domingo, 6 de junho de 2010

CARTA AO ONOFRE VI



De inicio, caro amigo, vou confessar-lhe o motivo pelo qual se deu longo espaço de tempo entre a última missiva e esta. Não penses que irei engendrar histórias fantasiosas com o único propósito de apresentar-lhe motivo para o ocorrido. Não. Bem sabes que tais artifícios não fazem parte de nosso feitio e, de mais a mais, somos amigos há décadas e, portanto, gozamos de intimidade o bastante para não ficar a mentir um para o outro, mesmo porque saberíamos no mesmo momento caso um de nós tentássemos. Meu estimado Onofre perdoe minha negligência, desleixo e – porque não? – indolência. Talvez, e só talvez, tais atributos tenham-me vindo junto com o passar dos anos, não sei. Porém, não imagine que, durante este período, não houve lembrança minha de vossa pessoa, de sua encantadora esposa e deste seu sítio aprazível, suave, sereno, onde podemos assistir o pôr do sol em silêncio cismando com isto ou aquilo e vice-versa. Este pedacinho de chão nos envolve, tranquiliza e em nada nos lembra aqueles dias de furdúncios, de encontros, desencontros e – às vezes – reencontro. Rogo, pois, que não faça conta deste deslize mesmo que injustificável não é – creio eu – imperdoável.



Ditoso amigo, bem sei que andas muito melhor informado do que eu, no entanto, desejo comentar sobre a sucessão presidencial. Já examinamos, reiteradas vezes, tal processo ao longo destes últimos vinte e cinco anos, porém cada uma delas, em qualquer tempo, mostra-se inédita com elementos completamente distintos a constituir-lhes a forma e o conteúdo, devo frisar que este último, em linhas gerais, pouco se diferencia uns dos outros. Nos cinco pleitos presidenciais desde a tal da “redemocratização” os discursos assemelhavam-se em muito com a obra do grande Nelson Rodrigues (1912-1980, “Bonitinha, Mas Ordinária”, 1962, Rj.) bonitinhos, mas ordinários. E, dileto amigo, redemocratizaram o quê? Um Estado que mesmo antes do regime militar (1964-1985) não era democrático e – sabemos - que na essência ainda não é, apenas na aparência, e olhe lá! As práticas políticas são somente ordinárias com invólucros algumas vezes bonitinhos para sustentarem o engodo e as administrações extraordinariamente incompetentes, omissas, negligentes, coniventes, permissivas, clientelistas, assistencialistas, paternalistas e outros “istas”. E depois nós é que éramos comunistas, terroristas, bardenistas. Ora veja, se é assim porque nem eu nem você estamos no governo? Porque é essa gente que está no poder desde a Lei da Anistia (1979). Apesar de que esta mulambada que se diz de esquerda não engana ninguém. Não passam de meros oportunistas e salafrários e seu Chefe sequer sabe a diferença entre socialismo e comunismo. A campanha deste ano não traz lá grandes novidades, os vícios e os viciados podem até serem novos, porém o balde não. Após as eleições de 2006 vivíamos sob a ameaça de uma ruptura constitucional por conta da idéia de jerico da “cumpanheirada” encasquetar com um terceiro mandato para o atual presidente, em especial os inúmeros integrantes da ANABOL (Associação Nacional dos Baba Ovo do Lula) que só não prosperou devido à pressão da sociedade cuja banda boa é bem superior à podre e menos pelo desejo do “Cumpanheiro-Mor”. Eu mesmo, em um de meus escritos sobre esta indecente manobra, questionei que se o presidente tem tanto apego pelo poder deveria ter seguido a carreira eclesiástica articulando para assumir o trono terreno de São Pedro, pois o papado é vitalício.



