segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O INDEX TUPINIQUIM



 
O Index Librorum Prohibitorum era uma lista de publicações literárias que eram proibidas pela Igreja Católica e ali estavam também as regras para que um livro entrasse nessa lista. A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV (1476-1559) em 1559 e uma versão revista foi autorizada pelo Concílio de Trento (1545-1563). A última edição do índice foi publicada em 1948 e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. A principio o Index tinha por objetivo conter a expansão do protestantismo e o Santo Ofício o administrava. A trigésima-segunda edição, publicada em 1948, continha 4 000 títulos censurados por várias razões: heresia, deficiência moral, sexualidade explícita, incorreção política, etc. A relação dos livros proibidos é extensa e nela constam autores como Galileu, Emmanuel Kant, Roberto de Roterdã, Descartes, Pascal, Maquiavel, Voltaire, Rousseau, Copérnico, Montesquieu, John Locke, Diderot, Baruch de Espinosa, Alexandre Dumas (pai e filho), Victor Hugo, Balzac, Thomas Hobbe e Émile Zola ( estes dois últimos a obra completa), e muitos outros. Tudo indica que o Conselho Nacional de Educação deseja instituir este instrumento de censura na versão tupiniquim.





O Supremo Tribunal Federal é chamado para deliberar sobre as mais diversas pendengas que vão desde cisco nos olhos, topada nas vias públicas, briga de vizinho, furdúncio em bordel até os processos mais complexos como o do Mensalão. Desta feita o egrégio tribunal foi provocado para decidir se os livros de Monteiro Lobato (1882-1948) devem ou não serem adotados na rede pública de ensino por conta de mandado de segurança impetrado pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) e pelo técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto que afirmam existirem “elemento racistas” na obra do escritor. Em 2010 o Conselho Nacional de Educação determinou que a obra Caçadas de Pedrinho não fosse mais distribuída às escolas públicas por considerar que ela apresentava conteúdo racista. O ministério da Educação (MEC) recomendou que o CNE reconsiderasse e a proibição foi anulada, mas determinou que as próximas edições devessem conter “nota técnica” que instruíssem o professor a contextualizar a obra no momento histórico no qual foi produzida. Não conheço e nem desejo conhecer o tal de IARA e muito menos esse tal técnico de gestão educacional, porém os alcei à categórica dos imbecis convictos e oportunistas astutos. Política racial só serve para reafirmar, difundir, avolumar, denegrir e discriminar aqueles que supostamente pretende defender, pelo menos em nosso país.



 
Monteiro Lobato era racista, segundo a avaliação do CNE, mas o que dizer do “Kit Gay” e dos livros didáticos distribuídos com erros? Caso o caminho seja este haverá que se proibirem dezenas de milhares de obras literárias, imagéticas, auditivas, iconográficas, fotográficas, etc. e elaborar-se uma legislação específica para cada segmento da sociedade seja ele étnico, profissional, religioso, cultural, esportivo, etc. desfazendo o Estado brasileiro da forma como o conhecemos. O Estado deve amparar, proteger, defender e punir quando necessário todos os cidadãos independentemente de quaisquer outros fatores, sejam eles de ordem política, social, cultural, religiosa, econômica, etc. e não fazer concessões especificas para este ou aquele grupo comprometendo a estabilidade e a harmonia. Não será com a adoção de políticas raciais que o preconceito será extinto da sociedade brasileira. Aliás, os governos brasileiros têm uma tara incontrolável em tentar resolver tudo através das leis. Seja para debelar a inflação, para conter as intempéries ou para alterar a lei da oferta e procura. Desnecessário dizer que tais tentativas sempre se frustraram.


 

A diversividade étnica no Brasil não é a mãe (ou o pai) das profundas desigualdades sociais, posto sermos um povo, na maioria esmagadora, miscigenado. Em 4 de abril de 1755, D. José, rei de Portugal, assina decreto que autoriza a miscigenação de portugueses com índios. Décadas depois, com a chegada de escravos negros, formou-se uma população trí-híbrida. Os portugueses já trouxeram para o Brasil séculos de integração genética e cultural de povos europeus, como os celtas e os lusitanos. Embora os portugueses sejam basicamente uma população européia, sete séculos de convivência com mouros do norte da África e com judeus deixaram um importante legado a este povo. 86% dos brasileiros têm mais de 10% de genes africanos. Ou seja, apenas 14% dos brasileiros são geneticamente brancos. A brutal desigualdade entre os brasileiros é obra da concentração de renda e do abandono educacional. Não vou elaborar aqui um tratado sobre políticas públicas do Estado brasileiro, suas possíveis causas e consequências, apenas estamos examinando o exagero, a paranoia de ver em todos os cantos um racista em potencial. Reconhecemos todo o mal físico e moral praticado contra os negros africanos, afro-brasileiros e seus descendentes ao longo de nossa História (como também aos índios) sendo imprescindível que o Estado brasileiro não apenas reconheça, mas também institua instrumentos e mecanismos que verdadeiramente venha atendê-los plenamente. Discordamos de fora a fora é com a demagogia que reveste as políticas públicas e os excessos cometidos pelos movimentos sociais e entidades como esse Instituto de Advocacia Racial e Ambiental. É inaceitável que sob o pretexto de racismo comecemos a proibir, cercear, censura e tolher manifestações artísticas inspiradas na cultura brasileira. Agora é Monteiro Lobato e em seguida poderá ser Jorge Amado, Ariano Suassuna, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Luiz Gonzaga, Gabriel O Pensador e por ai vai. Essas políticas raciais somente fomentam o preconceito e a discriminação ao tratar os negros como pobres diabos. O desrespeito não está na obra literária ou qualquer outro gênero artístico, mas sim na conduta dos sucessivos governos brasileiros, imperiais e republicanos, conservadores e liberais, peessedebistas e petistas.


"Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e/ou do negro." (GilbertoFreyre, 1900-1987).



CELSO BOTELHO

10.09.2012