sexta-feira, 20 de junho de 2008

MEIA VOLTA, VOL... ÚLTIMA FORMA!


Não sou um especialista em segurança pública. No entanto, atrevo-me a tecer algumas considerações como cidadão sobre este desastre que é a expansão e consolidação das organizações criminosas em nosso país, especialmente no Estado do Rio de Janeiro. A perda de autoridade do Estado brasileiro é fato consumado em todos os níveis da administração pública e, sabemos, podemos agradecer isto aos seus agentes ao longo dos anos. Sejam quais forem os motivos e/ou as circunstâncias, normalmente escusas, que os levaram a tomar esta ou aquela decisão ou, eis o pior, não as tomarem ou ainda promoverem perseguição implacável a quem as ousasse tomar. Neste caso a responsabilidade é histórica. Poderia citar um sem-número de equívocos das “autoridades competentes” explícitos até mesmo para um leigo e só não o farei por questão de higiene. A guerra está declarada há muitos anos e seu arrefecimento não se dará com o clamor histérico de que somente as Forças Armadas tem a capacidade de por ordem na zona (vide 1964). Posso até entender que a sociedade, desesperada e sem visualizar a médio ou longo prazo qualquer restabelecimento da ordem, empenhe-se em defender a alternativa para ter seus direitos constitucionais minimamente respeitados. Porém, não aceito que administradores públicos ergam essa bandeira que, de fato e de direito, outorga a si próprios, além de um belo certificado de incompetentes um vistoso diploma de asnos empedernidos. E, para tornar tal bandeira mais espalhafatosa, invocam o Art. 142 e 144 da Constituição Federal de 1988. A legalidade das Forças Armadas intervirem parece indiscutível na letra fria da lei. E, para mim, lei e ordem existem para serem cumpridas. No entanto, não é muito comum, ao menos na cultura ocidental e mais especificamente na América Latina, que se cumpram ordens absurdas ou leis, pelo menos ao pé da letra. Neste caso há uma necessidade de flexionar-se a lei e não desobedecer-lha. A questão move aspectos delicados, sensíveis à manutenção do Estado Democrático de Direito e a preservação de latitudes e longitudes sociais e não poderá ficar à mercê de uma horda de politiqueiros preocupados em ganhos eleitorais imediatos e outros rendimentos inconfessáveis. Transparece uma intenção diabólica de combater o terror com o terror e isso já foi feito em outras épocas sob outros pretextos, porém, com argumentos semelhantes.

A atrocidade cometida por integrantes do Exército numa favela do Rio de Janeiro não pode ficar impune, entretanto, outros responsáveis devem ser apontados, acusados, indiciados e igualmente ou até com maiores rigores punidos. O desfecho do lamentável episódio todos nós sabemos e o que desejamos é fazer uma reconstituição desde os primórdios da malfadada autorização para a ocupação daquela comunidade. Pedidos de desculpas não suavizam a dor da perda e não reverte a desgraça e muito menos sossega a sociedade. Os governantes brasileiros, civis ou militares, eleitos ou não, de esquerda ou de direita, não sabem diferenciar autoridade de beligerância, truculência e tortura. Esse lamaçal está muito mais fétido do que se possa imaginar. Penso que seria bem mais prudente dar-se uma meia volta nesta obsessão de por as Forças Armadas nas ruas. Certamente isso jamais poderá atender as expectativas da sociedade, sejam elas quais forem.

Celso Botelho

20.06.2008