Sobre José Serra (PSDB-SP) e Dilma Roussef (PT-SP) já me pronunciei a respeito e fui categórico: encontramo-nos entre o desastre e a catástrofe, basta um passar de olhos em suas biografias para sabermos onde podemos situá-los seja na vida pública ou privada e depois darmos graças ao Senhor por não ser nem um nem outro. Mas tem a Marina Silva (PV-AC). É. O discurso verde é muito atrativo, apocalíptico, necessário e indiscutivelmente urgente, porém, não sustenta uma disputa presidencial onde os leões e as hienas estão disputando ferrenhamente uma carcaça. Aliás, porque diabos a ex-ministra do Meio-Ambiente trocou uma reeleição certa no longínquo Estado do Acre por uma aventura eleitoral que, certamente, não a conduzirá ao Palácio do Planalto? Existem mesmo certos mistérios... Cale-te boca! Bem, prezado Onofre, estes são os mais celebres concorrentes que disputam um cargo que trabalha muito; viaja bastante; não tem privacidade; está rodeado de bajuladores e pedintes de todos os tipos, desde um empreguinho para a vizinha da sogra até um favorecimentozinho qualquer que implica num ganho de milhões e/ou bilhões e, eis o pior, ganha mal para cachorro, gato e papagaio. Qualquer vendedor de automóveis tem um salário muito melhor. Seria desprendimento? Patriotismo? Idealismo? Porcaria nenhuma. É pelo poder. O poder fascina, enlouquece, embriaga. Citarei caso que conheces melhor do que eu: lembremos do dr. Ulisses Guimarães (1916-1992) que deteve quatro presidências simultaneamente (do PMDB, da Câmara dos Deputados, da Assembléia Nacional Constituinte e da República, Sarney era o vice-presidente empossado na presidência com a morte de Tancredo Neves, 1910-1985) sendo o homem que mais poder concentrou durante a República, em 1990 disse num programa de televisão: “sou louco pelo poder, seduzido pelo poder e para isso que vivo”. É claro que enriquecer e/ou proporcionar o enriquecimento dos seus (parentes e aderentes) vem junto. Mas é sobre uma outra candidatura que vou falar. Devo dizer que ela não me assusta, encanta, comove, preocupa ou mereça mais que um tostão de atenção. Ah, não existem mais tostões? Então não merece atenção alguma, mas vou comentá-la assim mesmo, de graça.



Trata-se de um cidadão que atende pelo nome de Mário Oliveira (PT do B). No currículo consta como engenheiro, advogado, executivo e torneiro mecânico, tal qual o pródigo filho de Garanhuns (PE). Reporta-se como centro-direita, denominação, aliás, completamente inútil e desnecessária em nosso país, visto que há muitos anos inexiste qualquer coisa que se pareça com esquerda, direita, centro-esquerda, centro-direita ou outra bobagem qualquer, o que prevalece são os interesses poíticos-partidários-eleitoriais e financeiros. Em seu site consta um perfil de nacionalista, conservador e governará (caso eleito) sob “o império da Lei”. Penso que talvez tenha confundido nacionalismo com patriotismo, conservador como conservação e império da lei com ditadura na lei. Em outra época, digno Onofre, poderiam classificá-lo como muitas coisas, inclusive algumas aqui impublicáveis, mas nos limitaremos em relacioná-lo como mais um representante das ideias autoritárias, ditatoriais, opressivas e repressoras. Uma classe que está inquieta, saudosa, raivosa e revoltada pelo fracasso de conspirações das mais tenebrosas para assumirem o controle desta nação. Tem um contingente apreciável de viúvas e órfãos do regime militar a apoiá-lo, saudá-lo, estimulá-lo e respaldá-lo. Tenho procurado me informar sobre as propostas deste “moço” para depois manifestar-me. Portanto, o que segue está baseado pura e simplesmente nas propostas apresentadas pelo próprio candidato. Já li que o chamaram de aventureiro numa alusão ao presidente Collor (1990-1992) o que penso ser um equívoco, pois Collor pode ter sido um aventureiro, porém de modo algum comprometido com alguma forma de ruptura institucional (ao menos no seu sentido estreito), já o senhor Mario Oliveira deixa transparecer senão este objetivo certamente o caminho para atingi-lo. Mário Oliveira não é dessas candidaturas exóticas que recheiam todas as eleições, ele representa tudo aquilo que repudiamos, lutamos contra, fomos perseguidos, presos, mortos, desaparecidos e o diabo a quatro em nome da liberdade e da democracia que pode ser capenga, porém ainda não me convenceram da existência de um sistema melhor. Esta candidatura me insulta pelas propostas claras de supressão, arbitrariedades e cerceamento. Não é uma candidatura exótica, estapafúrdia, desconexa e sim uma afronta. Nada contra pessoalmente o candidato que sequer vi mais gordo ou mais magro que, para mim, não passa de um instrumento programado de um mecanismo muito bem lubrificado de apropriação do Estado brasileiro para impor o terror a toda nação. Esta candidatura é uma pequena introdução da sinfonia macabra que está sendo composta ao longo dos anos em partituras que exigem sangue para serem escritas. Uma lamentável demonstração de que não foram eliminados do nosso convívio e a tal Lei da Anistia foi uma das responsáveis por isso. Onofre, não nos iludamos, os brucutus (com ou sem verde-oliva) estão agindo de maneira adversa da de outrora. Antes se punham na linha de frente e assumiam seus lugares de facínoras. Hoje, sem a proteção legal, conspiram nos subterrâneos, infiltram-se, arregimentam, assediam, doutrinam, enganam, prometem e corrompem. E muitas vezes são bem sucedidos, basta ver o número crescente deles nas esferas do poder e sua capacidade de convencimento de que trazem as melhores soluções para o país.



