segunda-feira, 27 de junho de 2011

A FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO


Há alguns anos está em curso uma movimentação no Congresso Nacional para a fragmentação do território brasileiro com mais de uma dezena de projetos tramitando (Rio Negro e Alto Solimões, Estados ou Territórios Federais, desmembrados do oeste do estado do Amazonas; Mato Grosso do Norte e Araguaia do atual Mato Grosso; Tapajós e Carajás do Pará; Maranhão do Sul do Maranhão; Gurgueia, denominação deriva de rio de mesmo nome na região, da parte sul do Piauí; Rio São Francisco da Bahia; Rio Doce e Triângulo de Minas Gerais; Território Federal do Oiapoque do Amapá). No início de maio deste ano a Câmara aprovou a realização de uma consulta popular sobre a criação de dois Estados a partir do Estado do Pará (hoje com 143 municípios e população de 7.581.051, conforme dados do Censo 2010 do IBGE): Carajás e Tapajós (PEC 72/07). No mesmo mês a CCJD (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado Federal aprovou a delimitação de plebiscito para a criação de novos Estados, isto é, somente a população dos Estados envolvidos deverá participar da consulta ignorando, portanto, os brasileiros de outras regiões do país e que, inexoravelmente, serão chamados para arcar com as despesas que serão geradas. A Constituição caracteriza o alvo dessa consulta apenas como “população diretamente interessada” então, entendemos, se tratar de todos os brasileiros, posto que sejam chamados para pagar a fatura. Certamente os deputados e senadores, em suas limitações intelectuais e morais, devam supor que tal processo alteraria tão somente uma nova configuração política nos mapas existentes e o atendimento aos seus interesses pessoais, políticos e econômicos ou aqueles que representam. Criar um novo Estado não é tarefa que exija poucos cuidados. Algumas perguntas deverão ser respondidas antes mesmo que se pense em apresentar uma proposta deste calibre no Congresso Nacional como, por exemplo: quais as necessidades sociais, políticas e econômicas que seriam preenchidas? Qual a relação custo/benefício? Qual a viabilidade econômica do novo Estado? Quanto custará aos contribuintes? Somente com estas questões respondidas satisfatoriamente é que se pode pensar em criar um novo ente federativo. O contrário disso podemos afirmar que é irresponsabilidade, casuísmo, patifaria e safadeza. Não vemos nenhuma necessidade desta panacéia e podemos demonstrar a inutilidade deste projeto sem que tenhamos que nos esforçarmos muito.

Ainda colônia o Brasil foi dividido em quinze capitanias hereditárias, sistema que inaugurou o latifúndio. Em 1709 foi redividido em sete províncias (Grão-Pará, São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Pedro) e daí por diante foi diversas vezes redividido. A Constituição Federal de 1988 manteve a definição de territórios federais acabando com os que existiam. A diferença entre Estados e Territórios é, basicamente, que estes não possuem autonomia, pertencem à União e, por isso, seus governadores são nomeados pelo presidente da República, sem eleição. O Território de Fernando de Noronha foi incorporado ao Estado de Pernambuco e o Estado de Goiás foi desmembrado criando o Estado do Tocantis. De acordo com a Constituição em seu Artigo 18 parágrafo terceiro "os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, por meio de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar". Trocando em miúdos: o Congresso Nacional deve aprovar a realização de uma consulta popular e, caso seja referendada, a proposta deve ser aprovada pela maioria simples (metade dos votos mais um) seguindo para a sanção presidencial.

As motivações alegadas nas propostas que tramitam no Congresso Nacional são das mais diversas ordens: no caso específico do Estado de Tapajós alegam que a extensão territorial do Estado do Pará dificulta sua administração. Ora, se isto fosse verdadeiro o Estado da Califórnia (terceiro em extensão territorial) nos EUA seria o mais pobre deles e o Estado do Sergipe no Brasil seria o mais rico ou, pelo menos, o melhor administrado. Mas existem outras justificativas como, por exemplo, as regiões isoladas ou distantes do poder central do Estado recebem menos investimentos e não têm acesso adequado a infraestrutura e serviços, como boas escolas e hospitais

