segunda-feira, 30 de setembro de 2013

DE HUCK CAVALO À HUCK PANGARÉ


Tinha um sujeito lá para as bandas de Irajá que atendia pela alcunha de Huck Cavalo. Mais de um metro e noventa, cento e tantos quilos, ombros largos, os bíceps do tamanho de dois melões, o tórax mais duro que armadura dos cavaleiros medievais, cabeça raspada, olhos miúdos e o nariz assemelhava-se a duas batatas. Apesar de aparência tão assustadora não era dado a violências, falava baixo e caminhava a passos lentos. Não havia “chapa” (trabalhadores avulsos para carregar e descarregar caminhões e carretas) mais eficiente. Era um burro de carga. Assim ganhava a vida. Incapaz de fazer mal a uma mosca varejeira sequer. Porém, vez por outra, valia-se de sua aparência para intimidar e conseguir o que desejava. Fosse trabalho ou lugar no trem. Intimamente divertia-se com a covardia (prudente) das pessoas. Diante de um homenzarrão daqueles só mesmo um débil mental pagaria para ver. Mas um belo dia a casa caiu. Encontrou um sujeito de maus bofes conhecido por Ceará. Ceará era o oposto de Huck Cavalo. Um metro e sessenta, uns sessenta e cinco quilos, bíceps do tamanho de uma laranja (e das pequenas), tórax que só se mantinha rígido por causa das costelas. Havia o grupo de “chapas” de Huck Cavalo e do Ceará disputando qual deles iria pegar o serviço de descarregar uma carreta de tijolos. Huck Cavalo adiantou-se proclamando seu grupo detentor do trabalho. Ceará não se intimidou com o tamanho do concorrente e enfrentou-o avisando-o que de era grande, mas não dois e ele pequeno, mas não a metade. Huck Cavalo não esperava a reação. O blefe sempre dera certo. Olhou para os lados. Todos esperavam o desfecho da contenda. Não havia escapatória. Huck Cavalo na realidade não era de briga e tentou uma saída diplomática propondo que partilhassem o serviço. Ceará estava comprometido com o seu grupo que não aceitava partilhar ou perder o serviço. Ceará interpretou a proposta como covardia sentenciando: “se tamanho fosse documento o elefante reinava na Terra”. Foi o bastante para ferir os brios de Huck Cavalo. Incentivado por seu grupo a por o nordestino em seu devido lugar, quer seja, de novato no ramo e notadamente mais fraco, aceitou o desafio. A briga não prometia durar muito tempo tendo em vista a brutal diferença entre os competidores. Nem mesmo o grupo do Ceará acreditava que poderia sair-se bem. A lei das probabilidades indicava vitória certa de Huck Cavalo. Confiante na sua força lançou-se contra o oponente que pendeu para um lado aplicando-lhe uma espetacular rasteira. O tombo ecoara longe. Tão logo caíra ao chão Ceará, armado de um sarrafo de madeira, aplicou-lhe uma memorável surra. Duas costelas quebradas, clavícula deslocada e um talho na cabeça de uns dez centímetros. Foi levado ao hospital antes que Ceará se tornasse num assassino. Ficou desmoralizado. Sumiu da área. Ninguém sabia que fim levara. De Huck Cavalo passou a Huck Pangaré.





