quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A QUESTÃO FERROVIÁRIA NO BRASIL

Primeira locomotiva inglesa a vapor construída em 1804


Não foi com o governo petista que se concebeu uma malha ferroviária que interligasse o nordeste do Brasil, mesmo que o ex-presidente Lula venha a reclamar a autoria, aliás, deu inúmeras demonstrações que ele próprio havia inventado o Brasil a partir de 01 de janeiro de 2003 com o conhecido bordão “nunca antes na História deste país...” Caso todos os planos ferroviários fossem levados a efeito o país hoje disporia de uma malha do Oiapoque ao Chuí, inclusive com terminais no Oceano Pacífico, mesmo considerando todos os obstáculos de ordem ambiental, financeira, econômica, humana, técnica e tecnológica, além, é óbvio, do entrave maior que é a conveniência política para a realização de obras no Brasil. Afinal, assentar linha férrea não se constitui em novidade alguma há muitos séculos. Parece sina que nosso país esteja sempre na contramão da História. Depois que o presidente Washington Luiz decretou que “governar é abrir estradas” a opção pelo transporte rodoviário canalizou recursos e energias de sucessivos governos, a começar por Getúlio Vargas (1930-1945/1950-1954) passando Juscelino Kubitschek (1956-1961) e terminando com os generais de plantão (1964-1985) que chegaram ao delírio alucinógeno de uma Transamazônica em detrimento do transporte ferroviário não realizando investimentos e até mesmo desativando ramais por todo território. Qualquer imbecil sabe, de antemão, que o transporte rodoviário é muito mais oneroso que o ferroviário. Em termos de transporte de cargas e passageiros a distância calcula-se em anos-luz. O assunto, no entanto, é vasto e este artigo se propõe a abordar somente uma faceta dele.



OS PLANOS FERROVIÁRIOS – PERÍODO REGENCIAL E IMPERIAL




Em 31 de outubro de 1835 foi promulgado o Decreto nº 100 que ficou conhecido como o Decreto Feijó ou Plano Vasconcelos, Veloso & Rocha, posto terem sido estes seus autores (Bernardo Pereira de Vasconcelos, deputado pela província de Minas Gerais, Manuel Paranhos da Silva Veloso, deputado pelo Rio Grande do Sul e José Florindo de Figueiredo Rocha, deputado pela Bahia), foi o primeiro projeto de ligação ferroviária da Corte (Rio de Janeiro) às províncias que não despertou interesse ou mereceu discussão sendo rapidamente aprovado. Nos Anais da Assembleia Legislativa não se encontram nenhuma exposição de motivos, nem quaisquer considerações sobre a utilidade e o benefício que o caminho de ferro traria ao desenvolvimento do país prática, aliás, ainda comum no parlamento brasileiro. Podemos citar o caso do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) um projeto desnecessário, antieconômico, porém muito rendoso para meia dúzia de patifes.



A proposta do conselheiro José Silvestre Rebelo (Plano Rebelo) reaviva e amplia o projeto de 1835. Segundo estudos esta ampliação poderia ser interpretada como uma proposta de integração nacional ou como um artifício para cooptar apoio político de Pernambuco e Pará ou ambas as coisas. No mesmo ano foi promulgado o Decreto Legislativo nº 64 de 29/10/1838 pela Assembléia de São Paulo concedendo o privilégio a Aguiar, Viúva, Filhos & Companhia para construção de uma ferrovia e dois anos depois, 4 de novembro de 1840, concedia a Thomas Cochrane o privilégio para construir uma ferrovia da Corte à província de São Paulo (na sessão de 20 de outubro de 1841 foi apresentado o seguinte projeto: “Artigo 1º — Fica o governo autorizado a subscrever pelo valor de duas mil ações, como acionista da Companhia organizada por Tomas Cochrane, para construir uma estrada de ferro que comece no município da Corte e acabe na província de S. Paulo, conforme o decreto de 4 de novembro de 1840 e condições que o acompanham. Artigo 2º — As máquinas, carros de vapor e instrumentos necessários importados, serão isentos dos direitos de importação por tempo de cinco anos. Artigo 3° — Ficam revogadas as disposições em contrário.” Revalidada a concessão em janeiro de 1842, a pendenga só foi resolvida com o Decreto nº 641 de 26/6/1852 quando Cochrane perdeu seu privilégio. Antes deste decreto só existiam três concessões: a de Aguiar Viúva & Filhos, do governo da província de S. Paulo, em 29 de outubro de 1838; a de Tomas Cocrhane, do governo geral, em 4 de novembro de 1840 e a de Irineu Evangelista de Sousa (Barão de Mauá), do governo da província do Rio de Janeiro, em 27 de abril de 1852.


