sexta-feira, 17 de junho de 2011

SÓ OS DIAMANTES SÃO ETERNOS, OS DOCUMENTOS OFICIAIS NÃO


Não bastasse a negligência, descaso, omissão, destruição e ocultação de documentos por mais de cinco séculos desta feita desejam que aqueles que estão e são preservados durmam em berço esplendido por toda a eternidade. Ora, podemos concordar que existem documentos que mereçam ficar longe do olhar da sociedade por um determinado período de tempo, isso é praticado em todas as democracias. Quer queiramos ou não existem segredos de Estado e assim devem permanecer até que a poeira se assente, pois, caso contrário, até mesmo a sobrevivência do Estado estaria ameaçada de desintegração.  Mas o que desejam fazer no Brasil é acoitar os crimes cometidos por elementos que participaram da gestão do Estado como, por exemplo, os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL), dois ex-presidentes de triste memória para o povo brasileiro. O projeto da Lei de Acesso à Informação Pública (PLC 41/2010) enviado para a Câmara Federal pelo então presidente Lula, O Ignorante Desbocado, reduz de 30 para 25 anos o tempo no qual os documentos secretos podem ser mantidos em sigilo, mas permite uma renovação por prazo indeterminado. A Câmara Federal aprovou o texto com uma mudança substancial: limitava a uma única vez a possibilidade de renovação do prazo de sigilo. Ponto para os deputados. O ex-presidente Sarney alega que tornar documentos públicos pode “abrir feridas”. E quantas feridas ele próprio não abriu na população e na nação brasileira com seu desastroso e corrupto governo (1985-1990) que sangram até hoje? O ex-presidente Collor (1990-1992), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, apressou-se em nomear a si próprio como relator para resgatar o projeto original que manteria as lambanças mais cabeludas (porque as mais light já estamos carecas de saber) de seu meteórico e corrupto governo nas sombras. Não reclamo para mim a candura dos anjos (seria hilário), porém entre eu e esta corja de politiqueiros existe um abismo moral intransponível. Esta questão dividiu a base aliada (ou cúmplice, tanto faz) do governo. O presidente da Câmara Marco Maia afirmou textualmente “o povo brasileiro tem o direito de conhecer a sua história” e acrescento por mais vergonhosa e degradante que possa ser. ”O presidenta” Dilma DuCheff já sinalizou que vai patrocinar uma nova mudança no projeto para que os documentos permaneçam no sigilo eterno. E a ministra das Relações Institucionais (sic) Ideli Salvatti sem qualquer pudor disse que a pseudo chefe do governo assim procederá para atender a reivindicação dos dois ex-presidentes lambões. Com toda a certeza há quarenta anos o posicionamento de Dona Dilma seria completamente diferente. Agora é vidraça e tem zelar pela manutenção dos segredos de seu incipiente governo ou meio-governo, posto que o divide.

