sexta-feira, 19 de junho de 2009

CARTA AO ONOFRE ( II )


Prezado e caríssimo Onofre satisfeito fico em saber que goza de boa saúde, excelente humor e recursos razoáveis para ir tocando sua vida ai no sítio. Não me há de faltar oportunidade de tudo largar e arribar até este encantador pedacinho de chão. Porquanto, querido amigo, hás de contentar-se com as missivas. Pois muito bem, caso vos dissesse que haveria alguma coisa surpreendente acontecendo certamente seria invencionice minha e, bem me conheces, minhas narrativas são a cerca do que ocorre, sem um mais ou um menos. Não é novidade para ti que a República brasileira está em pandarecos há tantos anos que já nos esquecemos quando exatamente poderia ter começado a ruir ou, eis o pior, talvez tenha sido erguida sobre escombros. Sabes tu perfeitamente que entra legislatura sai legislatura e a qualidade moral dos integrantes do velho Senado Federal anda de mal a pior. Seus membros tornam-se mais conhecidos pelas páginas policiais dos noticiários do que naquelas dedicadas à atividade política, pois, uma fundiu-se à outra proporcionando assim vantajosa economia de papel para os editores de jornal, de telejornais e radiofônicos, estes últimos no que concerne ao tempo.


Quando eu e tu, por exemplo, pensamos já havíamos visto (mesmo sem entendermos) boa parte das coisas na política sempre uma novidade nos arrebata deixando-nos, pois, com cara de babacas. É, deveras, humilhante encontrarmos-nos nessa condição dileto amigo após termos atravessado o causticante rio do autoritarismo durante duas décadas. Não que naquela época não existissem canalhas. Pelo contrário, contávamos como uma quantidade apreciável deles e, sabemos, alguns continuam circulando por ai serelepes realizando “negócios” muito mais arrojados que outrora. Porém, contávamos também com a censura que os protegia e nos tolhia, cerceava e perseguia. Os milicos só não faziam chover porque os índios se recusaram a ensinar-lhes a dança da chuva. Mas, por ora, deixemos tais lembranças de lado.


Onofre, eterno companheiro de outras lidas, não é que desta feita descobriu-se que o Senado Federal vinha praticando edição (sem publicá-los, naturalmente) de “Atos Secretos” para nomear, exonerar, aumentar salários, criar cargos e tal. É isto mesmo. Imagino-o pasmo e, se me permite dizer, embasbacado. O diabo que ninguém sabia de nada, o que caracteriza um caso sobrenatural meu petrificado amigo. Ghost. Eis a palavra mais moderninha, posto que em nossa época disséssemos simplesmente que fora trabalho de assombrações. Daquelas perversas que vagueiam pelo espaço e na primeira oportunidade pimba! Nos sacaneiam em grande estilo. O presidente da Casa, nosso conhecido de outros tempos, o senador José Sarney (PMDB-AP), segundo parece, está mais envolvido que o planeta Saturno em seus anéis. Mas o homem, plagiando o presidente Lula, O Ignorante, jura de pés junto que de nada sabia, mesmo tendo-se em conta que exerce a presidência da Instituição pela terceira vez (não digo que conta de três foi o diabo que fez!) e é senador desde o período jurássico ou mesmo o anterior. Invoca até o nosso maltrapilho Estado Democrático de Direito para a proteção dos supostos delinquentes. A anarquia desfila imponente nos três poderes da República: uns viram, mas não sabem; outros sabem, mas não viram.


Sabes tu do meu apreço pela Instituição Senado Federal. Lembras bem do pacote de abril em 1977 quando o então general-presidente de plantão Ernesto Geisel o fechou? Ficamos calados? Aprovamos a truculência? Obviamente que não. Desconfio que o militar deixou grande quantidade de papel por lá e que até hoje nos empacotam com ele. Tenho lido e ouvido, há bastante tempo, este ou aquele, defendendo seu fechamento. Não entendo que seja solução adequada a despeito de toda indignação que nos causa as práticas criminosas de seus membros. Substituir as peças corroídas de uma máquina seria a atitude elementar, racional. Porém, em se tratando do Senado Federal não é tão simples, pois, estamos diante de um impasse: a substituição de seus integrantes via voto não garante em nada que será transformado para melhor tal a ineficácia do sistema representativo (substituir por suplentes nem é bom pensar). Enxotar todo mundo de lá e mantê-lo aberto é impossível. Tenho cá minhas sugestões, algumas das quais tens conhecimento profundo. Umas se apresentam perfeitamente exequíveis, outras necessitam de mais apurada elaboração. Contudo, são perfeitamente discutíveis ao levarem em conta os valores democráticos, a aplicabilidade, a funcionalidade e por ai a fora. Certamente na hora mais apropriada as farei públicas, caso não me atrase ou que “eles” não se adiantem. É um risco que se corre.


Onofre, uma vez mais, agradeço a atenção que me dispensa e reitero minha admiração e respeito. Sabes que não me comunico contigo mais amiúde devido à escassez de tempo (lá se foi o tempo que, jovens, tínhamos todo o tempo do mundo). Cá do meu sótão encontro-me entretido em leituras, estudos e redigindo este ou aquele artigo, além de outros afazeres, de forma que quando dou conta estou exausto e, como todo bom mortal, o corpo reclama descanso. Isto, por certo, hás de compreender mais do que qualquer outra coisa (dormir numa época de nossas vidas assemelhava-se a luxo que não devíamos desfrutar com muita frequência). Em breve estarei ai no sítio deliciando-me com as benesses e os encantos da mãe Natureza e de sua inestimável companhia com nossos longos e prazerosos debates.


Forte Abraço,


CELSO BOTELHO

19.06.2009