domingo, 16 de novembro de 2008

TRINTA ANOS DEPOIS...


A lei de Anistia “ampla, geral e irrestrita” de 1979 (leviana) foi um acordo tácito entre os militares e as lideranças políticas da época (Tancredo Neves, José Sarney, etc.) para a negociação que culminou com o retorno dos militares aos quartéis (de onde, aliás, jamais deveriam ter saído), mas isto não quer dizer que não possa ser revista, como toda e qualquer lei. No entanto, não vejo porque fazer do assunto um circo vaidades, revanches, pecuinhas e mote para discursos inócuos, demagogos e até pueris. Crime, seja ele qual for, não tem porque prescrever e quando se trata de tortura precisa ser reparado nem que seja no fim dos tempos. Os excessos foram praticados de parte a parte e, portanto, todos os seus praticantes devem receber o mesmo tratamento. Tenho que concordar que precisamos dar um final a questão dos desaparecidos políticos e a abertura dos arquivos é peça fundamental para que possamos preencher lacunas importantes. Não basta o Estado brasileiro estabelecer indenizações e pensões acompanhadas do pedido de desculpas oficiais é fundamental que tenhamos pleno acesso a todas as informações do período para que se tenha a oportunidade de resgatar a memória de todos aqueles, integrantes da situação ou oposição, que pereceram física, moral ou profissionalmente; inserirmos na História os fatos até então ocultos e darmos conhecimento para o mundo, através de ações concretas, que não haverá impunidade neste país para crimes de lesa-humanidade.


O presidente Lula, O Ignorante, não é afeito ao assunto e se posiciona a uma distância razoável do debate. Isso é ruim. Neste sábado o ex-presidente João Goulart, deposto em 1964 pelo golpe militar, foi anistiado trinta e dois anos após seu falecimento. Tardia, porém, mais do que justo o reconhecimento do Estado brasileiro para um presidente constitucionalmente eleito que teve sua legitimidade questionada com a renúncia do titular. Jango foi humilhado ao imporem um sistema parlamentarista, vitorioso num plebiscito que repudiou a manobra restituindo-lhe os poderes, com total desprendimento pelo poder abdicando de seus direitos garantidos pela Constituição evitando derramamento de sangue, perseguido viveu até seu último dia no exílio sob estreita vigilância da ditadura. Muitos dos que conspiraram contra Jango não tiveram a gratidão que esperavam do regime militar sendo defenestrados sem maiores ou menores explicações. Mas em contrapartida assisti muitos desfrutarem das mais variadas regalias e benesses oferecidas pela nefasta ditadura e até mantidas depois 1985.


O ministro da Justiça Tarso, O Genro, pode não contar com a minha simpatia, porém, devo concordar com o que disse “Não há o Estado de Direito que se consolide plenamente se esse Estado de Direito não fizer um ajuste de sua tortura anterior e a atual, inclusive.” Só que estes “ajustes” não estão restritos à tortura física ou psicológica, à perseguição política ou a restrição de liberdades eles vão muito além de tudo isso. A repressão instalou-se no Brasil desde o inicio de sua colonização até os dias atuais sob várias formas em todos os aspectos atendendo sempre os mais sórdidos objetivos de pessoas, interesses e momentos. Nessa polêmica sobre a Lei de Anistia podemos perceber nitidamente os mais distintos interesses tanto dos que se posicionam contra como aqueles favoráveis da prescrição dos crimes de tortura. Tem de tudo na contenda: ex-guerrilheiros, ex-opositores, ex-colaboradores, ex-informantes do regime militar, políticos de todos os matizes em todos os escalões que foram coniventes ou complacentes com a ditadura, militares da ativa e da reserva que pregam o “esquecimento” recorrendo até a origem grega da palavra anistia. O relator da ação que consulta o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a questão é o ministro Eros Grau que foi um militante do Partido Comunista do Brasil, o Partidão. Preso e torturado em 1972 durante o governo Médici (1969-1974) passou uma semana nas “agradáveis” instalações do DOI-Codi em São Paulo comandado à época pelo não menos notório coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (carrasco da atriz Bete Mendes, entre tantos outros brasileiros) já condenado por crimes de tortura, mas continua solto. Resta-nos aguardar o parecer do ministro a História decidirá sobre sua posição. O presidente do STF Gilmar Mendes com o qual, por sinal, não possuo nenhuma afinidade sintetizou muito bem o meu pensamento: “quem trabalha com alguma coerência jurídica não pode dizer que há imprescritibilidade para um lado e não para o outro.” Quase trinta anos depois, lamentavelmente, tenho que assistir o debate de uma questão que já deveria ter sido resolvida satisfatoriamente.


CELSO BOTELHO

15.11.2008