segunda-feira, 21 de julho de 2014

CRISE MORAL



Vários tipos de crise podem atingir um país. A econômica e a financeira são as mais visíveis porque atingem todos os setores e suas consequências são imediatas. Outro tipo de crise que produz resultados funestos é a crise de identidade nacional. Um povo que ocupa geograficamente o mesmo território que se presume unificado, geralmente mediante o uso da força, pode abrigar etnias completamente distintas e hostis entre si. A antiga Iugoslávia é um bom exemplo. Ocupavam o mesmo território croatas, bósnios, eslovenos, macedônios, montenegrinos, sérvios e cossovanos. Com a desintegração da URSS e do regime comunista nos países do leste europeu os conflitos estabeleceram-se provocando a morte de centenas de milhares das várias etnias.  Países europeus na Partilha da África estabeleceram fronteiras levando em conta somente seus interesses. Tribos tradicionalmente inimigas passaram a conviver no mesmo território. Mesmo após a saída dos europeus do continente africano as lutas e os massacres não cessaram. Na Espanha populações de várias regiões não se reconhecem como sendo espanhóis e os bascos são o exemplo mais emblemático. Todas, no entanto, reclamam tempo. Não se pode resolver estas crises nem a curto nem em médio prazo. A crise de identidade nacional é a mais complexa de todas e talvez insolúvel, dado sua natureza. As crises podem ser desastrosas ou catastróficas. O Brasil já passou e ainda passa por diversas crises. Porém, a crise mais profunda e lamentável que sempre caracterizou nossa nação e da qual não nos livramos é a crise moral. Esta tem nos garantido uma péssima reputação entre as nações. A honestidade é quase um crime em nosso país. Valores éticos quase que um delito hediondo. Ser conservador uma heresia.


Que o Estado brasileiro, desde seus primórdios, vem sendo moldado e manipulado por gente sem convicções, escrúpulos, competência, decência é público e notório. Porém, a partir do golpe militar que implantou a República as práticas criminosas robusteceram-se, inovaram-se, sofisticaram-se. As classes dominantes, através dos séculos, recusaram-se a respeitar os limites entre o público e o privado; o clientelismo está estabelecido desde as Capitanias Hereditárias. A corrupção é sistemática e observada em todas as camadas da população. A escala de valores morais vem sendo distorcida e invertida em qualquer sistema de governo que o país utilize (monárquico ou republicano). Por melhor que se conceba e estruture-se o Estado por certo não resistirá aos constantes ataques perpetrados pela classe dominante, pelos políticos, pelos governos e pelos governados. O Estado brasileiro está corroído, putrefato, imprestável e inútil. Qualquer tentativa de reformá-lo estará fadada ao fracasso tal o grau de deterioração. Deve ser repensado e refundado, mas não com os bandidos que vêm ocupando o poder. Se todo poder emana do povo nada mais natural que ele o exerça em todas as suas dimensões.


Segundo está noticiado na grande imprensa 23% dos conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados respondem ações na Justiça. Os 27 TCEs possuem 189 conselheiros (2/3 indicados pelo Legislativo e 1/3 pelo Executivo) Ao invés de examinarem os gastos públicos, apontar irregularidades, detectar superfaturamentos e prevenir o desperdício do dinheiro público os conselheiros lançam-se de corpo e alma na prática dos mais diversos crimes. Tem crime para todos os gostos: corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato, prevaricação, nepotismo, pedófilos e até homicidas. De acordo com o site do Transparência Brasil, o conselheiro Luiz Eustáquio Toledo foi condenado a seis anos de prisão por matar a própria mulher em 1986 e, neste mesmo ano, nomeado para o TCE de Alagoas. A Constituição Federal exige que os candidatos a conselheiros possua “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”. Nenhum desses critérios é respeitado. Conselheiro é um cargo eminentemente político, quer seja, qualquer besta quadrada ou bandido pode ocupá-lo. O que vai contar será sua proximidade com os poderosos. Tem conselheiro tão envolvido em práticas criminosas que foram proibidos até de entrar nos tribunais. No TCE do Rio de Janeiro seu presidente Jonas Lopes de Carvalho Júnior e o conselheiro Jose Gomes Graciosa (e isso lá é sobrenome?) são acusados na Ação Penal 685 de receber dinheiro entre 2002 e 2003 para aprovar um contrato sem licitação. A rede de proteção que os criminosos possuem é imensa e bem resistente. No STJ a Ação Penal 691 acusa de falsidade ideológica, peculato em continuidade delitiva, corrupção ativa e prevaricação o presidente do TCE do Rio de Janeiro e os conselheiros Aluísio Gama e Júlio Lamberstson Rabello. Porém foi rejeitada por unanimidade. Em 2010 a Operação Mãos Limpas prendeu, entre outros, o ex-governador Waldez Goes acusado de desviar recursos públicos da educação e outras áreas no Amapá. Este mesmo cidadão é candidato este ano. Nesta mesma Operação foram acusados de desviar a bagatela de R$ 100 milhões do TCE Amapá cinco conselheiros, três servidores e dois conselheiros aposentados. E por falar em ex-governador, o presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE) “mexeu os pauzinhos” para garantir uma vaga no Tribunal de Contas para a senhora sua mãe (a dele) Ana Arraes. No frigir os ovos conclui-se que o sistema judiciário que deveria zelar para o cumprimento da lei também a violenta despudoradamente e com o mesmo empenho do Executivo e do Legislativo, os outros dois estupradores da Constituição Federal.


Mas nem tudo está perdido. No momento que a população de qualquer país se encontre desprotegida, explorada, seu trabalho confiscado, massacradas por um modelo econômico que concentra a renda cada vez mais aprofundando as desigualdades, suas instituições corroídas e corrompidas, suas esperanças desfeitas está na hora de assumir o controle da situação utilizando os instrumentos que estejam ao seu alcance, sejam eles quais forem. Contra o povo ainda não inventaram nenhuma arma. Pode-se matar e prender alguns, mas nunca todos. Chegamos ao fundo do poço da imoralidade, corrupção, incompetência, mediocridade, omissão, descaso e conivência com o ilícito, notadamente a partir de 1995 com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 2003 com Lula da Silva e 2011 com Dilma Rousseff. Somente a sociedade pode estancar a sangria que sucessivos governantes vêm submetendo o país e comprometendo seu presente e seu futuro.


CELSO BOTELHO
21.07.2014