sábado, 25 de outubro de 2008

NO SÓTÃO DO JACARÉ


Em minhas andanças pelo sótão empoeirado, repleto de lembranças, deparei-me com recortes e trastes de toda ordem que fui colecionando ao longo do tempo e, confesso, não imaginava que fosse acumular tanta coisa. Havia coisas que sequer me ocorria ter algum dia guardado e, pasmem, muito menos para que. Pois bem, fui me enveredando de tralha em tralha até achar um artigo que escrevi datado de 13.09.1996 a cerca das manobras para o estabelecimento do instituto da reeleição. Doze anos depois não arredo um só milímetro de minha convicção. O objetivo ao qual me proponho é enfatizar o caráter casuístico daquele momento com o atual que prega um terceiro mandato para o atual presidente. Não se pode comparar uma situação à outra mesmo porque a história não é linear. São momentos distintos da História mesmo considerando-se aspectos comuns. O que me interessa é, sempre, o cumprimento da ordem institucional em toda sua plenitude sem os penduricalhos safados dos quais somos contumazes vítimas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso advogou e fez legislarem em causa própria e o presidente Lula, O Ignorante, não defende a trama, pelo menos publicamente, mas, sonso, nada me convence de que não estimule o golpe na calada da noite. Vamos ao artigo.


“A polêmica sobre a alteração do dispositivo constitucional que impede à reeleição na verdade aglutinam os mais abrangentes interesses, alguns estranhos outros duvidosos. Abrem um leque de opções que vão desde a pura e simples eliminação do impedimento à adoção do sistema parlamentarista, repudiado no plebiscito de 1993, que propõe a singela permanência do partido governista no poder por duas pequeninas décadas. Melhor, creio, então abraçar a causa monárquica proclamando imperador do Brasil o atual presidente com tudo o que tiver direito e mais outras coisitas que possam inventar. Mesmo porque miséria pouca é besteira. Assim rasga-se a Constituição promovendo uma revisão e ampliação nos mandos e desmandos que são, lamentavelmente, marca registrada da política brasileira.


Surpreendente (Êta termo sutil, sô!) é que as forças progressistas, as entidades representativas, os partidos políticos não esboçam reação alguma. Hibernaram quando deveriam estar mobilizados repudiando esta manobra maquiavélica e, o mais estarrecedor, muitos deles estão atuando incisivamente para viabilizar o ato afrontando as instituições.


No momento não cabe ser contra ou não a reeleição. O inaceitável é o casuísmo, a famigerada barganha e o acintoso loteamento da administração pública. O fato desses senhores (Ah, quanta educação a minha!) deterem mandatos populares não lhes outorga o direito deles disporem como bem entenderem sem prestar contas a quem quer que seja e conspirando pelos gabinetes e corredores mercenariamente contra toda nação.


Quem será o próximo presidente é uma questão circunstancial. O que conta é o que está escrito na Constituição que, só para refrigerar a memória, se expressa claramente sobre o assunto. Mas isto não quer dizer que não possa ser alterada, pois, como já disseram, não foi Moisés quem a escreveu. Criar ou lançar mão de artifícios suspeitos deixa de ser uma proposta legítima para ser uma proposta indecente.


Ao diabo (se este os aceitarem) aqueles que defendem a reeleição como prioridade para a continuidade do plano de estabilização econômica ou das urgentes reformas das quais reconhecemos carecer o país. A finalidade é proteger privilégios, conquistarem mais alguns e negociarem outros tantos. Este oba-oba de constituição precisa ter um fim. As leis – boas ou más – têm que ser executadas ao pé-da-letra. As boas com tratamento especial para que não sejam maculadas e as más alteradas ou suprimidas de acordo com os desejos manifestados pela sociedade. A história da reeleição só não é uma piada por que não tem graça alguma. A alteração defendida pelos apaniguados do presidente pode ser legal, porém é profundamente imoral. Fernando Henrique Cardoso deveria descer do pedestal de sua gritante vaidade e, para variar um pouco, preocupar-se mais em governar o país desencorajando essas articulações de seu séqüito sedento. Exortamos a Vossa Excelência que a espada que fere poderá ser a mesma a provocar-lhe feridas, dado o índice zero de confiabilidade que podemos dispensar a classe política.


Diante da organizada esculhambação resta, pois, convocar toda a sociedade para utilizar todos os instrumentos dos quais possa dispor para resistir a mais este golpe que se impacientam para consumarem. Devemos mostrar, definitivamente, que as nossas goelas e aparelho digestivo, ao contrário das cobras, são impróprios a pratica de engolir e digerir sapos.”


A ladainha para reconduzir ou espichar mandatos não tem nada de inédita. Tentaram a reeleição com JK (1956-1961). No governo militar também conspiraram para espichar o mandato do presidente Figueiredo (1979-1985) por mais dois anos. Na Nova República Tancredo Neves foi eleito com seis anos e prometeu reduzir para quatro, mas o presidente Sarney (1985-1990), seu vice, assumiu e não havia prometido nada a ninguém e então encasquetou com os cinco anos. O presidente FHC (1995-2002) assumiu para cumprir quatro anos e fez mudar as regras do jogo para beneficiá-lo com mais quatro. O presidente Lula, O Ignorante, (2003-2010) foi eleito para quatro com a possibilidade de disputar mais quatro anos e agora uivam por mais quatro, ou cinco ou até que a morte o separe do poder. Nunca se sabe.


CELSO BOTELHO

25.10.2008