segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

PARLAMENTARISMO

O assunto é mais que requentado. No entanto, não podemos desprezá-lo.A primeira experiência que tivemos com o sistema parlamentarista de governo foi durante o Império e, em meio século, caíram cinco ministérios. A adoção desse sistema no Brasil já foi decidida nas urnas por duas vezes, uma em 1961 por ocasião da renúncia do presidente Jânio Quadros e a ascensão do vice-presidente João Goulart que desde os tempos de Vargas como ministro do trabalho não era visto com bons olhos pelas Forças Armadas especialmente por sua tendência esquerdista e assim tornou-se um impasse que fora transposto pelos militares ao “convencerem” as lideranças partidárias como única solução a adoção de um regime parlamentarista que, certamente, o alijaria do poder e assim foi parida a EC N.º 4 de 02.09.1961 instituindo o sistema parlamentarista para dar cabo de uma crise política.A experiência durou apenas quinze meses com a participação de três primeiros-ministros. Goulart com o mandato amputado trabalhou para que acontecesse um referendo popular e o sistema presidencialista saiu vitorioso devolvendo ao presidente todas as suas prerrogativas.No entanto, nas casernas, a conspiração esvaziada em 1954 com o suicídio de Vargas voltava a ter consistência e, em 1964, o presidente foi deposto e os militares tomaram o governo.Em 1993 um dispositivo constitucional determinava a realização de plebiscito para consultar o povo sobre a forma (república ou monarquia) e o sistema (presidencialista ou parlamentarista) de governo obtendo a desaprovação da maioria dos eleitores os parlamentaristas ficaram nas sombras até então.Na época poderiam ter explorado mais a seu favor o impeachment do presidente Collor.Podemos concordar que as campanhas foram mal elaboradas de uma maneira geral, a inclusão da forma monárquica na consulta foi um acordo e não uma conquista dos pouquíssimos adeptos. Muitos parlamentaristas de hoje foram arraigados presidencialistas de ontem, alguns tornaram-se até presidentes.Culturalmente o político brasileiro não é um apaixonado pelo sistema parlamentarista porque,bem ou mal, ele castra a personificação que massageia seus superegos além, é claro, de reduzir extremamente o seu poder.De forma que para defender o parlamentarismo haviam importantes lideranças, mas que não chegaram a cativar a população. Os presidencialistas eram (e são) o poder e, no Brasil, quem ali está pode praticamente tudo e, assim sendo, aconteceu um forte direcionamento da vontade popular para confirmar o sim ao sistema presidencialista capenga no qual estamos há mais de cem anos. Há também a mais completa desinformação da população a cerca de como funciona o sistema proposto.Comparar países que o adotaram com o Brasil é, no mínimo, estrambótico.Os parlamentaristas de carteirinha não levam nenhum dos fatores regionais que os levaram a dar certo, tais como a formação cultural, geográfica, histórica, econômica, etc. O que nos leva a crer na existência de interesses inconfessáveis, notadamente se tratando de algumas conhecidas figuras públicas ou privadas.