Primeira locomotiva a circular no Brasil "A Baronesa" em 30.04.1854


O Plano Moraes (Eduardo José de Moraes) de 1869 era essencialmente hidroviário. As estradas de ferro aparecem para vencer a serra do Mar e as cachoeiras de Paulo Afonso, para ligar os centros litorâneos mais influentes da época, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, ao rio São Francisco e todo o planalto interior.



Em 1871 temos o famoso Plano dos Cem Mil Contos de Réis e, para não nos alongarmos por demais faremos referência apenas no que diz respeito à região Nordeste. O Plano contempla uma estrada de ferro do Recife ao São Francisco orçada em 47.855:848$016 ou 77:361$539 (Réis) por km, as propostas para a construção, segundo o documento, correm por conta dos cofres públicos. A estrada de ferro da Bahia ao Juazeiro as obras foram orçadas em 36.100:000$000 e adjudicadas por 26:000$000 o km somente para a preparação do leito, pois o governo forneceria diretamente o material fixo e rodante. Para a estrada de ferro de Piranhas a Jatobá o capital foi orçado em 1.435:000$000, segundo os estudos feitos, por conta do Estado (que até hoje não estuda qualquer coisa com um mínimo de racionalidade). Ainda neste Plano há estudos para orçamentos à cidade de São Luiz (MA) com 230 km de extensão e um fundo social orçado em 10.000:000$000. De São José dos Cajazeiros interligando o Piauí à margem do rio Parnaíba com 68 km sendo orçada em 3.280:000$000. E por fim, o projeto da estrada de ferro de Oeiras (antiga capital da província) à Vila de Amarante na margem do rio Parnaíba com, aproximadamente, 140 km incluindo um ramal para a Vila de Valença e o capital de 7.000:000$000. Este plano demonstra a inequívoca vocação dos governos brasileiros para perdulários, com o dinheiro alheio, é claro.



Uma rede ferroviária para o nordeste constava dos planos de Ramos de Queiroz em 1874 intitulado "Esboço de um Plano de Viação Geral para o Império do Brasil" que propõe sete linhas até o médio São Francisco, atendendo oito províncias e criando uma verdadeira rede de comunicações interiores no Nordeste, tentada, ainda hoje, com o projeto da Transnordestina. Neste mesmo ano (1874) o Plano Rebouças é quase um manifesto de seu americanismo ou das "10 paralelas" traçadas de leste para o oeste, semelhante às linhas traçadas para demarcarem as Capitanias Hereditárias, certamente foi considerado fantasioso, irreal e utópico. Mas isso não o diminuía em mérito.



Em 1881 foi a vez do Plano (Honório) Bicalho que não poupou esforços em imaginar um grande numero de baldeações (do trem para o barco e do barco para o trem) concebendo um interminável zig-zag que primava por alongar os trajetos para diminuir os investimentos em via férreas. A economia de trilhos se faz, portanto, local de transação política provinciana.



Em 1882 veio o Plano Bulhões (A. de Oliveira Bulhões, Firmo José de Melo e Jorge Rademaker Grünewald, I Congresso Ferroviário Brasileiro organizado no Rio de Janeiro, pelo Clube de Engenharia) que, resumindo, não atou nem desatou. O segundo Plano Ramos de Queiroz também praticamente não trouxe alterações do que já havia sido apresentado no primeiro.



O ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto da Silva, propôs ao imperador, em 1886, um "Plano Geral de Viação" cuja característica mais marcante foi a de não oferecer absolutamente nenhuma diretriz de longo prazo e sim sustar de imediato o lançamento de qualquer nova ferrovia (com duas grandes exceções), concluir umas poucas linhas já iniciadas, e apenas criar pequenas ligações para unir trechos já existentes, pequenas ligações propostas uniriam ferrovias das províncias orientais do Nordeste, formando o zig-zag (entre litoral e Zona da Mata) de Maceió a Natal.