E por que se conta esta história? Porque na política as aparências também enganam. Para ser mais preciso, só enganam. Aliás, pode-se dizer que a política existe exatamente para enganar. Fernando Collor de Mello, por exemplo, saiu do pequeno estado de Alagoas em 1989 com uns 2% de chances de tornar-se presidente da República. Leonel Brizola o mesmo percentual em 1982 como candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro. Ambos atingiram seus objetivos. Por certo se devem considerar inúmeros fatores que se combinaram para que seus projetos fossem concretizados, mas isso é outra história. Collor enfrentou nomes consagrados na política tupiniquim como Leonel Brizola, Mário Covas, Ulisses Guimarães, Paulo Maluf e mesmo Lula com aparatos partidários sólidos. Collor foi obrigado a ter sua própria legenda. O inexpressivo PRN (Partido da Reconstrução Nacional) que herdara a nanica estrutura do PJ (Partido da Juventude). Brizola viu-se às voltas com o escândalo da Proconsult que quase impediram sua eleição. Não é incomum que os Ceará da vida vença os Huck Cavalo. O senador Aécio Neves quer se mostrar um Huck Cavalo quando, na verdade, não passa de um Huck Pangaré ou menos ainda. Que o arroto dos políticos brasileiros é excessivamente maior que suas bocas todos já sabem. O que nos irrita é a cara de pau de Suas Excrescências, digo, Excelências. O jovem mancebo apareceu de mãos dadas com o Beto Richa, governador do Paraná, seu desafeto. A tiracolo estava o senador Álvaro Dias (“eu não pinto o cabelo”) e saiu-se com esta “pérola”: "O papo é reto: está chegando a hora de enfrentarmos o PT. Devemos nos preparar para o embate e debate em todos os cenários". “Papo reto” não devia ser termo empregado pelo senador com pretensões à presidência da República, posto que seja marca registrada de traficantes e bandidos de todos os matizes. Decerto que Lula falava coisa pior. E bota pior nisso! Mas Lula não se arvorava de possuir diploma universitário, ter avô do calibre do Dr. Tancredo Neves e muito menos ter tido uma infância e adolescência de regalos. Pelo contrário, orgulha-se de sua origem humilde e de sua colossal ignorância. Aquela impossível de ser revertida e esta por absoluta indolência mental. Depois de doze anos de governo petista somente agora o senador percebeu que o PT deve ser combatido? O Partido dos Trabalhadores deveria ter sido combatido desde sua criação. Hoje a única opção que resta é fechá-lo para todo o sempre. O que os “luminares” do PSDB e do DEM estavam fazendo para ignorarem a ameaça petista? Onde os “iluminados” da oposição e da grande imprensa estavam para ignorarem o Foro de São Paulo e seus objetivos diabólicos? Estavam brincando de representantes da sociedade, desviando e desperdiçando verbas públicas, fechando negócios escusos, lesando a nação, protegendo salafrários e cometendo tantos outros crimes. A oposição no Brasil está restrita a disputa de cargos. Nenhum dos trinta e dois partidos existentes não se presta a outra coisa a não ser obtenção de cargos e privilégios. Como poderia se dar um embate entre comparsas? Somente se uma das partes rompesse com a outra. Na eleição de 2010 o PSDB com José Serra (Papinha de Alface Light) estava mais para cabo eleitoral do PT, sequer teve coragem de denunciar e esclarecer aos eleitores o que realmente é o Foro de São Paulo. Em 2002, disputando com Lula, o mesmo José Serra em sua última pergunta ao candidato Lula quis saber o que faria pelos transportes urbanos. Ora, inquirir a um postulante à presidência da República sobre uma questão estritamente de âmbito municipal é de uma imbecilidade paquidérmica. E de que tipo de debate o ex-governador mineiro estava falando? Debate ideológico não pode ser, posto que há muitas décadas isto já foi suprimido da política nacional. Muito inteligente a estratégia da suposta oposição brasileira de primeiro deixar o adversário estabelecer-se e fortalecer-se para depois combatê-lo. Fica absolutamente evidente que o PSDB jamais foi oposição ao PT e sim um colaborador mal disfarçado. Da maneira que Aécio Neves falou fica explícito que até então o partido que preside não era oposição ao Partido dos Trabalhadores, sua função era mostrar-se a direita da esquerda. Uma direita que toda esquerda ama, cultiva e venera porque jamais lhes farão qualquer mal. O Partido Democratas (antigo PFL) aspirava ser uma direita conservadora, porém acabou se tornando um apêndice do PSDB. O DEM pode ser explicado com o refrão daquela musica lançada no ano de 1974 de João da Praia (Antonio Jorge Zacarias, 1950-1988) “aonde a vaca vai o boi vai atrás”.



O senador, empolgado, disse: "A militância do PT não está nas ruas porque está empregada nesses cargos comissionados do governo federal. Nossa unidade vai nos levar à vitória. A luta começou". É líquido e certo que o governo petista nesta dúzia de anos que está no poder empregou inúmeros militantes, comparsas, cúmplices, simpatizantes, patifes, trapaceiros, bandidos e puxa-sacos, mas acomodar todos eles é simplesmente impossível. É muita ingenuidade ou ignorância afirmar que a militância petista não está nas ruas desde junho passado. Apenas não se identificaram, não se expuseram como, aliás, foi-lhes determinado. O senador fala em unidade dentro do partido como se isto fosse uma realidade. Ignora completamente os inúmeros correligionários que apoiam José Serra? Ele próprio propôs prévias para decidirem sobre quem deverá sair candidato pela legenda. Aécio não é uma unanimidade, porém, salvo chuvas e trovoadas, será o candidato do partido para a sucessão presidencial em 2014.



Em 2014 certamente não irá surgir nenhum Ceará para derrotar o Huck Cavalo transformando-o em Huck Pangaré. Marina Silva é reconhecida pelo eleitorado como ambientalista e isso não basta para convencê-los. Eduardo Campos está apenas ensaiando para 2018, é desconhecido pela maioria dos eleitores, não possui sequer um discurso que possa empolgar. Aécio Neves fará o ingrato papel de saco de pancadas do PT acrescentando eleitores e conduzindo Dilma (ou Lula) à vitória. Talvez Joaquim Barbosa possa desempenhar o papel de Ceará na disputa presidencial, mas o mais provável é que apenas amedronte o Huck Cavalo.



CELSO BOTELHO

30.09.2013