Vejamos, pois, as propostas do dito cujo candidato ao Palácio do Planalto. O carro chefe é a implantação imediata da pena de morte e da prisão perpétua sob a justificativa de reduzir o número de homicídios praticados anualmente no Brasil (segundo ele cerca de 55.000) entende então o candidato que é uma situação de guerra (“vivemos numa situação de guerra essa alternativa é para acabar já com a violência que tomou conta do país.”). Entende, como muitos, erradamente. Numa guerra você tem dois lados esforçando-se de todas as maneiras para aniquilar o outro. Reforçar este conceito contribuirá para que as forças policiais e os criminosos aumentem a matança em ambos os lados, porque estarão se vendo como inimigos quando a visão correta seria a do Estado exercendo seu poder coercitivo sobre aqueles elementos que transgrediram suas normas. Ademais com o poder Judiciário e todo arcabouço legal que dispomos a pena máxima só traria mais injustiças e desta vez irreparável. Até mesmo os Estados que adotaram e mantém tal instituto não lograram extirpar a violência de suas sociedades. Esta questão merece um exame acurado, uma ampla e longa discussão e não ser estabelecida como uma medida unilateral de um governo à revelia de todos. Sabes com todas as letras que a pena de morte não é novidade em terras tupiniquins. A Constituição Federal de 1967 estabeleceu tal pena para crimes de segurança nacional (Decreto-Lei 314), afinal os milicos se sentiram frustrados e poderiam até ficarem deprimidos se não a tornassem constitucional. O candidato em questão sinaliza com outras iniciativas tais como rever o Bolsa-Família, insiste na idéia de que tem pôr seus beneficiários para trabalhar o que contraria o espírito desta esmola afugentando possíveis eleitores. Pretende ampliar a idade mínima para a aposentadoria, hoje aos 53 anos, mas não revela quantos anos iria acrescentar e arrisco deduzir que seria mais sete, pois assim ficaria uma conta redonda. A redução da maioridade penal também está dentro de suas proposituras, porém, qualquer cristão, ateu ou mulçumano sabe que isto não resolve em nada a violência. Promete a manutenção da jornada de trabalho em 44 horas semanais (“a questão da redução da jornada de trabalho é para economias desenvolvidas e ricas, o que não é o nosso caso.”), uma vez eleito e tendo em mente que somos subdesenvolvidos e pobres decerto desejará esticá-la para – digamos - cinqüenta horas ou mais. O ensino superior, segundo proposta do candidato, será pago ou, depois de formado, o aluno deverá prestar serviços ao Estado pelo tempo do curso frequentado, naturalmente isso deve implicar na extinção do FIES, do Prouni e de qualquer outra ajuda governamental e também propõe a extinção do sistema de cotas. Prevê o fim do ministério da Reforma Agrária e das Cidades, mas - ô Mário - dos trinta e oito só irá acabar com dois? Que reforma ministerial mais chinfrim. Porém, há uma coisa que estou plenamente de acordo com o postulante a mandatário supremo deste Brasil varonil: ...”o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) é composto por bandidos.” Mas seria impossível que não houvesse nada para eu concordar!