OS PLANOS FERROVIÁRIOS – PERÍODO REPUBLICANO


Locomotiva do início do século XX


Proclamada a República, o governo provisório nomeou uma Comissão, encarregando-a da elaboração de um Plano de Viação Federal, apresentado em 1890. Previu numerosas estradas de ferro, sobretudo nas regiões Sul, Centro e Nordeste, além de grandes linhas sem caráter econômico, como, por exemplo, um longo arco entre Teresina e Manaus, inutilmente prolongável pelas margens dos rios Negro e Branco. Criticado como exagerado ou excessivamente oneroso, o Plano Geral de Viação do Governo Provisório foi o primeiro a ter sua implantação iniciada de fato. Suas principais ferrovias foram concedidas à iniciativa privada — pelo decreto nº 862, de 16 de Outubro de 1890, um mês antes da apresentação do relatório final da Comissão. Ao norte, se completaria a rede ferroviária do Nordeste (Transnordestina), em conexão com uma linha prevista para avançar gradualmente pela Amazônia (traçado similar ao da Transamazônica), abrindo espaço à colonização do oeste também pela população do Nordeste. Deodoro da Fonseca substituiu Rui Barbosa pelo Barão de Lucena e, em poucos anos, a maioria das concessões foram declaradas caducas numa rapidez de chamar atenção e o Congresso tomou a si à discussão do assunto, sem jamais decretar outro plano, em substituição o que, por sinal, é não é de se estranhar.



O Decreto 9.521 de 17/4/1912 (Plano da Borracha) promulgado pelo presidente Hermes da Fonseca no Artigo 46 dizia: “1ª, partindo do porto de Belém do Pará e ligando-se à rede geral de viação férrea em Pirapora, no Estado de Minas Gerais, e em Coroatá, no Estado do Maranhão, com os ramais necessários à ligação dos pontos iniciais ou terminais de navegação dos rios Araguaia, Tocantins, Parnaíba e São Francisco;” O decreto nº 1543A de 5/01/1912 estabeleceu medidas destinadas a facilitar e desenvolver a cultura da seringueira, do caucho, da maniçoba e da mangabeira e a colheita e o beneficiamento da borracha extraída dessas árvores e, entre elas, a construção de estradas de ferro de bitola estreita ao longo dos rios Xingu, Tapajós e outros (Pará, Mato Grosso) e rios Negro, Branco e outros (Amazonas); a construção de uma via férrea central, ligando a estrada de ferro Madeira-Mamoré às fronteiras do Peru e a construção de uma estrada de ferro de Belém a Pirapora, no Estado de Minas, com ramificações diversas. Tudo muito bonito e auspicioso.



Em 1926 o engenheiro José Luiz Baptista sugeriu um plano (Plano Baptista) que, entre outras coisas, esboçava a ligação com os Estados do Nordeste, compreendendo a sua interligação e a articulação com as linhas anteriormente descritas, mediante a construção dos trechos: Colégio – Cajueiro (Alagoas); Campina Grande – Souza (Paraíba); Cauipe – Sobral (Ceará – Piauí) e Feira de Santana – Irará (Bahia). O trabalho deste engenheiro subsidiou os estudos posteriores, especialmente ao do Plano de 1934. Também em 1926 o engenheiro Pandiá Calógeras concebeu um plano que recebeu seu nome. O plano esboçado compreendia essencialmente a construção de trechos ferroviários numa extensão de cerca de 12.800 km, dos quais a região do norte do São Francisco seria beneficiada com 5.000 km e a Bahia com 2.300 km. No ano seguinte, 1927, surgiu o Plano Paulo de Frontin. Citamos aqui duas sugestões do engenheiro: ligação da EF Central do Brasil pelo ramal de Montes Claros com a rede baiana até Juazeiro e a intercomunicação ferroviária nas proximidades do litoral das capitais dos estados, desde Vitória até Belém. Muitas delas serviram de base para soluções definitivas que seriam adotadas posteriormente. Devemos registrar que os planos concebidos de 1874 até 1927, apesar de notáveis, nenhum chegou a ser implementado ou quando o foram deu-se de forma parcial.



