terça-feira, 25 de novembro de 2008

A REPRESSÃO NA DEMOCRACIA


Ao contrário do que muitos possam pensar a repressão não está limitada ao aspecto político-ideológico, apesar de ser ai que se faz mais notada. A repressão possui diversas maneiras de ser praticada. Da forma mais sutil até a mais violenta e cruel que se possa imaginar. Em qualquer dos casos ela é repulsiva, pois, o único objetivo é a degradação generalizada para o estabelecimento de uma ordem qualquer (política, econômica e/ou social) que atenda aos interesses de uma pequena e abastada minoria. A História encontra-se ilustrada com inúmeros exemplos de repressão levadas a cabo das mais variadas formas, em diversos e ímpares momentos e sob circunstâncias proporcionadas pela natural evolução das relações humanas. O perverso desejo do homem em subjugar seus semelhantes criando instrumentos e mecanismos eficazes quer pela persuasão, quer pela imposição. Este instinto selvagem surgiu na terra com ele e o acompanha o tempo todo durante todas as etapas que classificam a História (Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea) e, desgraçadamente, prosseguirá seja lá qual for o nome que se dê para periodização da História. O fato de a raça humana ter sido a mais bem sucedida no planeta não significa, de maneira alguma, ter alcançado o ápice na escala evolutiva. Apesar de termos criado e desenvolvido ciências humanas e exatas que nos garantem a supremacia no planeta nos encontramos muito aquém, de fato, em reverter seus benefícios de forma que possam atingir todos. As virtudes dos avanços tecnológicos, por exemplo, exclui ou corrói incontáveis agrupamentos humanos espelhados mundo a fora. Se por um lado a globalização encolheu as distâncias fez aprofundar significativamente o abismo construído ao longo de centenas de anos por métodos repressivos de toda ordem.


No Brasil não aconteceu de maneira diferente. A partir de 1530 quando, de fato, a Coroa portuguesa deu inicio oficialmente à colonização é que se pode elaborar uma linha de raciocínio baseado nas ações e reações que se deram ao longo do tempo. Porém, irei me ater ao período republicano (1889-...). Atravessamos duas ditaduras no curto espaço de um século. A ditadura civil durante o governo Vargas (1930-1945) e a ditadura militar (1964-1985). Períodos de inegável repressão político-ideólogica onde o assassinato, a tortura, o desaparecimento, a perseguição e outras arbitrariedades eram cometidas pelo Estado. Nestes regimes só há de se esperar a repressão política, econômica e social como instrumento infalível para a sua permanência e manutenção no poder. Não deste tipo de repressão que hoje trato, apesar de atacá-la constantemente e com todos os argumentos dos quais possa dispor. Falo da repressão praticada no sistema democrático. Tão nefasta quanto aquela praticada em regimes de exceção e como o mesmo poder de desagregação e degradação. A formulação legal, por maior proximidade possível da perfeição, de direitos e deveres não garantem, em parte alguma do mundo onde se estabeleça o sistema democrático, que estes serão exercidos em sua plenitude e aqueles de igual modo cumpridos pelo simples fato de sermos paridos com aptidões inadequadas ao que deveria ser o padrão humano de comportamento. E devemos nos esforçar dia após dia para delas nos desvencilharmos com a maior presteza possível. Mas, devo admitir, a maioria de nós assim procede, pois, caso contrário, seria o caos. Um caos que nos levaria o mais rapidamente a extinção como civilização.


Quando tomamos conhecimento de trabalho infantil; exploração sexual em crianças e adolescentes; pedofilia; estupros; homicídios, infanticídios, assaltos; trabalho escravo; o tráfico de entorpecentes movimentando milhões e milhões de dólares e o tráfico de armas e pessoas sob o olhar complacente do Estado; a insegurança que reina nos centros urbanos e rurais; movimentos sociais que não passam de braços a mais deste ou daquele governo; homens públicos sabidamente descompromissados com todo e qualquer anseio da população; centenas de milhares de brasileiras e brasileiros sobrevivendo abaixo da linha de miséria (na minha cidade mesmo ocorreu o caso de toda uma família alimentar-se com ratos); devastações e agressões ao meio-ambiente; crescimento no número de desempregados; salários aviltantes; faltam de leitos, médicos, medicamentos e hospitais; deteriorar-se a educação implacavelmente; as epidemias não serem contidas; a corrupção que grassa de norte a sul do país estimuladas, praticadas e protegidas por aqueles que deviam combatê-la; os médios e pequenos produtores rurais abandonados a própria sorte; os banqueiros tendo lucros estratosféricos; os pequenos e médios comerciantes ou industriais sufocados por encargos, tributos submetidos à usura interminável que limita suas atividades; a sociedade é extorquida com uma política tributária que sequer tenta promover algum retorno num maquiavélico confisco de seu trabalho; e por ai a fora. Tudo isso é fruto da repressão. E a repressão praticada no sistema democrático é orquestrada por uma Justiça benevolente, parcial e seletiva; um Legislativo inoperante, apodrecido, mercenário; um Executivo a serviço dos interesses dos economicamente poderosos a distribuir migalhas alardeadas como distribuição de renda. São bilhões de reais desviados e desperdiçados para o atendimento de necessidades estranhas a decência. Esse tipo de repressão irá corroer todos os valores que deveríamos cultivar e, eis o pior, irá deteriorar de tal forma a sociedade que poderá inviabilizá-la com o passar dos anos criando uma forma anárquica de convivência que não se encaixa no espírito humano produzindo tempos obscuros, obscenos e de permanente sofrimento.


É imperativo que tenhamos total consciência do mundo que nos cerca para minimizarmos os obstáculos que se apresentam a fim de transpô-los com relativa facilidade. Penso ser necessário que façamos uma reavaliação de todo conjunto ordenador em nosso país e ajustá-lo solidariamente, mesmo porque um projeto desta envergadura não poderá dispensar um único que seja, por mais simplório que se considere. A reestruturação do Estado brasileiro somente será possível com a participação efetiva de toda a sociedade caminhando num único caminho e sentido. Fora isso estaremos condenados a derrocada. Muito se fala em capitalismo selvagem, mas além dele vivemos numa democracia selvagem onde o ser humano menos favorecido é considerado e tratado como um subproduto da raça.


CELSO BOTELHO

25.11.2008