algum ou total êxito. Por isso é importante esmerarmo-nos cada vez mais na condução de nossas atitudes a fim de evitarmos ou mantermos inertes os vírus corruptores instalados em nossos subconscientes. Não vejo a menor possibilidade de eliminá-los de vez, posto que isto exige do Criador a feitura de outra raça. Portanto, o processo de depuração é de nossa única e total responsabilidade.
A ladainha certamente não é nova, porém, deve ser repetida incessantemente para que possa ser absorvida senão pela fé ao menos pelo cansaço. A corrupção não é o único foco de dilapidação do Erário, no entanto, é o mais visível. Podemos dizer que a malversação, o desvio e o desperdício do dinheiro público montam valores extremamente mais vultosos. Contudo, sua percepção pela sociedade é mais diluída, porém, jamais poderá ser ignorada. Estes males precisam ser combatidos de maneira rígida, contínua, severa. Enquanto dispormos de mecanismos legais que abriguem engrenagens que girem de acordo com os interesses envolvidos não haverá esperanças de sequer minimizarmos as causas e conseqüências malignas destas práticas. Mesmo porque num possível processo de reeducação social que tende a ser longo e dilacerado constantemente pelos interesses e privilégios ameaçados, é fundamental fornecermos exemplos concretos de nossa intolerância com os salteadores do Erário. A demagogia do "vamos investigar, apurar e punir doa a quem doer" deve ser substituída por ações imediatas e eficientes para coibir toda e qualquer tentativa de surrupiar o dinheiro público e, ainda assim, uma vez subtraído a mão da lei deve abater-se sobre os delinqüentes pesando toneladas para esmagá-los definitivamente, no sentido figurado, é óbvio. Será um excelente lembrete aos larápios para uma reflexão antes que se pretenda desafiar a lei apropriando se, descaradamente, dos dinheiros públicos. Em nosso país, devido às manhas e artimanhas legais, não fica a sensação de impunidade, mas sim a certeza dela. Esse quadro precisa se reverter urgentemente sob de pena de, num futuro não muito distante, enfrentarmos uma degradação social irreversível, uma insolvência econômico-financeira já experimentada em outros povos que os levaram a ruína e/ou a extinção como nação. Portanto, longe de ser alarmista, os fatos que ai estão projetam tal desenlace. A corrupção, a malversação, o desvio, o desperdício, a fraude ferem as instituições, apequena os homens e penalizam covardemente as camadas menos favorecidas da sociedade que se ressentem desses recursos nos serviços a ela devidos pelo Estado e, ao mesmo tempo, inibe suas iniciativas para a adoção de uma política de desenvolvimento econômico plena.
Não podemos, e não devemos ser meros espectadores dos descalabros levados a efeito por aqueles que, incumbidos de arrecadar e aplicar o dinheiro público, dele dispõe como se lhe pertencesse ou, exatamente o contrário, pois, caso deles o fosse não agiriam como perdulários ou ladrões do próprio bolso. Devemos manifestar nosso repúdio a todo e qualquer ato ilícito perpetrado contra o Erário e nenhuma complacência para com o agente que o pratica. Essas pessoas costumam passar incólumes pela justiça devido às manhas e artimanhas legais que, ao que parece, foram concebidas exatamente para isso. As pessoas costumam acreditar ou as fizeram acreditar que o voto pode ser a redenção de todos os males que as aflige. Pura propaganda enganosa. O voto é um poderoso instrumento no regime democrático, sem dúvida, porém, da maneira como sempre foi manipulado no Brasil não passa de um cheque em branco que a sociedade, constituída de uma parte astuta, uma ignorante, outra incauta, outra tanta apática assina ou é induzida a fazê-lo na vasta maioria das vezes. E não precisamos citar exemplos notórios disso. Nossos problemas, definitivamente, não serão resolvidos com o voto depositado nas urnas para uma classe política que não nos merece qualquer apreço, salvo algumas exeções. O Estado brasileiro ainda está apoiado nos valores há muito abandonados pela maioria dos povos e qualquer reforma que se possa pleitear ou tentar por em prática certamente encontrará exacerbadas resistências por essa minoria feudal que detém o poder e as riquezas nacionais. Finalizando posso dizer que o voto, puro e simples, não há de transformar coisa alguma. Somente a sociedade tem esse poder e esta força cabendo-lhe decidir seu futuro.