O engenheiro Eugênio de Souza Brandão confeccionou o que chamou de "Sinopse concernente a Viação Férrea do Brasil — Alvitramento de vias férreas de internação e de ligações indispensáveis (1932)” (Plano Souza Brandão). O que torna este plano diferente dos anteriores é que totalmente ferroviário e não misto (férreo-pluvial), embora determinadas linhas terminem à margem de grandes cursos d’água navegáveis.





Em 1934 surgiu o PGVN/1934 (Plano Geral de Viação Nacional, Decreto nº 24.497/1934) que designava troncos e ligações das redes ferroviárias e rodoviárias com um número de ordem obedecendo a critérios técnicos. Nesse Plano constavam não só os troncos e ligações que deviam ser construídos, mas, também os já existentes que fossem de interesse geral, de modo a ser parte integrante da rede federal de vias de comunicação. Entre alguns requisitos constantes neste documento estava a intenção ligar entre si dois ou mais troncos de interesse geral, com o objetivo de estabelecer, por caminho mais curto, comunicações entre duas ou mais unidades da federação. Mas devemos observar que a opção pelo sistema rodoviário a esta altura era irreversível.



O Plano Nacional de Viação de 1951 deu um basta nas controvérsias sobre as prioridades de modalidades de transportes no Brasil. O texto do plano deixa explícito que as rodovias, a partir de então, assumiriam a "função pioneira, outrora exclusiva das estradas de ferro", e que "o desenvolvimento da rede ferroviária seria substituído por estradas de rodagem". A partir dos anos 1950 ocorreu em ritmo extraordinariamente rápido no Brasil nos transportes rodoviários. Entre 1945 e 1952, o número de caminhões e ônibus em circulação no país saltou de 103 mil para 265 mil, um crescimento de mais de 157% em apenas sete anos.



Em 1955 a Comissão Pessoa propunha um plano ferroviário com a ligação da Estrada de Ferro Goiás à Nova Capital, em bitola de um metro, a partir de Anápolis ou outro ponto mais conveniente; o prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil, a partir de Pirapora à futura Capital, com 452 km, em bitola de 1,60 m e o prolongamento das linhas da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, a partir de Colômbia (SP).



No Plano Ferroviário Nacional de 1956, Art. 20 da Lei nº 2.975/1956 (“Enquanto o Poder Legislativo não aprovar o Plano de Viação Nacional, o Governo executará o programa de obras rodoviárias e ferroviárias previstas nas relações descritivas mencionadas no anexo da presente lei.”). A sentença de morte para as rodovias no período JK está clara no Art. 10 da mesma lei em seu segundo parágrafo: “A seleção dos trechos ferroviários a substituir será feita pelo critério de menor densidade de tráfego ferroviário, remuneração, computada em toneladas, quilômetro por quilômetro de linha explorada (t. km/km); em caso de valores semelhantes, será dada prioridade à substituição da linha que acusar maior despesa de custeio por quilômetro.” O Art. 13 foi devidamente vetado pelo então presidente da República: “O levantamento dos trilhos dos trechos ferroviários antieconômicos somente será executado depois da aprovação dos respectivos projetos pelo Congresso Nacional, no caso de estrada de ferro federal.”


Ferrovia do Aço ou A Ferrovia dos 1.000 Dias que se estendem até hoje 


No ano de triste memória de 1964 surgiu o Plano Nacional de Viação (Sul e Sudeste) (DF), pela Lei nº 4.592/1964 sendo que a parte na qual tratava o setor ferroviário pouco acrescentava, mesmo que apenas no papel, às linhas que existiam de fato diminuindo a toque de caixa com a erradicação de cerca de sete mil quilômetros. Neste Plano constava a Transnordestina, interligação das linhas da região, da Bahia até São Luís, cuja idéia veio a ser ressuscitada na Nova República no governo Sarney (1985-1990), pelo governador do Pernambuco, Miguel Arraes (1995-1999) e que constou do Programa Avança Brasil do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas acabou dando lugar a um projeto diferente. A previsão era de construírem-se duas ferrovias radiais a partir de Brasília ao litoral baiano (Ilhéus) e à Vitória com a complementação com um trecho inexistente do Planalto a Pirapora dando a volta em Belo Horizonte.