Durante a elaboração da Constituição Federal de 1988 conseguimos reunir uma assembléia díspare.Além dos corriqueiros fisiologismos, corporativismo e outros “ismos” contamos também, à época, com duas fortes tendências: a esquerda e a direita. O comunismo ainda não havia sido pulverizado de todo e o neoliberalismo dava o ar de sua graça (e desgraça) continentes a fora.Outra circunstância muito importante durante aquele período deve-se ao fato de que acabávamos de nos livrar de uma ditadura militar que perdurou por duas décadas e havia quase um consenso e colocar tudo na nova Carta por mais desnecessário que fosse, vivíamos o fracasso absoluto do Governo Sarney, instalado num momento inquietante onde só pairavam incertezas.O PMDB, apesar a esmagadora vitória eleitoral de 1986, quando conseguiu deter 303 das 580 cadeiras no Congresso Nacional, além de vinte e cinco governadores nos então vinte e seis Estados e de 70% a 80% dos prefeitos e vereadores, foi subjugado curvando-se aos caprichos do presidente da República e, desta forma, fragmentado o que, aliás, é condição que perdura até hoje. A partir da anistia concedida ainda no Governo Figueiredo, último presidente militar, e o retorno ao pluripartidarismo a dispersão foi intensa, tanto é que as eleições presidenciais de 1989 contavam com mais de duas dezenas de candidatos, indo das figuras jerissáticas como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, passando pelas exóticas como Enéas Carneiro e um tal de Pedreira terminando na polarização entre o sindicalista Lula e o ex-governador do Estado de Alagoas Collor de Melo. Outras questões, internas e externas, contribuíram imensamente para a composição da Carta Magna de forma decisiva. A Constituição Federal de 1988 foi pautada por um excesso incomum de artigos na elaboração de qualquer lei maior seja aqui ou alhures.Vinte anos mais tarde ainda existe uma substancial quantidade deles que não foram regulamentados.Esse detalhamento cria situações jurídicas institucionais controversas e plenamente favoráveis as interpretações mais convenientes nesta ou naquela circunstância política. A forma híbrida de sistema de governo verificado nesta Constituição proporciona o surgimento de crises de intensidade moderada, isto mais pelo imenso apego ao poder e sua benesses de nossos políticos e menos por outros quaisquer sentimentos pragmáticos.Posso dizer que aprovou-se um texto semelhante ao parlamentarista para um sistema tradicionalmente presidencialista. E ai surgem os permanentes conflitos entre o parlamento e o Executivo que são constantemente solucionados ou contornados com a famigerada barganha que, normalmente, exclui a capacidade contemplando outros interesses políticos nem sempre confessáveis.Somente para ilustrar podemos citar o caso do presidente Collor. Excluindo-se o mérito das acusações e a sua culpabilidade ou não naqueles episódios, constatamos que houve uma orquestração sincronizada no parlamento para apeá-lo do poder movidos por mágoas pessoais, articulações frustadas de setores fisiológicos e corporativistas tanto da Câmara Federal quanto do Senado Federal irrigados por segmentos econômicos completamente desconfortáveis com o novo governo e temerosos diante da possibilidade de terem privilégios esgotados. O PT, surgido dos movimentos sindicais ainda durante o regime militar, estava afinado com sindicatos, movimentos reinvindicatórios, entidades representativas civis e,portanto, possuía grande influência e capacidade de articulação para insuflar a população com a colaboração efetiva da mídia que havia se tornado o arauto da moralidade amplamente financiada pelos grandes empresários.Atropelando prazos e cerceando o direito de ampla defesa assegurado pelo Estado Democrático de Direito o parlamento brasileiro desconstituiu um governo legítimo num sistema presidencialista onde nem a renúncia do presidente impediu a imposição de uma perda de direitos políticos por oito anos completamente ilegal.É, portanto, imprescindível que decidamos qual o sistema de governo que adotaremos,pois, não há como ficar em cima do muro o tempo todo.

