quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

PARLAMENTO DE CAVILAÇÃO

PARLAMENTO DE CAVILAÇÃO

Então está combinado: a CPI finge que investiga o uso indevido dos cartões corporativos, o governo finge que não interferirá a favor da preservação de seus interesses políticos e pessoais e a sociedade... Bem, a sociedade precisa e deve manifestar seu repúdio de maneira mais contundente ao embuste que está por consumir-se no parlamento de cavilação. Urge que as entidades representativas da sociedade civil libertem-se de uma apatia nociva à nação. Qualquer deslize com o dinheiro público, seja de qualquer montante, é inaceitável e a sociedade deve responder imediatamente exigindo o cumprimento da lei para a manutenção da ordem. Os governantes brasileiros sempre se acharam acima do bem e do mal. Cultivaram, durante séculos, o ignóbil hábito de mandar e desmandar, fazer e desfazer eximindo-se da prestação de contas. E isso sob os mais diversos pretextos. No momento alegam a segurança pessoal e dos familiares do presidente respaldados por um dos entulhos da ditadura que é o Decreto nº. 200 de 25.02.1967 combinado com o Decreto nº. 3.892 de 20.08.2001 que cria o famigerado cartão corporativo alterado pelo Decreto nº. 5.355 de 25.01.2005 e finalmente remendado pelo Decreto nº. 6.370 de 01.02.2008, mas que só entrará em vigor em março. Portanto , a corrupção, o desvio, o desperdício e malversação do dinheiro público não são invenções ou privilégios do governo Lula. Porém, os sucessivos escândalos durante sua administração envolvendo agentes públicos são de sua inteira responsabilidade.

Os desacertos a partir de 2003 nos remetem a duas indagações. Primeira: qual foi de fato o acordo costurado para blindar o presidente, especialmente após o episódio do mensalão? Segunda: que espécie de torpor envolveu o eleitorado brasileiro para optar por reconduzi-lo à presidência da República? Para ambas as indagações poderemos enumerar dezenas de possíveis motivos. Para a primeira surgiram até pseudos patriotas a defender a imagem do país no exterior caso a CPI do Mensalão atingisse o presidente e, conseqüentemente, redundasse num processo de impeachment com intervalo pequeno do anterior e, sendo assim, decidiram poupá-lo sem abrir mão de sangrá-lo e esta justificativa pode ser considerada infame. Na segunda, por diversas circunstâncias, aconteceu o descolamento da figura presidencial de todos os imbróglios nos quais seu partido estivera (e está) envolvido; a ausência de uma liderança oposicionista que empolgasse; a incompetência de articulação da sociedade organizada; as ações sociais de grande apelo populista e de suspeita eficácia, porém, extremamente oportuna eleitoralmente e, não nos esqueçamos, a adoção de um elenco de posturas governamentais profundamente benéficas (rentáveis) aquela minúscula parcela da população que detém o controle efetivo das riquezas da nação. No entanto, estas constatações pinçarão, no máximo, num pequeno retângulo de todo o quadro. A verdadeira dimensão do fenômeno Luis Inácio Lula da Silva será convincentemente explicada pela História. Contudo, as repercussões de sua passagem pelo governo surtirão efeitos num futuro próximo.

Nosso parlamento é um caso atípico no mundo. Seja pelas regras que os constituem, pela legislação eleitoral que os formatam nas urnas. De qualquer forma o latente corporotavismo e fisiologismo assomaram-lhe o controle excluindo todas as prioridades da sociedade. O índice de comprometimento leviano e asqueroso entre Executivo e Legislativo e sua contaminação no Judiciário nos revela uma relação promíscua, tempestuosa quando interesses se interpõem. Tudo indica que, facilmente, esta CPI será mais um engodo, uma manobra onde se preservará o praticante em potencial do delito enquanto os delituosos de menor envergadura, e não menos delinqüentes, serão expostos à execração pública numa ardilosa tentativa de satisfazer a sede de justiça de uma sociedade vilipendiada de todas as formas, com culpados. E esta não será a primeira vez que tal ocorre e, desgraçadamente, não será a ultima.

Separar o joio do trigo nesta monumental plantação de facínoras profissionais é missão praticamente impossível. O fato que deverá ser determinante será a capacidade de articulação da sociedade promovendo um estrondoso e pacífico questionamento das atividades parlamentares não só com relação a este fato em si, mas a todo o procedimento do Congresso Nacional que nos últimos anos vem sofrendo uma deteriorização incessante suscitando até a dúvida sobre a necessidade de sua existência. Não concebo a República sem um Congresso Nacional, porém, convenhamos, este que está ai deve esforçar-se mais se desejar ser medíocre, omisso, permissivo e inútil, por ora está abaixo dessas qualificações. Não ocorrerão mudanças substanciais ou necessárias neste país caso a sociedade não se articule e estabeleça uma agenda que possa atendê-la senão na plenitude ao menos no essencial.

Celso Botelho
13.02.2008