Em 1973 foi a vez do Plano Nacional de Viação (Sul e Sudeste), pela Lei nº 5.917/1973. Sua parte ferroviária pouco acrescentava (mesmo que apenas no papel) às linhas que existiam de fato, sobreviventes à erradicação de cerca de sete mil quilômetros a partir de 1964. Somente em 1974 foi anunciada a Ferrovia do Aço que deveria ser construída em 1000 dias através da serra da Mantiqueira sem qualquer estudo prévio (bem, neste ponto podemos dizer que a ditadura era deles e faziam o que desse na cabeça, ou no quepe, tanto faz). Esta ferrovia possuía, portanto, todos os ingredientes necessários para dar errado: ausência de um projeto definitivo, prazo exíguo e o difícil relevo da região que seria percorrida por essa ferrovia. O ritmo das obras, que era bastante intenso, foi bastante reduzido a partir de fevereiro de 1977, tornando impossível cumprir o famoso prazo de mil dias para conclusão das obras. Na verdade era o fim da era do Milagre Econômico e o desempenho da economia brasileira jamais seria o mesmo. A situação econômica foi gradativamente piorando e as obras foram suspensas em 1978. No final desse ano a diretoria da R.F.F.S.A. emitiu um documento oficial onde considerava a Ferrovia do Aço um empreendimento inviável economicamente e que a melhor solução para aumentar a capacidade de transporte de minério de ferro no eixo Belo Horizonte-Rio de Janeiro seria a duplicação e eventual eletrificação da antiga Linha do Centro da Central do Brasil. Viadutos inacabados, túneis inúteis e acampamentos de empreiteiras repletos de máquinas abandonadas, tudo se degradando à ação do tempo, pontilharam a paisagem no sul de Minas por vários anos ao longo das décadas de 1970 e 1980, ilustrando clamorosamente o fracasso do empreendimento. Haviam sido gastos 1,9 bilhão de dólares, sendo cerca de meio bilhão somente no contrato de eletrificação. A situação se encontrava em petição de miséria há vários anos quando, em 1986, a direção da R.F.F.S.A. desenvolveu um plano para tornar viável a Ferrovia do Aço, mais especificamente o trecho entre Jeceaba e Saudade, com 319 quilômetros de extensão, onde a infra-estrutura estava praticamente terminada. A nova abordagem previa diversas simplificações no projeto da Ferrovia do Aço, como linha singela, menor altura de lastro (28 cm ao invés de 40 cm) e operação com locomotivas diesel-elétricas. Além disso, o esquema de circulação dos trens incluía a antiga Linha do Centro da Central do Brasil: os trens de minério circulariam cheios de Minas Gerais para o Rio de Janeiro pela Ferrovia do Aço e voltariam vazios pela Linha do Centro, permitindo o transporte anual de 25 milhões de toneladas de minério de ferro. O custo necessário para viabilizar esse plano era relativamente pequeno, da ordem de 136 milhões de dólares, incluindo ainda a adequação da via permanente entre Saudade-Barra Mansa e Saudade-Manoel Feio, de forma a habilitar o ramal de São Paulo a receber a carga adicional. A eletrificação da linha não foi descartada nessa ocasião, mas sim adiada indefinidamente, uma vez que somente sua implantação requeriria um investimento superior a um bilhão de dólares. Ele foi viabilizado através da participação da iniciativa privada no projeto, onde houve a participação decisiva da mineradora MBR e a presença simbólica de outros usuários interessados, como a Matsulfur, Cosigua, Cimento Paraíso, Ciminas, Cimento Tupi, Ferteco e Socicom. A 9 de fevereiro de 1987 era assinado o Acordo de Cooperação Mútua entre a ferrovia e essa empresa, cujo desembolso ao projeto foi feito como adiantamento para fretes futuros. Os investimentos necessários foram distribuídos da seguinte maneira: MBR, 57%; BNDES, 22%; Governo Federal, 15%; R.F.F.S.A., 6%. A concretização dos trechos faltantes não está nos planos do governo, pois não são mais prioritários. Isto é mais uma das heranças malditas do nefasto regime militar que, ainda hoje, podemos encontrar suas saudosas e assanhadas viúvas.