Vamos aos fatos concretos de mais este factóide. Segundo um estudo publicado do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) constatou que os Estados gastam, em média, 12,75% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para se manter. Certamente que a criação de novos Estados implica um custo elevado com o qual não conseguem arcar e, sendo assim, quem paga a conta é o governo federal, ou seja, os contribuintes. O Estado do Tocantis, último a ser criado, recebeu subsídios federais por longos dez anos até que conseguisse manter-se. Só para começarmos a fazer as contas a cada novo Estado criar-se-iam, automaticamente, mais três vagas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados haveria um número substancial de novas cadeiras (atualmente a quantidade é fixa e as vagas são distribuídas de acordo com a população), porém existe um mínimo de oito deputados por Estado e, devido a isto, será necessário aumentar o número de cadeiras. Isto me faz lembrar uma visita que fiz à Câmara dos Deputados há alguns anos e vi o cicerone (acompanhante ou sei lá o nome que se dá) dizer que no plenário só havia 496 lugares e havia 513 parlamentares e um dos visitantes apressou-se em completar que o fato não tinha a menor importância, posto que não fossem mesmo todos que comparecessem às sessões. O governo federal bancaria ainda novas superintendências regionais de órgãos públicos, além de seções da Justiça Federal em cada Estado. Até a logística e o orçamento do Tribunal Superior Eleitoral precisariam ser reforçados com a chegada de mais governadores e deputados estaduais. Uma solução apresentada pelo IPEA seria a criação de Fundos Regionais direcionados às localidades mais pobres e o retorno integral do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido nessas regiões. Sendo uma das motivações se alcançarem as localidades mais pobres e carentes dos serviços básicos à manutenção da vida humana (saneamento básico, saúde, educação, etc.) ficaria muito mais em conta criar estes Fundos do que criar e manter um Estado. A urgência de verem atendidas as solicitações políticas e econômicas deles (os parlamentares) ou do segmento que representam no Congresso Nacional é tão visível que chegam a inverter a posição da carroça colocando-as adiante dos bois: primeiro criam o novo Estado depois vão elaborar um estudo sobre o custo que ele implica. Ainda segundo o IPEA com a criação do Estado de Tapajós os gastos estaduais corresponderiam a 51% do seu PIB (Produto Interno Bruto) e o Estado de Carajás os mesmo gastos seriam de 23% sendo que a atual média nacional é de 12,5%. Portanto, a “brincadeira” sairia muito cara simplesmente porque não são auto-sustentáveis. Retalhar o território nacional, mesmo que fosse um processo barato, não resultaria em maiores benefícios à população. O calcanhar de Aquiles é, sem dúvida, entre outros elementos não menos importantes, a forma da federação brasileira onde os Estados não possuem autonomia ao contrário do modelo norte-americano e suíço. A primeira coisa que se deve fazer para que os Estados tenham autonomia é a inversão do sistema de arrecadação tributária, atualmente 100% dos impostos arrecadados vão para Brasília e apenas uma parte retornam aos Estados. Ainda de acordo com estudo do IPEA os custos para a instalação de cada um dos novos Estados giram em torno de um bilhão de reais, recursos que seriam desviados das áreas de infraestrutura, da educação, da saúde e da segurança pública para custear a instalação dos três poderes em cada nova unidade federativa. Não há, portanto, nenhum argumento que possa dar sustentação a estes estapafúrdios projetos de criação de novos Estados. A questão então está centrada na real necessidade destes desmembramentos e os custos dele advindos. Em 1974 realizaram a fusão do Estado do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara e que podemos sintetizar o resultado: transformaram um Estado rico num município pobre.

Com tantos outros assuntos de relevância e urgência inquestionável o Congresso Nacional se concentra em uma vertiginosa baboseira que é a criação de novos Estados dando prova cabal e irrefutável de sua gigantesca imprestabilidade criando uma despesa fantástica a ser custeada pelos contribuintes. Dizer que nossos parlamentares são irresponsáveis ou perdulários com o dinheiro público seria minimizar esta estupidez ou mostrar-me por demais elegante, portanto buscarei os adjetivos apropriados: patifaria, safadeza, canalhice, velhacaria e similares.

CELSO BOTELHO
27.06.2011