domingo, 16 de agosto de 2009

CARTA AO ONOFRE III


Prezado amigo Onofre devo reiterar que os dias passados ai em seu sítio foram completos em todos os sentidos. Sua hospitalidade, amizade, boa companhia, excelente conversa e, não poderia deixar de acrescentar, a inigualável comidinha e quitutes preparados pela encantadora Veridiana, aproveito para fazê-lo portador de meu abraço afetuoso reiterando minha admiração à criatura tão meiga, inteligente e de comportamento irrepreensível. Com tais palavras espero que não te metas a marido enciumado e me ponha um ralho. Sabes bem o respeito que nos devotamos ao longo destes... deixa estar quantos anos são, digamos que nossa amizade começou no século passado e pronto. Mas voltando a minha estada neste seu pedacinho de chão precioso relembro nossas conversas, após as maravilhosas iguarias preparadas e servidas por Veridiana, quando afundávamos nas espreguiçadeiras existentes na varanda e íamos, alheatoriamente, abordando este ou aquele assunto. Meu dileto amigo sempre mais radical, sem deixar de ser racional e eu pouco mais conciliador o que, decerto, não me faz mais racional. De prosa em prosa divagamos, em certos dias, madrugada adentro sob o brilho de uma lua cheia, brilhante, hirta. Pedi que avaliasse a crise no Senado Federal ao que me inquiriu de chofre: Qual? Em que gestão? Sorri. É verdade. Era necessário ser mais explícito. Então achei por bem começarmos pela atual com o senador José Sarney (PMDB-AP) e, havendo tempo, paciência e fontes acessíveis retrocederíamos até chegar – quem sabe? – ao Marquês de Santo Amaro (José Egídio Álvares de Almeida, 1767-1832), seu primeiro presidente. Certamente não iríamos tão longe então concordamos em nos ater a picaretas mais recentes como Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA, 1927-2007), Jader Barbalho (PMDB-PA), Renan Calheiros (PMDB-AL), com gestões onde as consequências de suas patifarias são mais palpáveis, ao menos para os mais imediatistas.


Onofre, meu querido amigo, frustrou-me enormemente ao não fazer uma de suas esclarecedoras preleções para melhor ambientar-me em suas perspectivas e, assim, acompanhá-lo no raciocínio. Mas, considerando o assunto, creio haver julgado desnecessária. Você bateu o martelo e sentenciou que a única alternativa, lamentavelmente, era simplesmente fechar as portas da Instituição, cassar os mandatos e punir os malfeitores com exemplar severidade. Confesso haver ficado um tanto embasbacado. Por mais radical que sempre fora não contava com uma solução tão pratica, imediata e reducionista. Levei algum tempo para assimilar a preposição, pois, certamente, haveria mais coisa além do enunciado. Então me interrompeu antes que pudesse ter qualquer reação conciliadora dizendo não ter recorrido a qualquer subterfúgio sendo o exposto exatamente o que pensava e desejava. Desta feita fiquei aparvalhado. Onofre, mesmo radicalizando, fornecia elementos que poderiam convencer ao mais cético dos homens e, naquele momento, abria mão de todo e qualquer argumento que pudesse justificar seu posicionamento. Refeito beberiquei o cafezinho que Veridiana nos servia bem a tempo. Meu amigo de longa jornada olhava-me de soslaio com um risinho irônico no canto da boca saboreando minha reação. Expressão marota, traquina e inconsequente. De fato, a amargura, o ressentimento, a desesperança haviam tomado conta de todo aquele ser. Porém, não satisfeito, quis que esmiuçasse sua sentença ao que aquiesceu.