Ferrovia Norte-Sul Palmas-Tocantis

Em setembro de 1986 Após o lançamento da Ferrovia Norte-Sul para construção imediata, sem projeto nem estudos (isso é uma regra no governo) nomearam-se comissões para estudar outros projetos. Em fins de 1987 o Geipot e o ministério dos Transportes destinaram verba para o projeto de engenharia da Transnordestina, entregue por concorrência ao consórcio Consbel-Esteio-Ampla, com prazo até Abril de 1988 para levantar três alternativas de trajeto de Petrolina ao Cariri; e mais 13 meses para entrega do projeto final de engenharia detalhado (Maio de 1989), sendo que o primeiro lote de projeto (80 km) deveria ser entregue para construção cinco meses antes (Janeiro de 1989). O estudo de viabilidade econômica realizado em setembro de 1988 detalhava a estimativa de demanda por transporte na 1ª etapa da Transnordestina em 2,2 milhões toneladas em 1990, 6,3 milhões em 2000 e 7,8 milhões em 2010. Para a 2ª etapa (projeto completo), a estimativa seria de três milhões toneladas em 1990, 7,3 milhões em 2000 e 8,9 milhões em 2010. Naquele momento, setembro de 1988, o transporte ferroviário detinha 10% do mercado global de transporte na região, estimado em 40 milhões de toneladas. As obras da ferrovia iniciaram-se em 1987, durante o governo do presidente José Sarney, com perdão da palavra. Atualmente encontra-se pronto o trecho entre Açailândia (MA) e Palmas (TO). As obras do trecho Açailândia (MA) - Porto Franco (MA) de 215 km iniciou-se em 1987, durante o governo do presidente José Sarney, mas somente foram concluídas em 1996 durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Durante o governo Luís Inácio Lula da Silva houve uma renovada determinação para concluir a ferrovia e o trecho Porto Franco (MA) - Araguaína (TO) de 146 km inaugurado em 2007 e, em outubro deste ano, a operação do trecho da Ferrovia Norte-Sul entre Açailândia (MA) e Palmas (TO) foi concedida pela VALEC à Vale por um período de 30 anos. Em dezembro de 2008 foi entregue mais um trecho da ferrovia, que passou a operar de Açailândia (MA) até Colinas (TO), 250 km de ferrovia no estado de Tocantins e 490 km desde o seu início. Em março de 2010 foi inaugurado o trecho entre Colinas (TO) - Guaraí (TO) com 133 km. Assim a obra está com um ano de atraso em média. Os outros trechos encontram-se em estudos ou projeto e dependerá “da presidento” Dilma Rousseff sua construção. Mas considerando o fato de estar muito ocupada em demitir ministros corruptos e tentando iniciar seu governo provavelmente não terá tempo de examinar o assunto.



Como podem observar é mais fácil crer na possibilidade de universos paralelos ou numa viagem pelo tempo através dos buracos de minhoca descritos por Albert Einstein (1879-1955) do que construir uma porcaria de uma ferrovia neste país.



Universos Paralelos e o Buraco de Minhoca



A TRANSNORDESTINA


Transnordestina


As obras do primeiro trecho da ferrovia Transnordestina tiveram início em 1990, já no período Collor, mas avançaram pouco, e devagar, com verbas minguadas. Segundo informação do ministério dos Transportes à imprensa, as obras começaram em 1991 e foram interrompidas em dezembro de 1992 por falta de recursos (pelo menos para PC Farias & Associados estes não faltaram). Pesquisa do Jornal do Brasil (22.03.2004) indica que as obras começaram no governo Itamar Franco (1992-1994). Nos oito anos do governo FHC, dois trechos da Transnordestina foram incluídos no Plano Avança Brasil, mas nem assim as obras do primeiro trecho conseguiram avançar.