Caso vingue esta excrescência de sigilo eterno para os documentos oficiais a História só poderá ser contada pela metade, quando muito. Os crimes de lesa-pátria perpetrados pelas autoridades ficarão impenetráveis até o Dia do Juízo Final quando nada mais será importante para a raça humana. Podemos listar uma extensa relação de crimes praticados contra a sociedade brasileira, muitos amplamente divulgados e apurados como líquidos e certos, sem contestação. No entanto a relação dobraria de tamanho caso a sociedade tivesse acesso a inúmeros documentos oficiais guardados a sete chaves. O governo brasileiro mais parece uma sociedade secreta onde a máxima é de Maquiavel (1469-1527) “os fins justificam os meios”, só que caso brasileiro os fins são sórdidos e os meios torpes. Para sustentar o que digo basta ver a proposta do governo de criar um mecanismo para manter em sigilo os gastos com as obras para a Copa de Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. A malandragem foi incluída no texto da MP 527/11 à última hora e aprovado na última quarta-feira que cria o RDC (Regime Diferenciado de Contratações) órgão específico para eventos. Com a Lei 8.666/93 das Licitações as gangs especializadas em assaltarem os cofres públicos já deitavam e rolavam com este mecanismo estourarão de tanta alegria quando examinarem seus extratos bancários. É ou não é prova cabal de velhacaria, patifaria, safadeza? O sigilo esconde todos os crimes garantindo aos malfeitores uma vida mansa.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o da Renda Mínima, foi muito feliz ao afirmar que “um povo que não conhece sua história não tem memória”. E ainda chamou a atenção para um detalhe muito importante sobre a liberdade de informações, pois todas – sigilosas ou não – são patrocinadas pelo imposto do cidadão. Mas o governo brasileiro nunca foi adepto da transparência mesmo criando órgãos e mecanismos de controle a torto e a direito (TCU, TSE, CGU, AGU e outros). Que diabo de democracia é esta? Democracia onde o único direito é ser extorquido, ludibriado, espezinhado, insultado, discriminado, roubado pelo Estado? É o que nos parece. Como viram no artigo anterior um governo que alça um trem-bala à categoria de prioridade enquanto milhões de brasileiros estão morrendo tentando encontrar um hospital que os socorra e, caso encontrem, estão funcionando de forma precária e desumana. Milhares de jovens recebem um ensino de péssima qualidade. Em 2010 o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) entre os 65 países participantes os alunos brasileiros ficaram em 53º, abaixo da média mundial em leitura, matemática e ciência. Fomos ultrapassados por Chile, Trinidad e Tobago, Colômbia, México e Uruguai. O déficit habitacional aponta a necessidade de se construir cerca de 1,5 milhões de moradias por ano e não será esta bodega de Minha Casa, Minha Vida que trará a solução (o que tem de casa construída com arame em substituição a vara de ferro de 5/16 é uma loucura). E o saneamento básico é outra catástrofe. De acordo com o Instituto Trata Brasil a população brasileira produz, em média, 8,4 bilhões de litros de esgoto por dia. Desse total, 5,4 bilhões não recebem nenhum tratamento, ou seja, apenas 36% do esgoto gerado nas cidades do país são tratados. O restante é despejado sem nenhum cuidado no meio ambiente, contaminando solo, rios, mananciais e praias do país inteiro, sem contar nos danos diretos que esse tipo de prática causa à saúde da população.  Transportes de massa, aviação civil, portos e aeroportos, etc. para qualquer lado que nos voltemos iremos deparar com problemas que já deveriam ter sido solucionados ou, pelo menos, enfrentados pelo governo com determinação. Agora quer esconder os custos de obras, Êta democracia de bosta, sô!

Mas destruir documentos públicos não é novidade e não existe um único motivo plausível para fazê-lo. Vamos citar um exemplo histórico de destruição de documentos. Em 14 de dezembro de 1890 Rui Barbosa (1849-1923) manda queimar todos os papéis, livros de matrícula e registros fiscais relativos à escravidão existentes no Ministério da Fazenda. A medida visava preservar os cofres públicos de um contra-ataque dos antigos senhores de escravos, empenhados na indenização por perdas causadas pela Lei Áurea, portanto uma decisão de natureza eminentemente política e econômica. A destruição dos documentos, aliás, tinha sido proposta por Joaquim Nabuco (1849-1910) na Câmara dos Deputados em julho de 1888 (entre julho e novembro de 1888 foram registradas 79 representações pleiteando o ressarcimento). A decisão de Rui, contudo, só seria efetivada a 13 de maio de 1891, na gestão de Tristão Alencar Araripe (1821-1908), seu sucessor na pasta da Fazenda. Rui Barbosa era um intelectual e sabia perfeitamente da gravidade de seu gesto, porém, optou por uma decisão política e econômica. De qualquer maneira foram apagados para todo o sempre aqueles registros da infâmia que foi a escravidão.

Todos os governos destroem documentos na falsa ilusão de que poderão apagar seus crimes, velhacarias e patifarias. A destruição de documentos durante e após o regime militar (1964-1985) foi assombrosa e continuam a fazê-lo descaradamente no que deles sobrou. Todos os governos pós-1964 empenham-se com afinco em destruir e ocultar documentos, sem exceções. Sigilo eterno creio que só quem pode detê-los é o Criador e para o nosso próprio bem.

CELSO BOTELHO
17.06.2011