- Fomos companheiros numa causa durante muitos anos. Militamos lado a lado por aquilo em que acreditávamos. E em que acreditávamos? Estabelecer o Estado Democrático de Direito; numa redução drástica da perversa concentração de renda; numa distribuição de renda mais equitativa; na justiça social; numa reforma agrária que fixasse o homem no campo e o estimulasse a produzir; numa reestruturação da política tributária, previdenciária, eleitoral, etc.; na elaboração de um arcabouço jurídico enxuto, funcional, célere e muitas outras coisas. Comemos o pão que o diabo amassou com o rabo e depois se negou a comer para assistirmos isso que ai está? Todo aquele empenho de tantos que foram perseguidos, presos, torturados, exilados e mortos para obter-se este resultado? Até mesmo muitos que estiveram ao nosso lado praticam abertamente todo o tipo de delito que condenávamos e até mais graves. Pergunto-me frequentemente se valeu a pena, o custo ultrapassou todo e qualquer benefício que possamos ter alcançado. Após 1985 não houve um único governo comprometido de fato com a nação brasileira e sim em massacrá-la, dilapidá-la, rifá-la. Poderá você exortar-me sobre a esperança que não deve ser perdida, mas – venhamos e convenhamos – são um quarto de século dedicados à corrupção, ao desvio e desperdício de recursos públicos, fraude, roubo, engodo, nepotismo, corporativismo, fisiologismo, casuísmos, assistencialismo eleitoreiro e bandalheiras de todas as naturezas. Como manter acessa a chama da esperança? Caso nestes últimos vinte e cinco anos se cometesse erros na tentativa de acertos bem que poderia nutrir esperança de que o objetivo seria alcançado, porém, bem sabe, não se deu desta maneira. Falamos agora do Senado Federal, no entanto, os três poderes da República estão infectados consumindo-se com os mesmos vícios. Dificilmente encontrará um compatriota nas ruas que deposite fé no Executivo, Legislativo ou Judiciário porque os fatos surgem e as ações que seriam pertinentes simplesmente não acontecem. A impunidade assumiu gigantesca proporção criando no imaginário popular a ilusão de que se pode, perfeitamente, burlar a lei sem, ou com o mínimo possível, de conseqüências. E quando uma sociedade incorpora inversões de valores podemos visualizar sua eminente derrocada em todos os aspectos humanos e materiais. Portanto, fechar o Senado Federal não podemos dizer que seja uma solução reducionista, pois, não se pode reduzir o nada em coisa alguma. Fomos lesados, meu amigo, com a Nova República, com o Brasil Novo, com o Neoliberalismo e com o Brasil Um País de Todos. Estelionatos político-eleitoral-econômico-social hediondos. E o panorama atual não nos remete a melhores perspectivas para o próximo ano, mesmo porque eleições neste país valem tanto quanto um tostão furado. Dentre todos os seus membros existe um único que seja sincero? Acho difícil. Mesmo que o seja nas palavras não demonstram nas ações, foram ao longo dos anos omissos, permissivos, coniventes, perfeitos oportunistas. Então caso existam diante disso estão descartados. Este Senado Federal está carcomido desde seus alicerces o que compromete todo edifício e, assim sendo, nada mais natural que implodi-lo abrindo espaço. Assistimos seu fechamento em 1977 pelo então presidente Geisel e protestamos, a nação foi afrontada. Hoje, é um paradoxo, protestamos pela sua manutenção e a nação há de sentir-se aliviada. O Senado Federal tornou-se um fardo insuportável para a sociedade e sua necessidade de existir não se justifica. Não há proveito algum em alimentar serpentes em nossas casas, posto que algum dia vá nos morder. Caso queiramos reverter toda essa baderna só nos resta uma opção: as ruas. Ocuparmos as avenidas, ruas, praças e exigirmos as mudanças, pressionarmos ao máximo, fazer valer nossa cidadania, nossos direitos, nosso apreço a lei, a ordem, a moral e a ética. Não há outro meio para deixarmos de sermos reféns destes pífios, canalhas, ladrões que se apossaram dos recursos públicos transferindo-os para si, para parentes e aderentes e amigos. Ficarmos sentados em casa favorece grandemente estes trastes que ai estão. Precisamos defender da ação nociva desta gente algo maior do que nós próprios: o Brasil.


Não é que o meu amigo Onofre tem razão.


CELSO BOTELHO

16.08.2009