A Transnordestina Logística S/A, empresa privada do Grupo CSN Companhia Siderúrgica Nacional) criada orginalmente com o nome de Companhia Ferroviária do Nordeste S/A em 1 de janeiro de 1998. Administra a malha ferroviária do Nordeste adquirida da RFFSA que era composta das seguintes superintendênicias regionais: SR 1(Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte), SR 11(Ceará) e SR 12(Piauí e Maranhão). Possui 4.238 km que se estendem pelos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas até o município de Propriá, em Sergipe. Em 2008, a razão social da CFN (Companhia Ferroviária do Nordeste S/A) mudou para Transnordestina Logística S/A. Sua frota compõe-se de 94 locomotivas de pequeno porte e baixa potência. Em 21 de novembro de 2011 a Transnordestina Logística teve o aumento do capital social aprovado no valor de R$ 203.689.155,28 mediante a emissão de 318.264.305 milhões de ações ordinárias totalmente subscritas e integralizadas pela CSN.


Transiberiana


Por enquanto está previsto que a obra terá que receber um aporte de R$ 1,3 bilhões para ser concluída, pois as obras públicas são imprevisíveis quanto a utilidade, viabilidade, planejamento, gestão, orçamento, etc. A ferrovia terá 1.728 km de extensão ligando a cidade de Eliseu Martins, no Piauí, ao porto de Pecém, no Ceará. Começou a sair do papel em 2009 e o governo petista avaliou que concluiria a primeira etapa em 2012 (se o calendário Maia estiver incorreto ou prevalecendo as previsões de Isaac Newton, 1643-1727, para o ano de 2060 com fim dos tempos). Porém, refazendo suas avaliações, o governo considerou o ano de 2013, mas pelo andar da carruagem, digo, locomotiva, a coisa está mais para dezembro de 2014 ou quando Deus quiser. Nas contas dos técnicos do governo (que incluem propinas, aditivos, superfaturamento e outras bandalheiras, além da obra em si) a brincadeira pode saltar dos R$ 5,4 bilhões para os R$ 7 bilhões. Cada km da Transnordestina está sendo construído a um preço de R$ 3 milhões e alegam que está abaixo da média (R$ 5,5 milhões). Mas, afinal, o que está sendo construída? Uma ferrovia com menos de 2.000 km ou uma transiberiana? Esta possui 9.289 km, atravessa oito fusos horários e liga a Rússia Européia às províncias do Extremo-Oriente Russo, Mongólia, China e o Mar do Japão (a passagem custa atualmente R$ 2,00 ou um vale-transporte ou 1 quilo de alimento não-perecível). Esta ferrovia só foi concluída no decorrer de cinco gerações e muito superfaturamento, considerando a realidade russa (principalmente a climática) até que não foi lenta sua construção, porém quanto ao superfaturamento não é um privilégio deles, posto que nossos governos sejam imbatíveis neste particular. Segundo o jornal Diário do ABC (05.12.2011) 380 trabalhadores entraram em greve no Lote I em Missão Velha, no Cariri cearense. O trecho está sob a responsabilidade de nossa velha conhecida Construtora Norberto Odebrecht (especialista em abocanhar polpudas licitações) o que, certamente, afetará o cronograma da obra. E, por falar nisso, um fato “pegou” os “projetistas” de “surpresa”: a barragem de Cerro Azul no caminho do traçado o que acarretará em construir uma variante para contornar a represa. As Bacias dos rios Cerro Azul e Campina estão integradas, pois são paralelas e recebem as águas de uma área aproximada de 95 km 2, gerando uma vazão regularizada de 1.620 l/s, sem levar em conta a vazão de jusante, refluxo. Mas, com seiscentos diabos, nenhum técnico, engenheiro ou qualquer outro idiota simplesmente não percebeu a existência da represa? Não confiaria a estes “construtores” a execução da morada de um cachorro. A obra é privada, porém a revisão do investimento tem que ter a “benção” do ministério dos Transportes devido aos empréstimos. A CSN como detentora da concessão deverá desembolsar R$ 1,35 bilhão e, eis o hilário, de recursos próprios. O restante deverá sair do bolso do espinafrado contribuinte através do BNDES, O Bondoso, torna-se desnecessário relacionar a imensa lista de maracutaias patrocinadas por este banco; o Banco do Nordeste, envolvido recentemente no Escândalo dos Banheiros Fantasmas que, resumindo, o caso é este: a Associação Cultural de Pindoretama (uma dessas ONGs fajutas) apresentou à Secretaria das Cidades do Ceará uma lista com 200 beneficiários para a construção de banheiros e recebeu, em maio do ano passado, R$ 400 mil por um convênio para instalação dos banheiros. O endereço apresentado pela associação não existe, a nota fiscal da construtora é falsa e os banheiros não foram construídos no prazo. Depois das denúncias, alguns banheiros começaram a ser construídos na área rural de Pindoretama, mas em casas de moradores que não constam na lista de beneficiários do contrato. Ao todo, quase R$ 7 milhões foram liberados em convênios para instalação de banheiros em 37 municípios cearenses. Todos estão em investigação na procuradoria. O ex-presidente do Tribunal de Contas do Ceará, Teodorico Menezes, não fala sobre o caso, o filho dele, Thiago Menezes, disse em depoimento que foi enganado pelo tesoureiro da Associação de Pacajus e que liberou dinheiro sem saber que os banheiros não estavam sendo construídos e o outro filho do presidente do TCE, o deputado Téo Menezes, disse que está sendo acusado sem provas. Todos uns anjos. A antiga SUDENE também participará do “movimento”, criada em 1959 por JK e extinta em 2001 por FHC juntamente com a SUDAM devido à corrupção liderada por Jader Barbalho e ressuscitada em 2006 pelo presidente Lula como Adene (Agência Nacional de Desenvolvimento do Nordeste) com um capital de R$ 1 bilhão para emprestar a torto e a direito e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (Finor) alvo de uma CPI em 2001 para apurar denúncias de irregularidades na liberação e aplicação de recursos a partir de 1980, conforme denúncias constantes do Relatório do Tribunal de Contas da União, objeto da Decisão nº 199, de 19 de maio de 1995 devido a “má aplicação dos recursos públicos do FINOR já havia causado um prejuízo de US$ 532 milhões e que mais de 457 projetos que haviam sido financiados com recursos do Fundo acabaram por ser extintos, abandonados ou faliram, nos 10 anos anteriores à data do Requerimento, por ausência de critérios técnicos na liberação de recursos.” A CPI encaminhou seu relatório da seguinte forma: “Diante das referências a ilícitos penais, fiscais, administrativos e civis propõe-se o encaminhamento deste relatório, em conjunto com os documentos recolhidos por esta Comissão, ao Ministério Público Federal, para que este acompanhe a execução das determinações aqui propostas, aprofunde as investigações e avalie a possibilidade de processar criminalmente as pessoas físicas e jurídicas citadas no "item E" do Capítulo IV deste Relatório como prováveis autoras de delitos.” Pergunta ingênua, inócua e desnecessária: alguém foi punido? Resta alguma dúvida de que seremos descaradamente roubados?