Mas o que de fato me incomoda é saber do apoio que tem recebido das viúvas e órfãos do regime militar. Apareceu uma “cientista política” que afirmou que “existe um grande eleitorado à procura de um novo Estado” e justifica-se alegando que os dois últimos governos relegaram ao segundo plano setores médios da sociedade priorizando os mais pobres. Bom, este é o discurso da classe média e não poderia ser diferente até porque sempre haverão de estar preocupados com uma viagem à Disneylândia, a troca do carro da família outros supérfluos e bugigangas. O site “Ternuma (Terrorismo Nunca Mais) poleiro dos participantes, defensores, simpatizantes e outros abutres do regime militar apóia e incentiva “seus leitores” a votarem em Mário Oliveira. O delegado aposentado Carlos Alberto Augusto conhecido na época da ditadura como “Carteira Preta” atualmente lotado na Delegacia de Meio-Ambiente de São Paulo (não é o único torturador que esteve ou está empregado após 1985) pede apoio para a candidatura de Mário Oliveira argumentando “ele é nacionalista de verdade. Temos que mudar nosso país, tirando-o das mãos do crime organizado que está no poder.” Naturalmente jamais viu suas ações e todas as outras perpetradas contra a nação pelo regime militar como crimes. Este “senhor” na década de 1970 estava diretamente ligado ao não menos “senhor” Sérgio Paranhos Fleury (chefe do Dops-SP, Departamento de Ordem Política e Social – São Paulo), o “Doutor Barreto” nas sessões de tortura, o participante ativo na operação que matou Carlos Marighela, o mentor do “esquadrão da morte”, entre tantos “serviços” prestados a ditadura que o premiou editando a “Lei Fleury” que proibia a prisão de réus primários em 1973 quando foi condenado pela participação em vários assassinatos praticados pelo esquadrão da morte. Sua morte em 1979 por afogamento ainda é um mistério visto que os milicos não permitiram a realização de uma autópsia. O general-de-brigada Paulo Chagas, ex-sub-chefe do Estado Maior do Exército de Brasília entre 2004 e 2006 declarou: “suas propostas de mudanças são bem centradas e podem acabar com os costumes negativos da política brasileira.” Mesmo que eu estivesse a caminho do inferno não suportaria essa gente ao meu lado nem por um segundo.



Pois então? Caro Onofre, tanto labuta para hoje assistirmos este tipo de coisa. Certo, porém, é que jamais nos furtaremos em enfrentar estes tipos. Fizemos isso uma vez e faremos tantas quantas forem necessárias e possíveis com os instrumentos dos quais pudermos dispor. Calarmos significará seu fortalecimento e alcance de seus malignos objetivos. O sacrifício de toda uma geração não foi em vão, jamais aceitaremos o cabresto da ditadura como também jamais iremos calar diante das injustiças, arbitrariedades e covardias levadas a cabo pelo regime democrático visando sempre seu aperfeiçoamento e não sua destruição ou mutilação.



Peço-lhe desculpas, meu bom Onofre, por ter me alongado. No entanto, ainda considero extremamente superficial meu texto tal a gravidade do assunto. Fico grato por o haver lido e no aguardo de seus comentários o mais breve possível. Aproveito para informar-lhe que no próximo mês, mais folgado, deverei estar e, sendo assim, já estou a me convidar para uns dias ai no seu sítio paradisíaco desfrutando de sua companhia, de sua esposa e dos maravilhosos quitutes que faz. Um forte abraço daquele que muito o estima e admira.




CELSO BOTELHO

06.06.2010