terça-feira, 14 de outubro de 2008

LOBÃO EM PELE DE CARNEIRO


Não podemos aceitar de forma nenhuma a afirmação do ministro das Minas e Energia Edison Lobão (um dos três porquinhos em 1989. Os outros dois eram Hugo Napoleão e Marcondes Gadelha, todos do falecido PFL) que no Brasil de 1964 a 1985 tivemos um “regime de exceção” e não uma ditadura. O ministro só pode estar delirando ou demonstrando profunda ignorância sobre a História porque em se tratando de energia a única coisa que sabe é apertar um interruptor. Para começar deveria se preocupar com a produção e distribuição de energia pelo simples fato de que seu Chefe defende um crescimento econômico a todo preço e isso demanda energia e, segundo os cálculos mais otimistas, o país estará em sérios apuros no setor a partir de 2010/2011. Até lá estará fora do governo eximindo-se de toda e qualquer responsabilidade que lhe possa ser atribuída por uma má gestão como, aliás, é praxe. Considero muito grave e extremamente desrespeitosa a todos os brasileiros, notadamente aqueles que se empenharam em combater a nefasta ditadura militar e, em muitos casos, pagando com a própria vida.


Relembremos alguns fatos. O 30º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) realizado num sítio na cidade de Ibiúna, São Paulo, foi invadido por agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e soldados da Força Pública com a truculência que lhes era peculiar prendendo todos. Entre os presos, efetuaram mais de 700 prisões, estava José Dirceu, até pouco tempo seu colega no Congresso Nacional e Vladimir Palmeira, cassado pelo regime posteriormente. Precisamente no dia 28 de março de 1968 estudantes estavam reunidos organizando uma passeata de protesto devido ao alto preço da comida no restaurante Calabouço, Rio de Janeiro, e o estudante Edson Luiz de Lima Souto que ali se encontrava apenas almoçando foi morto pela polícia aos 17 anos de idade. O “suicídio” de Lamarca, Vladimir Herzog e tantos outros não eram exceções e sim a regra. O acidente automobilístico em 1976 que matou Zuzu Angel no Rio de Janeiro foi uma fatalidade porque investigava o desaparecimento do filho Stuart Angel Jones que, segundo relatos, foi amarrado na traseira de um jipe da Aeronáutica e arrastado pelo pátio com a boca presa ao cano de escape da viatura morrendo por asfixia? Alexandre Von Baumgarten, que colaborara com o regime militar, deixou um dossiê onde previa seu assassinato, em outubro de 1982, sua única dúvida era quanto a identidade de seu algoz ficando entre o ministro-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) e o chefe da Agência Central do mesmo órgão que se tratava do não menos notório general Newton Cruz. Em 1986 o general Ivan de Souza Mendes, então ministro-chefe do famigerado SNI, descobriu duas celebridades devidamente amoitadas no exterior por causa das perversas traquinagens que levaram a cabo durante o regime militar. Eram os coronéis Ary Pereira de Carvalho, o Arizinho, e Ary de Aguiar Freire. O primeiro estava recebendo a bagatela de US$ 6 mil mensais lá na terra do tango, Buenos Aires. E o segundo, mais requintado, estava na boa e velha Genebra na Suíça. Ambos debandaram dias após o assassinato do jornalista. Em 1968 brigadeiro João Paulo Burnier, chefe do gabinete do ministro da Aeronáutica, planejou explodir o gasômetro no Rio de Janeiro que certamente faria milhares de vítimas fatais que seriam creditadas aos “comunistas” e “subversivos.” Pretendia utilizar o PARASAR, grupo de elite especializado em salvamentos na selva e locais de difícil acesso, que só não aconteceu pela recusa de seu comandante o capitão-aviador Sergio Miranda de Carvalho que foi considerado louco e afastado da Aeronáutica no ano seguinte. O ignóbil plano só veio à tona dez anos mais tarde com o depoimento do brigadeiro Eduardo Gomes. Em primeiro de maio de 1981 quando se realizava um show de música popular brasileira para cerca de 20.000 pessoas no Rio Centro, Rio de Janeiro, duas bombas explodiram: uma no estacionamento matando o sargento Guilherme Ferreira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson Luis Chaves Machado ligados ao DOI-CODI do Exército a outra explodira numa caixa de energia sem atingir ninguém e uma terceira que permaneceu intacta no veículo. Quem os instruiu foi nada mais nada menos que o CIE (Centro de Informações do Exército) com o diabólico objetivo de provocar pânico e mortes. Mais um clássico atentado de direita que deveria entrar na conta da esquerda. O tiro saiu pela culatra alcançando o “bruxo” Golbery do Couto e Silva que pediu demissão. E poderia relembrar mais coisas, porém, creio que estas bastam.


Então não houve ditadura. Houve o que? De acordo com o entendimento do ministro Edison Lobão o general Alessandro Lannuse, Jorge Videla & Cia. na Argentina; o general Augusto Pinochet no Chile; Juan Maria Bordaberry no Uruguai; Alfredo Strossner no Paraguai e Fidel Castro em Cuba podem ser considerados “regimes de exceção”? Numa inocência pueril o ministro argumenta que tínhamos eleições. É verdade. Não em todos os níveis e caso os resultados se mostrassem desfavoráveis aos generais-de-plantão e meganhas inventava-se de um tudo: desde intimidações das mais diversas passando para as cassações e expedientes como a criação do senador biônico, fechamento do Congresso Nacional, intervenções nos executivos e legislativos municipais e outras barbaridades. Ou o ministro já esqueceu? Para mim toda e qualquer coisa que se assemelhe a ditadura é aberração concebida pelo mais desajustado dos maníacos. Ministro, não existe ditadura boazinha, seja ela qual for e em qualquer parte do planeta onde estiver instalada. Civil ou militar ela fere frontalmente a dignidade humana. Incontáveis milhões de pessoas durante toda a História da Humanidade pereceram em nome da liberdade que é e continuará sendo o bem mais valioso do qual se pode desfrutar. Ainda segundo o ministro “não se faz uma grande obra sob o troar das reivindicações e da maldita demagogia.” A primeira parte da frase nos revela limpidamente uma paixão recolhida pelo autoritarismo. Já a segunda parte me faz relembrar um pronunciamento do então senador Edison Lobão pouco antes de ser nomeado ministro das Minas e Energias onde criticava a política energética que agora comanda. Ora, ora, ora!


CELSO BOTELHO

14.10.2008

PS: peço desculpas por haver me alongado em demasia nesta postagem. Porém, enquanto me for franqueado este ou outro espaço não irei me calar. A posição do ministro, para mim, é inaceitável.