Linha entre Poços de Caldas e Campinas


Este artigo teve por objetivo central fazer um breve resgate da história das ferrovias brasileiras esboçando seus planos desde o período Regencial até o atual governo e percebemos nitidamente que os interesses e conveniências políticas e econômicas sempre prevaleceram sobre quaisquer outros aspectos, especialmente aqueles que atendam o cidadão, o desenvolvimento e a geração e circulação das riquezas de uma forma total. Caso nos lançássemos num trabalho mais minucioso certamente nos depararíamos com uma infinidade de delitos, omissões, imperícias, descalabros, corrupções, desvios e toda a sorte de malfeitorias ao longo dos séculos e, neste caso, fugiria ao formato de artigo para tomar corpo de um livro o que, certamente, não há como este blog comportar. Entretanto, penso ter fornecido material capaz de instigar e remeter os leitores à reflexão. Reflexão sobre como as políticas públicas são conduzidas neste país em todas as áreas. No sujo balcão de negócios da política brasileira nem mesmo os insetos se aventuram por questões de higiene. Volto a reiterar que enquanto a sociedade brasileira não se mobilizar e ocupar todos os espaços pressionando, exigindo e desalojando os bandos que tomam de assalto o poder através de uma legislação eleitoral perversa, capenga, discricionária, inadequada e ineficiente estaremos fadados a assistirmos cada vez com mais frequência a dilapidação e a degradação deste país cuja falência acelera-se vertiginosamente, irreversivelmente. Não estou propondo pegarmos em armas, mas sim tomarmos as armas que estes facínoras apontam e disparam contra nós e inutilizá-las.


Não é uma imagem incomum em nosso país



CELSO BOTELHO

07.12.2011