Quando digo, e não sou só eu, que nosso sistema é híbrido invoco a premissa de que o sistema parlamentarista caracteriza-se, entre outras tantas coisas, da dependência do poder Executivo de receber o apoio, direto ou indireto, do parlamento a fim de que seja constituído e possa governar. Esse respaldo normalmente expressa-se no que chamamos de “voto de confiança”.Os poderes Legislativo e Executivo encontram-se num estado de separação permanente.Em nosso país onde as crises e os escândalos proliferam como coelhos tarados o sistema parlamentarista pode acenar com a solução imediata exercendo um “voto de censura” que implicará, imediatamente, na queda do governo e, em alguns casos, na dissolução do parlamento com a convocação de novas eleições legislativas e isso sem o trauma de qualquer rompimento político.Visto desta forma podemos aceitar a idéia de que é um antídoto eficiente contra os mandos e desmandos da administração pública federal.Porém, devido as características do Brasil, devemos nos acautelar quanto a possibilidade de nos depararmos com sucessivos governos de estabilidade precária.Então são condições incontestáveis a realização de profundas alterações na legislação e, ai está a tão propalada e sempre adiada reforma política que deverá trazer uma substancial reforma eleitoral abordando temas como financiamento de campanhas público ou privado, fidelidade partidária,ineligibilidades, eleições proporcionais e majoritárias com listas, sem listas, abertas ou fechadas, voto distrital simples ou misto, suplências, e por ai a fora.Precisamos estabelecer parâmetros muito bem definidos com uma legislação partidária responsável com o estabelecimento de regras que elimem a nefasta figura dos caciques partidários. Sem que se pretenda impor censura ou amordaçar os meios de comunicação de massa é importante que tenhamos uma regulamentação que iniba a prática de atos anti-éticos ou mesmo ilícitos. Não é novidade alguma os meios de comunicação de massa veicularem notícias falsas, imprecisas e mesmo caluniosas que, certamente, exercem influência na hora do voto .Exemplo nítido disso foi o depoimento da filha do candidato Lula exibido em cadeia nacional no horário do candidato Collor na campanha de 1989, certamente este fato isolado não decidiu aquela eleição, penso que isto ficou por conta do último debate na televisão, porém muitos votos evadiram-se.Finalmente determinar, sem utopias, as formas concretas de participação popular na condução dos negócios da Nação sem os eufemismos até então registrados. A iniciativa popular de leis é fundamental como contraponto no amplo poder de decisão que os partidos políticos e o Legislativo detem.Na prática vivenciamos governos de coalizão, nenhum presidente da República até hoje conseguiu eleger maioria. O assunto é bem complexo e exige uma explanação bem simples na forma e consistente no conteúdo para que a maioria da sociedade possa compreender, assimilar e decidir qual o sistema de governo que melhor adapta-se as circunstâncias brasileiras e que modificações serão necessárias para que seu funcionamento não seja prejudicado ou interrompido pelos motivos mais diversos e alguns já previsíveis.

Antes de mais nada precisamos determinar, com precisão, o que vem a ser plebiscito e referendo.Pois,de outra forma, estaremos completamente aptos ao erro.O plebiscito está definido como uma consulta ao povo de uma lei ainda há ser constituída, de forma que possa aprovar ou rejeitar as opções que lhes são apresentadas.Então a sociedade estará deliberando sobre um determinado assunto. O referendo é uma consulta ao povo após uma lei ser constituída cabendo-lhe ratificá-la ou não.Neste caso a sociedade delibera sobre outra deliberação já tomada pelo Estado.Existe uma armadilha no plebiscito e foi consumada exitosamente no ano de 1933, em Portugal, quando se delegou poderes ilimitados a Salazar e, neste caso, até as abstenções foram contabilizadas como “sim”.Os plebiscitos em sua essência são participativos e nunca delegatórios.Por isso mesmo devem constar nas constituições dos países democratas como “cláusula pétrea” impedindo a ação maquiavélica dos golpistas de plantão que,desta forma, não terão mandatos ampliados ou reduções democráticas que os favoreçam.Em 1993 foram feitas duas perguntas: sobre a forma e o sistema de governo.A forma republicana ganhou de 49,2% a 7,5% da monárquica. O sistema presidencialista obteve 41,16% e o parlamentarismo 18,3%. No entanto, se somarmos os votos brancos, nulos e abstenções ficamos com 40,47%, portanto, há que se admitir que considerável parcela da população não estava motivada pelo assunto.Isso devido ao seu desconhecimento e o descrédito da atuação parlamentar, historicamente fisiológica no Brasil seja em que sistema for.

Para que possamos tomar uma posição contrária ou não ao parlamentarismo ou ao presidencialismo em primeiro lugar devemos conhecer minimamente o sistema. Não me parece que seus defensores estejam engajados numa campanha de esclarecimento correto, isento.Ao contrário, somente apontam para os caminhos que lhes interessam.Penso que uma mudança tão radical deve ser precedida de todas as informações possíveis de forma impecável, transparente e sem paixões e, certamente, este é um papel destinado não exclusivamente à imprensa, mas sobretudo a ela.De outra forma continuaremos sob o domínio dos mercenários que tomaram de assalto a ordem estabelecida ou a estabelecer-se no país.O canto da sereia pode ser tentador, no entanto,certamente nos levará para as profundezas do oceano onde o desconhecido impera.Então precisamos estar vigilantes e preparados para este embate que, mais dias menos dias, inevitavelmente irá acontecer trazendo consigo arapucas sofisticadas que encerram a mesma finalidade daquelas mais rudimentares: aprisionar-nos e nos manter encarcerados numa jaula de ignomias.

Celso Botelho

25.01.2008